Habeas Corpus Nº 2007.04.00.038345-0/rsHabeas Corpus Nº 2007.04.00.038345-0/rs

Direito de apelar em liberdade. Artigos 594 e 312 do CPP. Requisitos.

Rel. Des. Élcio Pinheiro De Castro

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Roubo qualificado. Direito de apelar em liberdade. Garantia da ordem pública. Artigos. 312 e 594 do CPP. Medida excepcional. Liminar concedida frente a circunstâncias indicativas de ressocialização.

Rel. Des. Élcio Pinheiro De Castro


Cuida-se de habeas corpus, com pretensão liminar, impetrado por Micheline Pannebecker, em favor de Flávio Sávio Duarte Lobo. Segundo se depreende, o paciente, ao lado de outros dois réus, foi condenado a 08 (oito) anos de reclusão, em regime fechado, além de 36 dias-multa, pela prática do delito previsto no artigo 157, § 2º, inc. I, na forma do artigo 70, ambos do Código Penal (ação penal nº 99.1100135-0 - fls. 73-89). O MM. Juiz a quo negou aos acusados o direito de apelar em liberdade, nos seguintes termos: “Inicialmente, saliento que a privação da liberdade só se justifica em situações excepcionais, ou seja, não será permitido apelar em liberdade quando houver nos autos fatos concretos que indiquem que a manutenção da liberdade dos réus implique ameaça à garantia da ordem pública e/ou da aplicação da lei penal, em conformidade com o disposto nos artigos 312 e 594 do CPP. Nesse sentido: STJ, HC 56549, Quinta Turma, DJ 11.12.2006, Relator ARNALDO ESTEVES LIMA; e TRF4, HABEAS CORPUS, 2006.04.00.022538-3, Sétima Turma, Relator Tadaaqui Hirose, DJ 23/08/2006. No que tange à garantia da ordem pública, frise-se que tal circunstância 'é aquela que visa a manutenção da tranqüilidade no meio social, impondo-se também naquelas situações em que a liberdade do réu propiciar a reiteração da conduta delituosa.' (TRF4, HABEAS CORPUS, 2007.04.00.017498-7, Sétima Turma, Relatora Maria de Fátima Freitas Labarrère, D.E. 15/06/2007). Analisando os elementos trazidos aos autos, verifico que os réus Pedro Adoni Galiano da Silva, Flávio Sávio Duarte Lobo e Mário Antônio Lima Nunes, apesar de possuírem residência fixa, não têm ocupação lícita. E mais. Parece-me que a ocupação principal dos réus é dedicada a atividades ilícitas, o que pode ser verificado pelo fato de terem sido condenados em diversas outras ações penais (conforme certidões de fls. 239, 256, 258, 265, 290-291, 293, 295-296, 298-299 e 301), assim como em razão de estarem todos recolhidos à prisão pela prática de outros crimes (fls. 138, 143 e 150), o que reforça esta convicção. E esta circunstância indica prejuízo à manutenção da ordem pública, bastante para vedar que os réus possam apelar sem que estejam recolhidos à prisão, uma vez que a segregação cautelar é necessária para evitar a reiteração delitiva. Por outro lado, no que tange à necessidade de recolhimento dos réus à prisão a fim de assegurar a aplicação da lei penal, assevere-se que 'a real possibilidade de fuga do acusado fundamenta a prisão cautelar a fim de se resguardar futura e eventual aplicação da lei penal.' (STJ, HC 55904, Quinta Turma, DJ 12/02/2007, Relator Felix Fischer). No caso em exame, verifico que o réu Flávio Sávio Duarte Lobo se encontrava preso junto ao Presídio de São Sepé, tendo se evadido do local com a ajuda do réu Pedro Adoni Galeano da Silva (fl. 86). Além disso, na ocasião em que os réus foram presos em flagrante na cidade de Sapiranga, eles confirmaram que, apesar de estarem armados, inclusive com um fuzil AR-15 (fl. 87), somente não resistiram à prisão em razão de que duas crianças estavam presentes no local (fls. 86-92). Os réus foram presos naquele momento, por estarem foragidos. Diante deste quadro, conceder aos réus a possibilidade de apelar em liberdade representa risco concreto à aplicação da lei penal, pois presentes nos autos elementos suficientes a incutirem neste juízo o receio de que podem procurar furtar-se ao cumprimento da condenação, razão pela qual devem permanecer recolhidos à prisão para que possam interpor recurso de apelação, em conformidade com o disposto nos artigos 312 e 594 do CPP.“ Contra esse decisum foi ajuizado o presente mandamus. Sustenta a Impetrante, em síntese, que a “exigência judicial de ser o réu recolhido à prisão para manejar recurso de apelação deve, necessariamente, ser calcada em um dos motivos constantes do art. 312 do Código de Processo Penal e, por força do art. 5º, XLI e 93, IX, da Constituição Federal, o magistrado deve apontar os elementos concretos ensejadores da medida, o que não há no caso em tela“. Aduz também que o paciente “está exercendo profissão lícita desde que concedida sua semi-liberdade, além de não registrar o cometimento de novos delitos a partir do ano de 1999.“ Por fim, menciona que a Oitava Turma desta Corte concedeu o direito de apelar em liberdade ao co-réu Pedro Adoni Galiano da Silva, devendo o paciente receber o mesmo tratamento, porquanto a situação é similar. Diante disso, requer a concessão liminar da ordem e sua posterior confirmação pela Turma para que Flávio “possa aguardar o julgamento do recurso em liberdade“. A irresignação da Impetrante, ao menos neste juízo provisório, merece acolhida. Com efeito, a Oitava Turma deste Regional, na sessão de 10.10.2007, ao apreciar o HC nº 2007.04.00.030942-0, impetrado em favor do co-denunciado Pedro Adoni, por unanimidade, concedeu a ordem para deferir ao paciente o direito de apelar em liberdade. A ementa do referido julgado foi assim lavrada: HABEAS CORPUS. DIREITO DE APELAR EM LIBERDADE. ARTIGOS 594 E 312 DO CPP. REQUISITOS. 1. Em decorrência do princípio constitucional da presunção de inocência, insculpido no art. 5º, inc. LVII, da Carta Magna, no sentido de que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, extrai-se que a prisão provisória somente é admitida em caráter excepcional, nas hipóteses em que reste plenamente comprovada sua necessidade. 2. Nesse contexto, a regra inscrita no artigo 594 do Código de Processo Penal deve ser interpretada em consonância com os aludidos princípios constitucionais, condicionando-se a negativa de apelar em liberdade à existência de fatores concretos e objetivos demonstrando que o status libertatis do condenado representa ameaça efetiva à ordem pública, econômica ou à aplicação da lei penal (art. 312 do CPP) o que não se verifica no caso em tela. 3. O paciente, além de ter respondido o processo em liberdade, vinha regularmente cumprindo pena, em regime aberto, decorrente de outras condenações, possuindo bom comportamento carcerário, além de executar trabalho externo de forma satisfatória, sem apresentar, ainda, posteriores incidências delituosas. (public. no D.E. em 18.10.2007). Do voto-condutor, extrai-se os seguintes fundamentos: Analisando a vexata quaestio, a douta Procuradoria Regional da República assim se manifestou, verbis: “Pedro Adoni Galiano da Silva foi denunciado e condenado pela prática de roubo qualificado pelo emprego de arma, sendo-lhe imposta pena total de 8 (oito) anos de reclusão a ser cumprida, inicialmente, em regime fechado. A sentença determinou o recolhimento do paciente à prisão para apelar, na forma dos arts. 312 e 594 do Código de Processo Penal, ao entendimento da necessidade de garantia da ordem pública e da aplicação da lei penal. Contra essa decisão voltou-se o impetrante, sustentando que se encontra preso desde 1999, cumprindo privativa de liberdade decorrente de outras ações penais, tendo obtido progressão ao regime semi-aberto e remição por dias trabalhados. Refere que trabalhava no convênio da Prefeitura Municipal com a Susepe, na confecção de cadeiras, cabides e mesas e se recolhia ao Albergue Estadual de Santa Maria, estando em processo de ressocialização, o qual resta prejudicado com a determinação de recolhimento ao Presídio. Quanto aos fundamentos expendidos na decisão, alega que tem atividade lícita, consistente no trabalho que presta em regime carcerário, além de não representar risco à ordem pública em razão de não ter se envolvido com outras condutas delituosas desde a prisão, em 1999. A sentença condenatória, datada de 1 de agosto de 2007, determinou o recolhimento do paciente ao Presídio de Santa Maria ao fundamento de garantia à ordem pública, em razão da ausência de ocupação lícita e reiteração delitiva, encontrando-se o paciente preso pelas práticas dos delitos dos art. 138, 143 e 150. A prisão foi determinada, também, para assegurar a aplicação da lei penal, apontando a decisão que o co-réu Flávio Sávio Duarte Lobo foi auxiliado pelo paciente em fuga do Presídio de São Sepé, além de, na ocasião da prisão em flagrante, estar com grupo fortemente armado, inclusive com Fuzil AR-15, não tendo resistido à prisão porque se encontravam no local duas crianças (fls. 50 verso e 51). O art. 594 do Código de Processo Penal deve ser interpretado conforme os preceitos constitucionais que norteiam a necessidade do imediato encarceramento do réu, frente ao princípio da presunção de inocência constitucionalmente estabelecida. Assim, o recolhimento ao cárcere é medida adotada somente em casos excepcionais, exigindo a presença dos requisitos autorizadores da prisão cautelar, estabelecidos no art. 312 do CPP, cujos fundamentos consubstanciados no chamado periculum libertatis, isto é, a concreta e atual existência de situação de perigo, a ser provocada pelo réu, à aplicação da lei penal, à ordem pública ou econômica que deverá ser apontada na decisão condenatória. (...). Sobre o tema, o e. STF manifestou entendimento no seguinte sentido: 'PENAL. HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECOLHIMENTO À PRISÃO PARA APELAR. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO ADEQUADA. MEDIDA EXCEPCIONAL. ORDEM CONCEDIDA. I - A determinação de prisão cautelar que impede o paciente de recorrer em liberdade é medida excepcional, devendo ser fundamentada de forma individualizada, com a explicitação dos motivos que levaram o magistrado a impor a medida extrema. II - Paciente que respondeu ao processo solto deve, no caso, aguardar o trânsito em julgado em liberdade. III - Ordem concedida.' (HC 90895/SP, Relator Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Primeira Turma, DJ 29-06-2007). Assim, a determinação de prisão do réu para o fim de recorrer não representa afronta ao princípio constitucional da presunção da inocência, porquanto admitidas, também na Constituição Federal, as segregações com finalidade cautelar, conforme o art. 5°, LXVI, quando decretadas fundamentadamente pela autoridade competente (art. 5°, LXI). No caso em exame, a decisão recorrida apontou, ao determinar o recolhimento ao Presídio, a ausência de ocupação lícita e a reiteração de práticas delituosas como fundamento da garantia da ordem pública, bem como a evasão de co-réu, ajudado pelo paciente, do presídio onde se encontrava, e a confissão de que pretendia resistir à prisão, estando, na ocasião, integrando grupo fortemente armado. Contudo, cotejando os fundamentos expendidos na decisão com os elementos constantes nos autos referentes à execução das penas impostas ao paciente, verifica-se ausente a necessidade da adoção da medida excepcional. Sendo a prisão cautelar anterior ao trânsito em julgado, tem a função de instrumentalidade, de resguardar os interesses insculpidos na ordem pública e no interesse da efetividade da aplicação da lei penal. Desta forma, quanto à garantia da ordem pública, verifica-se que o paciente vem cumprindo trabalho externo, por meio de convênio da Susepe, como se vê dos documentos de fl. 20 e Certidão de fl. 20 verso, tendo inclusive remição da pena (fl. 25). Quanto à reiteração de práticas delituosas, os documentos dos autos apontam que PEDRO não se envolveu em outras práticas delituosas após o início de cumprimento da pena, como refere o Ministério Público na manifestação de fl. 08, ao opinar pelo deferimento do pedido de progressão de regime. Assim, ao ser prolatada a decisão que determinou o recolhimento ao Presídio, não mais se apresentam os fatos estabelecidos como indicativos da necessidade de garantia da ordem pública. No que se refere à aplicação da lei penal, evidencia-se o caráter instrumental de resguardo da efetividade do processo. Entretanto, as circunstâncias apontadas pelo Juízo não encontram guarida na atual situação do paciente, que se encontra cumprindo pena em regime aberto, com prestação de serviços externos, tendo apresentado comportamento adequado no estabelecimento carcerário, conforme Manifestação do Administrador do Albergue onde recolhido (fl. 25). Ainda que o paciente apresente histórico de fugas e recapturas ao sistema prisional, no expediente de fls. 13 a 19 vê-se que desde 1999 vem cumprindo adequadamente as penas impostas, tendo obtido progressão de regime por atendimento dos requisitos legais. Desta forma, constata-se que o atual comportamento do paciente não denota frustração à aplicação da lei penal. No que se refere à alusão sobre a intenção de resistir à prisão, também apontada pelo Juízo prolator da sentença, se verifica mero juízo de abstração, o qual não se confirma frente ao atual comportamento carcerário do paciente. Assim, dos fundamentos abstratamente considerados na decisão recorrida, não se vislumbra a necessidade eminente de segregação cautelar do paciente. (...). Logo, fatos concomitantes à ação penal que não ensejaram, na ocasião, a segregação, não se constituem em fundamentos autorizadores da prisão preventiva, considerados no escopo de exame da necessidade de recolhimento à prisão para apelar.“ Merece trânsito as ponderações lançadas pelo Ministério Público Federal. Em que pesem as doutas razões expostas na r. decisão monocrática, não se verifica motivos suficientes para impedir o apelo em liberdade do paciente. Com efeito, apesar de seus antecedentes criminais e de seu histórico de fugas do sistema prisional (em 1996, 1997 e 1999 - fls. 12-13) o fato é que Pedro, desde abril de 1999, está cumprindo regularmente as penas que lhe foram impostas, tendo progredido para o regime semi-aberto e, posteriormente, para o aberto, ostentando bom comportamento carcerário, circunstâncias indicativas de ressocialização. Quanto à última progressão, veja-se o teor da manifestação ministerial, datada de 09 de julho do corrente (fl. 08): 'Os autos vieram com vista acerca do pedido de progressão do regime. Em relação a isso, é possível verificar que após a decisão das fls. 435 e 617, o requisito objetivo de um sexto do cumprimento da pena, exigido pelo art. 112 da Lei de Execução Penal, restou implementado em 07/06/2007, consoante guia de recolhimento da fl. 619. Quanto ao requisito subjetivo, o apenado possui comportamento adequado, uma vez que a conduta carcerária é 'plenamente satisfatória' (fl. 613) e não há procedimento administrativo disciplinar em andamento. Outrossim, atualizados os antecedentes judiciais do apenado, é possível verificar que não existe registro de outras práticas delitivas durante a execução (fls. 627/633). Diante do exposto, o Ministério Público manifesta-se pelo deferimento do pedido de progressão de regime.' Vale ressaltar que, segundo os documentos anexados às fls. 20-24 e 28, o paciente, mediante convênio com a SUSEPE, trabalha junto à Prefeitura Municipal de Santa Maria/RS, sendo que vinha cumprindo regularmente as tarefas, conforme atestado pelo 'Mandado de Fiscalização do Serviço Externo' de fls. 20 e verso, obtendo, inclusive, a remição da pena. Por fim, importa destacar que a condenação objeto do presente writ é decorrente de fato praticado em 1998, não tendo sido decretada a prisão preventiva do paciente no presente processo. Assim, tendo respondido o feito em liberdade, e não havendo notícia da prática de outra infração penal desde a referida data, não se justifica a custódia cautelar, mormente quando, conforme visto, não se verifica a presença dos requisitos elencados no artigo 312 do CPP. Ante o exposto, concedo a ordem para deferir ao paciente o direito de apelar em liberdade da sentença condenatória proferida nos autos da ação penal nº 99.11.00135-0/RS.“ Situação semelhante é a do ora paciente. Apesar de seus antecedentes criminais, Flávio também está cumprindo regularmente as penas que lhe foram impostas, tendo, em 30.11.2005, obtido a progressão para o regime semi-aberto (fl. 106) ostentado ainda conduta carcerária plenamente satisfatória, conforme certidões emitidas pelo administrador da Penitenciária Estadual de São Luiz Gonzaga (fls. 115 e 119).A par disso, em face da aludida progressão, o paciente passou a efetuar trabalho externo, primeiramente junto à 'Casa da Criança e do Adolescente' (fl. 111) - tendo o Presidente da referida entidade atestado que Flávio Sávio “tem freqüentado, sem nenhuma falta, ou atraso, e tem prestado um bom trabalho em todas as tarefas designadas (fl. 111) - e posteriormente como ajudante de estofador (fls. 116, 131 e 138) obtendo, inclusive, a remição da pena (fl. 139).Por outro lado, em abril de 2006, foi autorizado a estudar na Escola Municipal de Ensino Fundamental Ernestina Langsch, estando regularmente matriculado e freqüentando assiduamente a 5ª série (Totalidade 3-EJA) conforme atestados constantes às fls. 126-30, 133-35 e 141-44. Logo, não tendo sido decretada a prisão preventiva do paciente no presente processo, e inexistindo notícia de qualquer incidência delituosa desde o início do cumprimento das penas impostas - mesmo estando em regime de semi-liberdade - não se justifica a custódia cautelar, principalmente em face do atual comportamento do acusado. Ante o exposto, presentes os requisitos legais (fumus boni iuris e periculum in mora) defiro a liminar para conceder ao paciente o direito de apelar em liberdade da sentença condenatória proferida nos autos da ação penal nº 99.11.00135-0/RS. Não há necessidade de informações. Abra-se vista dos autos à douta Procuradoria Regional da República. Comunique-se, com urgência, à Vara de origem. Intimem-se. Publique-se. Porto Alegre, 30 de outubro de 2007.

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