Penal - processual penal - crime contra a fauna - artigo 34, “parágrafo único“, “inciso ii“ da lei 9.605/98 - atos tendentes à pesca mediante utilização de métodos proibidos pela legislação ambiental - arrasto de rede - parecer ministerial pela decretação da prescrição da pretensão punitiva estatal não acolhido - houve suspensão condicional do processo e do curso do prazo prescricional - autoria e materialidade delitivas demonstradas - substituição da pena privativa de liberdade por prestação de serviços à comunidade - medida imposta em primeiro grau que atende aos princípios constitucionais da individualização e proporcionalidade da pena - recurso da defesa desprovido. 1. Antes de adentrar ao mérito do recurso propriamente dito, entendo necessário esclarecer questão levantada em parecer da lavra da Procuradora Regional da República acerca da ocorrência da prescrição em sua modalidade retroativa, que fulmina a pretensão punitiva estatal, considerando a pena imposta ao apelante e o fato de ter ocorrido o trânsito em julgado da decisão para a acusação. 2. A douta Procuradora Regional da República argumenta, em seu parecer, no sentido de que já teria decorrido lapso de tempo superior a quatro anos, contados da data do recebimento da denúncia (03/04/2003) até a data da publicação da sentença condenatória (31/07/2007), não mais se justificando a apreciação do mérito recursal, devendo haver a decretação da prescrição da pretensão punitiva estatal (fls.357/358). 3. Consigno que não há que se falar em prescrição retroativa da pretensão punitiva estatal. Regulando-se tal causa extintiva da punibilidade pela pena aplicada, verifico que a pena de 01 (um) ano de detenção prescreve em 04 anos, a teor do que dispõe o artigo 109, V do Código Penal. 4. Conforme consta dos autos, o réu foi surpreendido praticando atos tendentes à pesca mediante método proibido pela legislação ambiental, no caso, arrasto de rede, em 13/09/2002 - Boletim de ocorrência de fl.10 (data do fato), entre esta data e a data do recebimento da denúncia (03/04/2003), não transcorreu lapso de tempo superior a 04 anos, e, após o recebimento da denúncia, o Ministério Público Federal propôs a suspensão condicional do processo, tendo sido aceita pelo apelante, em 02/12/2003 (fl. 105), que, no entanto, descumpriu os termos do acordo firmado (fl. 144). Houve a revogação do benefício concedido em 17/03/2005, prosseguindo-se o feito, em seus ulteriores termos (fl. 146). 5. É cediço que, durante a suspensão condicional do processo, não corre o prazo da prescrição. Tendo transcorrido o prazo prescricional por oito meses, entre a data do recebimento da denúncia (03/04/2003) até a data da suspensão condicional do processo (02/12/2003) quando também houve a suspensão do prazo prescricional. 6. O benefício legal foi revogado em 17/03/2005, quando então voltou a fluir o prazo da prescrição, prosseguindo o feito em seus ulteriores termos, sendo que a publicação da sentença condenatória se deu em 07/08/2007 - fl.313, e não em 31/07/2007 como colocado no parecer ministerial, pois conta-se o prazo prescricional, não da data da prolação da sentença (31/07/2007), e sim da data da baixa dos autos à Secretaria quando de fato a sentença se torna pública. Entre a data da revogação do benefício legal (17/03/2005 - fl.146) até a data da publicação da sentença condenatória (07/08/2007 - fl.313), decorreu lapso de tempo de dois anos e cinco meses, que somados aos oito meses do saldo remanescente acima mencionado, que transcorreu da data do recebimento da denúncia até a data da suspensão condicional do processo, dá o total de três anos e um mês, não tendo decorrido lapso de tempo superior a quatro anos, como colocado pela Procuradora Regional da República, pois ela desconsiderou a suspensão condicional do processo, bem como do curso do prazo prescricional. Por esse motivo, não ocorreu o fenômeno prescricional, permanecendo íntegra a pretensão punitiva estatal. Parecer do MPF não acolhido. 7. A materialidade restou comprovada por meio do Boletim de Ocorrência nº 021767 de fl.10 e verso, pelo Auto de Infração Ambiental de fls.11/12, pelo Auto de Apresentação e Apreensão de fl. 13, no qual se encontra descrito o petrecho utilizado para a perpetração do delito e pelo Laudo Pericial de fls.23/26, lavrado pela polícia militar ambiental, onde se concluiu que “o uso do petrecho apreendido é proibido para o pescador amador em qualquer circunstância e para o pescador profissional, quando utilizado pelo método de arrasto“. 8. Quanto à autoria, verifica-se que houve confissão do delito, tanto em interrogatório prestado em sede de inquérito policial (fls.35/36), quanto em Juízo (fl.160-verso). 9. No mesmo sentido, foram as declarações prestadas pelo irmão do apelante, Edvaldo. Os depoimentos das testemunhas de acusação, policiais militares ambientais são no sentido de que o réu, à época dos fatos, pescava na represa de Água Vermelha utilizando método proibido pela legislação ambiental, qual seja, arrasto de rede. 10. Restaram plenamente comprovadas, nos autos, a materialidade e a autoria delitivas. 11. Por outro lado, o fato de nenhuma quantidade de peixes ter sido apreendida, por si só, não tem o condão de descaracterizar o crime previsto no artigo 34 da Lei 9.605/98, que pune os atos de pesca (art.36), mediante a utilização de aparelhos, petrechos, técnicas e métodos não permitidos em lei, exatamente a hipótese dos autos, quando se vê que o apelante foi surpreendido, dentro d''água, praticando atos tendentes à pesca mediante a utilização de rede - “arrastão“ (art. 36 da Lei Ambiental), tendo havido lesão ao bem jurídico tutelado pela norma. O agente foi surpreendido no exato momento da prática delitiva pelos policiais que integravam o 1º Pelotão da Polícia Militar Ambiental de Fernandópolis. 12. Houve lesão ao meio ambiente (crime de perigo concreto), não se podendo aceitar, nesta hipótese fática, tratar-se de caso a ser abrangido pela teoria do princípio da insignificância penal. Ademais, é preciso consignar que o bem juridicamente tutelado não se resume na proteção às espécimes ictiológicas, mas ao ecossistema, como um todo, que está ligado, intimamente, à política de proteção ao meio ambiente, como direito fundamental do ser humano, direito de ter um meio ambiente ecologicamente equilibrado. Na verdade, a lei cuida, não só da proteção do meio ambiente em prol de uma melhor qualidade de vida da sociedade hodierna, como também das futuras gerações, em obediência ao princípio da solidariedade em relação aos que estão por vir, previsto no artigo 225 da Carta Magna (direito fundamental de terceira geração). Precedente da Excelsa Corte. 13. O direito ao meio ambiente equilibrado é assegurado pela Constituição Federal como direito fundamental de terceira geração, que está diretamente relacionado com o direito à vida das presentes e das futuras gerações. Não pode, portanto, o Judiciário violar a intenção do legislador, expressa na lei, que teve como substrato a obrigatoriedade da proteção ambiental, estampado no artigo 225, da Constituição Federal, ao proclamar que o Poder Público e a coletividade devem assegurar a todos a efetividade do direito ao meio ambiente sadio e equilibrado. 14. Esta E. Corte já se posicionou de forma contrária à aplicação do principio da insignificância em caso análogo. 15. Apenas a título de argumentação, também não socorre o apelante nem mesmo a tese de estado de necessidade, que esbarra nas declarações prestadas pelo seu próprio irmão, Edvaldo, em seu interrogatório prestado perante a autoridade policial, no sentido de que o réu pescava no local apenas por lazer. 16. Nada há a autorizar qualquer interpretação que assegure a existência dos elementos necessários para a configuração do estado de necessidade ou do reconhecimento da atipicidade material da conduta (aplicação do princípio da insignificância), não prosperando, também quanto a este ponto, a pretensão da defesa. 17. E, no que se refere à revisão da pena restritiva de direitos, consistente na prestação de serviços à comunidade, que pretende a defesa seja substituída por pena de multa, sob a alegação de que as circunstâncias judiciais são favoráveis ao apelante e a aplicação da pena de multa atende melhor aos princípios da proporcionalidade e suficiência da sanção, também não assiste razão à defesa. 18. O artigo 5º, inciso XLVI, da Constituição Federal garante ao réu a individualização da pena; isto é, assegura que a pena imposta à pessoa condenada pela prática de crime seja proporcional à reprovabilidade de sua conduta. 19. A individualização da pena se dá em duas fases: a primeira: legislativa, quando abstratamente se definem quais condutas ilícitas merecem uma sanção penal e em que grau esta deve se dar, quer seja em razão da perniciosidade da conduta, quer seja em razão das características subjetivas do agente; a segunda: jurisdicional, quando o magistrado busca no ordenamento jurídico a norma hipotética e lhe dá concretude, aplicando-a a determinado caso, solucionando a lide penal. 20. Na fase abstrata, são enunciados os fatos típicos e, também, as circunstâncias atenuantes e agravantes, as causas de aumento e de diminuição da pena. A este regramento está vinculado o Juiz, não podendo criar, por exemplo, um novo fato típico, ou uma nova circunstância atenuante. Ocorre que, sendo impossível ao legislador individualizar pormenorizadamente cada conduta ilícita, ele estipula parâmetros, fixa os limites máximos e mínimos da pena, para que o juiz, dentro desses limites, imponha a sanção penal mais adequada ao caso concreto. 21. A conversão da pena privativa de liberdade em restritiva de direitos está dentro do contexto da individualização da pena. Note-se que, nos incisos de I a III do artigo 44 do Código Penal, o legislador fixa as hipóteses em que pode ocorrer a substituição, enquanto o parágrafo segundo desse artigo disciplina como se dará a conversão. Já, o artigo 55, do mesmo Código, estipula a duração de algumas espécies de penas restritivas de direitos, que observará o tempo da pena privativa de liberdade substituída. 22. No caso de prestação pecuniária, o legislador absteve-se de dar os critérios de equivalência com a pena privativa de liberdade, limitando-se, no parágrafo 1º do artigo 45 do Código Penal, a estipular seu mínimo e seu máximo. Ressalta-se que no presente caso, não houve dano patrimonial, e sim ambiental, não havendo como mensurar o bem jurídico tutelado (meio ambiente) por ser um direito difuso e fundamental do ser humano, ou seja, o direito de ter um meio ambiente ecologicamente equilibrado. E não resta outro caminho para a aplicação da reprimenda a não ser fazer uma conjugação dos princípios que norteiam a fixação da sanção penal, ou seja, individualização e proporcionalidade, responsáveis pela análise do desvalor da ação delituosa e do seu resultado. 23. E, de fato, a sanção penal deve atingir seus objetivos retributivo e intimidativo, ou seja, deve se voltar à prevenção de novas práticas delitivas, desestimulando-as, e deve ter o condão de retribuir, proporcionalmente, o mal praticado pelo infrator. 24. No entanto, entendo que foi razoável e adequada a pena alternativa imposta ao réu em substituição à pena privativa de liberdade, devendo ser mantida a pena substitutiva cominada em primeiro grau, qual seja, pena de prestação de serviços à comunidade ou à entidade pública, a ser definida pelo Juízo de Execuções Criminais. 25. Parecer ministerial não acolhido. Apelo da defesa desprovido. Decisão de primeiro grau mantida.
Rel. Des. Ramza Tartuce
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