Apelações criminais. Tráfico internacional de drogas. Financiamento/custeio para o tráfico: não descrição da conduta na denúncia. Associação para o tráfico. Preliminares de nulidade da sentença: inocorrência. Materialidade e autoria comprovadas. Dosimetria da pena. Causa de aumento da internacionalidade. Causa de aumento do transporte público: não verificada. Inaplicabilidade da minorante do artigo 33, §4º, da lei 11.343/2006. 1. Apelação criminal interposta pelos réus Sonia, Antonia e Ademilson contra a sentença que a condenou à pena 7 anos, 10 meses e 23 dias de reclusão, em regime inicial fechado, e ao pagamento de 1185 dias-multa, no valor unitário mínimo, como incursa no artigo 33, caput, c.c. o artigo 35 e cc. artigo 40, I e III e 41, da Lei nº 11.343/2006; à pena de 17 anos, 1 mês e 10 dias de reclusão, em regime inicial fechado, e ao pagamento de 3.421 dias-multa, no valor unitário mínimo, como incursa no artigo 35, parágrafo único, c.c. o artigo 36, caput, cc. artigo 40, I, da Lei nº 11.343/2006; à pena de 17 anos, 1 mês e 10 dias de reclusão, em regime inicial fechado, e ao pagamento de 3.421 dias-multa, no valor unitário mínimo, como incurso no artigo 35, parágrafo único, c.c. o artigo 36, caput, cc. artigo 40, I, da Lei nº 11.343/2006, respectivamente. 2. Nulidade na sentença: inocorrência de desrespeito ao artigo 384 do Código de Processo Penal. Recapitulação dos fatos realizada na sentença referiu-se a fatos já descritos na denúncia, consoante o artigo 383 do Código de Processo Penal. Nulidade da sentença por ausência de apreciação das teses das alegações finais: o fato de o juiz de primeiro grau proferir édito condenatório não traduz nulidade da sentença, observando-se que a decisão faz referência à prova e é amparada em raciocínio fundamentado. 3. Crime de financiamento/custeio para o tráfico de drogas: ausência de descrição da conduta na denúncia. Inviável a condenação pelo crime do artigo 36 da Lei 11.343/2006. Ainda que se pudesse cogitar de financiamento e/ou custeio para o tráfico de entorpecentes, o conjunto probatório coligido aos autos não corrobora a conduta de financiamento e/ou custeio. 4. Extrai-se da imputação que Antonia e Ademilson contrataram Sônia para o transporte de cocaína, mediante o pagamento de certa quantia em dinheiro. Sônia, por sua vez, subcontratou o transporte a Florinda (a real “mula“) mediante também pagamento em dinheiro, às custas de Antonia e Ademilson, concordantes com a subcontratação de Florinda. 5. Os fatos, tal como expostos na denúncia, relacionam-se, referentemente a Antonia e a Ademilson, à típica atividade de tráfico de drogas. Intelecção do artigo 383 do Código de Processo Penal, para enquadrar-se o comportamento delituoso da exordial acusatória no tipo do artigo 33, caput, da Lei 11.343/2006. 6. A materialidade e as autorias delitivas do tráfico de drogas imputadas a Antonia e a Ademilson encontram-se demonstradas pelas provas produzidas nos autos, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa. 7. O Laudo Preliminar de Constatação e o Laudo de Exame atestam ser cocaína a substância encontrada com a corré Florinda, no montante de 8,885 Kg (oito quilos, oitocentos e oitenta e cinco gramas). 8. Antonia e Ademilson negaram as acusações em juízo, no entanto, Antonia afirmou ostentar o apelido “Laureane“ e Ademilson o apelido “Duda“. A negativa confronta com o testemunho colhido sob o crivo do contraditório e ampla defesa. 9. As corrés Sônia e Florinda escreveram de próprio punho as fisionomias de Antonia (apelido Laureane) e Ademilson (apelido Duda), reconhecendo-os também por fotografia. 10. Do confronto da prova inquisitorial e da prova judicial, vislumbra-se a existência de inúmeras convergências entre elas: local de moradia de Antonia (Laureane) e Ademilson (Duda) apontado por Sônia, conforme relato testemunhal de Fernando Jorge Castro de Lucena (fls. 438/439); local de recebimento da droga em Corumbá; local de entrega da droga em Campo Grande; o valor da remuneração pelo transporte; a confirmação de que pessoa de nome Vanessa teria apresentado Sônia a Antonia (apelido Laureane), iniciando-se tratativas acerca do transporte da cocaína. 11. No inquérito Sonia refere-se a Vanessa como a pessoa que a apresentou a Laureane (apelido de Antonia), quem lhe fez a proposta do transporte da droga. Em juízo, Sonia diz que Vanessa apresentou-a a Laurinda (nome semelhante a Laureane) e que Laurinda lhe propôs o transporte de cocaína. 12. Nos interrogatórios judiciais das corrés Sonia e Florinda, elas não souberam explicar de forma clara o porquê da retratação quanto ao reconhecimento fotográfico, embora tenham confirmado a feitura das descrições físicas por escrito, de próprios punhos. 13. A apelante Antonia não ostenta maus antecedentes. A quantidade - quase nove quilos - e a qualidade da droga - cocaína - são fatores altamente vulnerantes ao bem jurídico tutelado pela norma, a saúde pública. Fixação da pena acima do mínimo legal, em 7 (sete) anos de reclusão e 700 (setecentos) dias-multa, nos termos do artigo 42 da Lei 11.343/2006. 14. O apelante Ademilson registra maus antecedentes, com condenação definitiva por tráfico de drogas. A quantidade e a qualidade da droga são fatores desfavoráveis à fixação da pena no mínimo. Pena-base em 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 750 (setecentos e cinquenta) dias-multa. 15. Inexistência de atenuantes e agravantes. 16. Incide a causa de aumento da internacionalidade do tráfico, pois: a) o entorpecente cocaína não é de produção nacional; b) a entrega da droga a Sonia foi realizada em Corumbá/MS, área de fronteira seca com a Bolívia; c) a quantidade de quase nove quilos é indicativa de que a droga proveio de país produtor, como a Bolívia. Procedência boliviana da cocaína. Imperatividade da aplicação da causa de aumento da internacionalidade. Aumento de 1/6. 17. Causa de diminuição do artigo 33, §4º, da Lei 11.343/2006 não tem aplicação aos apelantes. 18. A nova lei de drogas instituiu causa de diminuição de pena para o “traficante de primeira viagem“, - denominação do Professor Guilherme de Souza Nucci - no artigo 33, §4º. De acordo com o dispositivo em comento, é necessário o preenchimento simultâneo de todos os requisitos: a) primariedade, b) boa antecedência, c) não dedicação a atividades criminosas e d) não integração de organização criminosa, para a obtenção da redução da pena. 19. Ademilson registra maus antecedentes, não preenchendo o requisito primariedade. 20. Ademilson e Antonia não preenchem os requisitos legais pois a conduta imputada não é a de transporte da droga, em típica atividade de “mula“ do tráfico, de traficante ocasional, ostentando condição de importância no esquema criminoso, delegando o transporte da droga às “mulas“ e remunerando-as, a evidenciar a dedicação ao crime. 21. O novo enquadramento legal da conduta para o tipo do artigo 33, caput, da Lei 11.343/2006 conduz ao novo enquadramento do crime de associação. Inocorrente a narrativa na denúncia de crime de financiamento/custeio do tráfico, incabível falar-se em associação para o financiamento/custeio do tráfico (parágrafo único do artigo 35). 22. Vislumbra-se a descrição na denúncia de associação para o tráfico de drogas (artigo 35, caput, da Lei 11.343/2006). 23. O panorama fático-probatório demonstra a ocorrência de associação para o tráfico de drogas entre os corréus Antonia, Ademilson e Sonia. 24. Sonia declarou em juízo que recebeu a droga das mãos de pessoa “Laurinda“, que do confronto da prova é a corré Antonia, cujo apelido é Laureane. A quantidade de quase nove quilos de cocaína é bastante significativa. 25. Havia certo clima de confiança, de familiaridade no trato entre a corré Antonia (Laureane/Laurinda) e a corré Sonia, considerando-se que as negociações entre elas são bastante próximas. 26. Extrai-se entre Antonia, Ademilson e Sonia vínculo associativo com grau de estabilidade e permanência, tendo em vista a proximidade entre Antonia, Ademilson e Sonia, a contratação de maneira pessoal de Sonia para o transporte, negociando Antonia com ela o local do recebimento e da entrega da cocaína, o valor da remuneração e a expressiva quantidade do entorpecente. 27. O montante fixado na sentença, de quatro anos de reclusão revela adequação e pertinência com o caso concreto, porque o transporte de quase nove quilos de cocaína tem poder vulnerante da saúde pública em patamar mais acentuado que o corriqueiramente verificado nas apreensões de drogas com mulas perante a Justiça Federal. 28. A corré Florinda referiu-se a Sônia como a pessoa que a subcontratou para o transporte da droga, em troca do pagamento de quinhentos reais por quilo transportado. Sonia confirma o transporte da cocaína por Florinda, conforme ajustaram, em troca do pagamento de dinheiro. 29. Internacionalidade do tráfico: a) o entorpecente cocaína não é de produção nacional; b) a entrega da droga a Sonia foi realizada em Corumbá/MS, área de fronteira seca com a Bolívia; c) a quantidade de quase nove quilos é indicativa de que a droga proveio de país produtor, como a Bolívia. Procedência boliviana da cocaína. Imperatividade da aplicação da causa de aumento da internacionalidade. 30. Causa de aumento do artigo 40, III, da Lei 11.343/2006 (traficância em transporte público): não configurada. 31. A utilização de transporte público para levar o entorpecente oculto, isto é, sem o fim de disseminá-lo entre os passageiros, não se amolda ao espírito da nova Lei de Drogas que, ao prever a majorante, o fez para reprimir a mercancia em local de aglomeração de pessoas, diante da facilidade ao traficante de promover a disseminação da droga em tal situação, a atingir negativamente de maneira mais efetiva a saúde pública, tutelada pela norma. 32. A apelante Sônia não preenche os requisitos do artigo 33, §4º, da Lei 11.343/2006, pois a conduta imputada não é a de transporte da droga, em típica atividade de “mula“ do tráfico, de traficante ocasional. Sonia subcontratou o transporte da droga para a corré Florinda. A quantidade de quase nove quilos de cocaína é indicativa de certa familiaridade com a traficância, porquanto o dono do entorpecente não confiaria tamanho montante para pessoa inexperiente, sob o risco de perder vultosa quantia monetária. 33. Sônia dedicou-se à empreitada criminosa ao aliciar terceira para o transporte, fazendo crer, com amparo no conjunto probatório, ostentar condição de importância em uma pirâmide pessoal esquematizada do tráfico de drogas em análise.
Rel. Des. Silvia Rocha
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