Apelação criminal - tráfico internacional de entorpecentes - excludente de culpabilidade consistente na inexigibilidade de conduta diversa não demonstrada - pena-base mantida acima do mínimo legal - exclusão da circunstância atenuante da confissão e da causa de diminuição de pena do § 4º do artigo 33 da lei nº 11.343/2006 - inaplicabilidade da causa de redução de pena prevista no artigo 24, § 2º, do código penal - internacionalidade do tráfico comprovada - redução do percentual decorrente da internacionalidade do tráfico ao mínimo legal - majoração do número de dias-multa - impossibilidade de substituição por penas restritivas de direitos e de recorrer em liberdade - inutilidade da suposta inconstitucionalidade suscitada - apelação ministerial parcialmente provida - apelação da ré parcialmente provida. 1. Ré condenada pela prática de tráfico internacional de entorpecentes porque trazia consigo, no interior de 2 (dois) pares de sapato e no forro de uma pasta, para fins de comércio ou entrega de qualquer forma a consumo de terceiros, no exterior, 1.220g (um mil duzentos e vinte gramas) - peso bruto - de cocaína, substância entorpecente que determina dependência física e/ou psíquica, sem autorização legal ou regulamentar. 2. A não demonstrada situação financeira adversa da apelante, alegada de forma genérica e desprovida de lastro probatório mínimo, não constitui motivo idôneo a autorizar o reconhecimento da causa supralegal de exclusão da culpabilidade consistente na inexigibilidade de conduta diversa, na qual se baseia o estado de necessidade exculpante, a ilidir a responsabilização criminal. E mesmo que houvesse comprovação da aventada penúria, a conclusão não seria diversa, já que enveredar no mundo do crime não é solução acertada, honrosa, digna para resolver agruras econômicas - muitas delas vivenciadas por todo o corpo social - ao contrário, revela desvio de caráter, cupidez e pobreza de princípios. 3. A elevada quantidade (mais de um quilo) da nefasta droga apreendida (cocaína) - circunstâncias preponderantes - autorizam a manutenção da pena-base acima do mínimo legal. 4. A confissão traduziu-se em admissão da autoria impossível de ser negada, diante da prova inequívoca do transporte da droga pela ré, no interior de 2 (dois) pares de sapato e no forro de uma pasta, nas dependências do Aeroporto Internacional de São Paulo, em Guarulhos/SP. Além disso, a ré negou conhecimento de que transportava substância entorpecente no momento da abordagem policial e permaneceu em silêncio perante o Delegado de Polícia Federal, só vindo a confessar a prática delitiva em Juízo. Ainda, a ré agregou à confissão tese defensiva consistente no não comprovado estado de necessidade, sendo irreconhecível a confissão espontânea na conduta do agente que admite conduta criminosa incontrovertível, mas no mesmo ato aduz causa excludente do injusto da prática criminosa. 5. A pessoa que se dispõe a efetuar o transporte de substância entorpecente para o exterior com as despesas custeadas e mediante promessa de recompensa evidentemente integra organização criminosa de forma efetiva e relevante. Com efeito, a apelante, de forma voluntária, contribuiu para a narcotraficância internacional, constituindo figura essencial ao sucesso da empreitada criminosa, eis que incumbida de receber a droga devidamente embalada do fornecedor, ocultá-la e transportá-la em sua bagagem, devendo entregá-la ao destinatário na África do Sul, representando, portanto, o imprescindível elo de ligação entre fornecedor e receptor, o que afasta, de plano, a incidência do benefício discorrido, cuja aplicação exige a prova extreme de dúvidas da concorrência dos quatro requisitos exigidos na norma. 6. Não há que se cogitar da aplicação da causa de redução de pena prevista no artigo 24, § 2º, do Código Penal, eis que não se afigura nada razoável, nem aceitável, expor a risco a saúde pública, bem jurídico tutelado pela norma penal, em prol de uma temporária melhora na situação financeira da ré, que não comprovou sequer um fato concreto que demonstrasse a sua necessidade. O conjunto probatório carreado aos autos conduz a inafastável ilação de que o motivo propulsor da atuação criminosa da ré foi a obtenção de dinheiro fácil. 7. Internacionalidade do tráfico comprovada pela confissão da ré quanto ao destino da droga apreendida, que se encontrava, portanto, em vias de exportação, sendo irrelevante que ainda não tivesse deixado o país. Além disso, a ré foi abordada trazendo consigo cocaína no interior do Aeroporto Internacional de Guarulhos prestes a embarcar para o exterior, restando clara e evidente sua intenção de transportar a droga para fora do país, fato suficiente para considerar o crime consumado e para caracterizar a internacionalidade do tráfico perpetrado, ainda que não efetivada a internação da droga em território estrangeiro. Ademais, tratando-se de tipo misto alternativo, é evidente que o só fato de a ré ter consigo, dentro de sua bagagem, a cocaína destinada à exportação para Joanesburgo/África do Sul, deixa clara a consumação. 8. A lei de drogas fala tão somente em transnacionalidade do delito, e o iter geográfico que a apelante tencionava percorrer não reflete um trajeto extraordinário que lhe exigiria maior esforço e grandes riscos, razões pelas quais o percentual de aumento decorrente da internacionalidade do tráfico deve ser reduzido ao mínimo legal de 1/6 (um sexto). 9. Majoração da pena pecuniária, devidamente autorizada pela interposição de recurso ministerial e em observância ao critério bifásico eleito no artigo 43 da Lei nº 11.343/06, mantido o valor unitário mínimo. 10. Incabível a substituição por pena alternativa em razão da quantidade de pena privativa de liberdade fixada, que excede o limite disposto no inciso I do artigo 44 do Código Penal. 11. É entendimento cediço que ao condenado por crime de tráfico ilícito de entorpecentes é negado o direito de recorrer em liberdade, máxime se o agente respondeu preso a todo o processo em razão de prisão em flagrante - exatamente a hipótese sub judice - ou de prisão preventiva, não havendo de se cogitar em ofensa ao princípio constitucional da presunção de inocência, nos termos da Súmula nº 09 do Colendo Superior Tribunal de Justiça. Precedentes. 12. A matéria de inconstitucionalidade parcial do artigo 44 da Lei nº 11.343/2006, no que tange à vedação da concessão da liberdade provisória, é inócua na singularidade do caso, vez que, como já mencionado, a ré não preenche as condições necessárias para pleitear o benefício. 13. Apelação ministerial parcialmente provida. 14. Apelação da ré parcialmente provida.
Rel. Des. Johonsom Di Salvo
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