Apelação Criminal Nº 0006076-82.2008.4.03.6000/ms

Penal - processual penal - evasão de divisas - artigo 22, § único da lei nº 7.492/86 - preliminar de nulidade da sentença rejeitada - autoria e materialidade do delito amplamente comprovadas - dosimetria da pena aplicada em primeiro grau mantida - aplicação do artigo 33 da lei 7492/86 - impossibilidade de redução da pena de multa cominada, ex officio - ausência de pedido expresso da defesa nesse sentido - possibilidade de conhecimento de ofício somente de matérias de ordem pública - recurso da defesa desprovido - sentença mantida integralmente. 1- Não constitui prova ilícita o interrogatório de indiciados estrangeiros na fase policial, sem a presença de intérprete. 2 - In casu, as acusadas foram presas em flagrante delito pelo crime previstos no artigo 22, parágrafo único, da Lei nº 7.492/86. Antes de as acusadas serem ouvidas, em sede de inquérito policial, o Delegado Federal, que presidiu o interrogatório, esclareceu as rés de que era fluente no idioma espanhol, tendo dispensado o auxílio de intérprete. Desse modo, há presunção de legitimidade do ato praticado pelo Delegado Federal, além de constituir-se em ato administrativo que independe de ordem judicial. Precedentes do STJ e desta Egrégia Corte Regional. 3. E, eventual irregularidade ocorrida na fase do inquérito policial não contamina a ação penal. No mais, as acusadas foram ouvidas em juízo com a presença de intérprete devidamente compromissado. Preliminar de nulidade da sentença rejeitada. 4. A materialidade delitiva restou devidamente comprovada por meio do auto de apreensão (fls. 15/17) e do laudo de exame da moeda (fls. 53/72). 5. A autoria, da mesma forma, é inconteste. No interrogatório colhido na fase policial, a acusada Yesmy disse que lhe foi oferecida uma proposta, no valor de US$ 5.000,00 (cinco mil dólares americanos) de uma pessoa chamada Sônia em uma discoteca de Santa Cruz de La Sierra (Bolívia). O objetivo desta proposta era transportar certa quantidade de dinheiro de uma pessoa da cidade de São Paulo para a Bolívia. A ré afirmou que Sônia lhe teria dito que o envio de dinheiro via sistema financeiro teria um custo elevado. E, por fim, a acusada asseverou que tinha ciência da necessidade de declarar o numerário transportado às autoridades brasileiras (fls.08/10). A acusada Maria Luz disse que conheceu Sônia por intermédio de sua sobrinha, a corre Yesmy. afirmou que recebeu proposta, no valor de 5 mil dólares, vinda da parte de Sônia, para que transportasse certa quantia de dinheiro da cidade de São Paulo até Santa Cruz de La Sierra (fls.11/13). 6. Ainda em fase de inquérito, a testemunha de acusação Josany da Silva Santos Brasil, analista da Receita Federal, afirmou que foi designada para fiscalizar os passageiros e seus pertences no Aeroporto de Campo Grande. Ao verificar as bagagens das acusadas, Josany encontrou cédulas de dinheiro, sendo que o total foi de US$ 253.000,00 (duzentos e cinqüenta e três mil dólares) e R$6.277,00 (seis mil e duzentos e setenta e sete reais). Seu depoimento foi corroborado pela outra testemunha de acusação, Antônio Eduardo Veríssimo, agente da Polícia Federal, convocado para fazer o trabalho de fiscalização nos passageiros e bagagens no aeroporto de Campo Grande-MS, afirmando ele que as acusadas não souberam explicar a origem do dinheiro e nem possuíam “registro de aquisição ou regular transporte de dinheiro“ (fls.05/06). Os depoimentos das testemunhas colhidos na fase policial foram confirmados em juízo. 7. Ao serem ouvidas em juízo, as acusadas Yesmy e Maria Luz apresentaram versão dos fatos diferente dos narrados à autoridade policial. A acusada Yesmy disse que o dinheiro seria utilizado na compra de uma casa em São Paulo, o que não se concretizou, pois o preço do imóvel está muito além do que valia. Desse modo, resolveram retornar para Bolívia, com o dinheiro na “mesma embalagem“ (fls.166/67). A acusada Maria Luz disse que vendeu imóveis na Bolívia e sua intenção era adquirir uma casa em São Paulo. A finalidade da aquisição do imóvel no Brasil seria para fugir da crise econômica da Bolívia e fazer tratamento para ter filhos (fls.168/69). 8. Não procede a tese levantada pela defesa, de que os dólares apreendidos não resultaram de operação de câmbio, por terem sido provenientes de alienação de imóvel na Bolívia. Para a configuração do tipo penal do artigo 22, parágrafo único, da Lei nº 7.492/86, não importa a origem do dinheiro, se lícito ou não, mas tão-somente a remessa de valores ao exterior sem a devida comunicação aos órgãos federais competentes. Precedente desta Egrégia Corte. 9. Feito o cotejo de todas as provas produzidas, não há qualquer dúvida de que as acusadas tinham plena consciência da conduta ilícita que praticaram, devendo, pois, ser mantida a sua condenação, nos exatos termos da r. sentença a quo. 10. Divergência quanto ao voto do Relator apenas acerca da redução da pena de multa, de ofício, por ele realizada, ao entender que, por questão de simetria e proporcionalidade, a pena de multa deve corresponder ao mesmo patamar fixado na pena corporal. 11. O MM. Juiz a quo fixou, na primeira fase da dosimetria das sanções às rés, a pena-base em seu patamar mínimo legal em virtude das rés Yesmy e Maria Luz serem primárias e não registrarem antecedentes criminais, o que resultou na pena de 02 (dois) anos de reclusão, além do pagamento de 50 (cinqüenta) dias-multa. Na segunda fase, não houve o reconhecimento de circunstâncias agravantes ou atenuantes. Já, na terceira fase, considerando que o crime foi tentado, reduziu a pena em ½ (metade), nos termos do artigo 14, II, parágrafo único do Código Penal, perfazendo o montante de 01 ano de reclusão, para cada uma das rés, a ser cumprida no regime aberto, além do pagamento de 50 dias-multa, penas essas que tornou definitivas, substituída a pena privativa de liberdade por uma pena restritivas de direitos, consistentes em uma pena de multa no valor de R$5.000,00 (cinco mil reais), para cada uma (fls. 285/310). 12. Tais penas aplicadas em primeiro grau foram reduzidas apenas no que tange a pena de multa, pelo E. Relator, ao reconhecer, na primeira fase da dosagem da pena, que as circunstâncias judiciais previstas no artigo 59 do Código Penal eram favoráveis as rés, tendo em vista que as acusadas são primárias e ostentam bons antecedentes, autorizando, desta forma, a fixação da pena-base em seu mínimo legal, tal como aplicada em primeiro grau, ou seja 02 (dois) anos de reclusão, e na ausência de circunstâncias agravantes e atenuantes, manteve a redução da pena corporal pela metade tal como aplicada em primeiro grau, em razão da tentativa, já que as apelantes não ultrapassaram as fronteiras do território nacional com o numerário transportado, de forma que o iter criminis restou quase integralmente percorrido, resultando na pena corporal de 01 (um) ano de reclusão, para cada uma das apelantes. Porém, no que tange a pena de multa, por razões de simetria e proporcionalidade, fixou a pena de multa no mesmo patamar mínimo legal, ou seja, 10 (dez) dias-multa, que em razão da redução da reprimenda penal pela metade em decorrência da tentativa, reduziu a pena de multa cominada no mesmo patamar, restando fixada a pena de multa em 05 (cinco) dias-multa, resultando na pena definitiva de 01 ano de reclusão, mais o pagamento de 5 (cinco) dias-multa, para cada uma das rés, ora apelantes. 13. Anoto que a redução das penas de multa cominadas para cada uma das acusadas, foi realizada de ofício, pelo I. Relator (fl.419), sem haver pedido expresso da defesa. 14- No caso concreto, considerando a prática do delito do artigo 22, § único, da Lei nº 7.492/86 pelas rés, é de se aplicar o artigo 33 da referida lei que diz: “Art. 33. Na fixação da pena de multa relativa aos crimes previstos nesta Lei, o limite a que se refere o § 1º do art. 49 do Código Penal, aprovado pelo Decreto-lei nº 2848, de 7 de dezembro de 1940, pode ser estendido até o décuplo, se verificada a situação nele cogitada.“ 15. Está, pois, justificada a aplicação da sanção pecuniária, como fixada em primeiro grau, motivo pelo qual não merece ser alterada a sentença. 16. O recurso da defesa, como já dito, limita-se a pedir a absolvição das apelantes, e não houve pedido alternativo ou subsidiário, não se insurgindo a defesa quanto a dosimetria da pena fixada em primeiro grau (fls.346/380), não havendo pedido expresso de redução da pena de multa pelo fato de a pena-base cominada ter sido fixada no mínimo legal. 17. Assim, em respeito ao princípio tantum devolutum quantum appellatum, a redução, de ofício, da pena de multa cominada não pode subsistir, pois não é dado ao julgador inovar no julgamento do recurso, no que diz respeito a matéria não trazida a discussão por ocasião da apelação. 18. É que somente as matérias de ordem pública podem ser reconhecidas de ofício pelo julgador, como é o caso, verbi gratia, de nulidades, de prescrição, etc. 19. Restou evidente que a prova acusatória se mostrou hábil a fundamentar um juízo de condenação e que a reprimenda penal foi corretamente dosada, impondo-se a manutenção da decisão de primeiro grau. 20. Preliminar rejeitada. Recurso das apelantes desprovido. Sentença mantida, em seu inteiro teor.

Rel. Des. Luiz Stefanini

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