Penal - crime contra a ordem tributária (artigos 1º, inciso i, e 12, inciso i da lei 8.137/90) - materialidade e autoria delitivas comprovadas - excludente da culpabilidade - dificuldades financeiras não demonstradas - recurso da defesa a que se nega provimento - sentença condenatória e dosimetria das penas impostas aos réus integralmente mantidas. 1. A par do respeito e admiração que nutro pelo Ilustre Relator, dele ouso divergir, pois entendo que não merece provimento o recurso interposto pelos réus MARCO ANTÔNIO SCUDELER, DANIEL RODRIGO SCUDELER e ANTÔNIO SCUDELER para absolvê-los da prática do delito previsto no artigo 1º da Lei nº 8.137/90. 2. Conforme se vê, os réus, ora apelantes, foram condenados pela douta juíza sentenciante [fls.698/704 e verso], no que tange ao crime capitulado nos artigos 1º, inciso I e 12, inciso I, da L. 8.137/90, sob o fundamento de terem omitido a Receita Federal rendimentos que ensejaram movimentação em contas bancárias, acarretando a redução de tributo, além de terem prestado informações divergentes da registrada na escrituração da pessoa jurídica “Scudeler Bar e Lanchonete“, da qual são sócios-gerentes. 3. O Ilustre Relator, ao contrário, do entendimento da juíza sentenciante, em seu voto, que restou vencido, absolveu os réus Daniel Rodrigo Jesuíno Scudeler e Antônio Scudeler, pois não haveria provas cabais no sentido de que eles, efetivamente, eram os responsáveis pela prática de atos de gestão, daí por que, na dúvida, deveria prevalecer o princípio in dubio pro reo, em relação a eles, absolvendo-os, nos termos do artigo 386, inciso V, do CPP, e mantendo a condenação imposta ao corréu Marco Antônio Scudeler. Ele, ainda, de ofício reduziu a reprimenda penal imposta a este réu para 02 [dois] anos e 03 [três] meses de reclusão, além do pagamento de 11 [onze] dias-multa, no valor de um quinto do salário mínimo, mantendo, no mais, a sentença. 4. Em primeiro grau, todos os réus foram condenados pela prática da conduta tipificada no art.1º, inciso I, da Lei nº 8.137/90 - Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional -, sendo que foram denunciados na condição de sócios-gerentes da pessoa jurídica “Scudeler Bar e Lanchonete Ltda.“, por terem prestado, ao órgão fazendário, informações atinentes à contribuição para o financiamento da seguridade social - COFINS, em divergência com os montantes registrados na escrituração da empresa. Os fatos ocorreram de 1998 a 2003, e, em conseqüência desses fatos, foi lavrado o auto de infração no valor original de R$ 7.025,18 (sete mil e vinte e cinco reais e dezoito centavos). Além disto, o corréu Marco Antônio Scudeler omitiu a Receita Federal rendimentos tributáveis em seu imposto de renda - IR, nos anos-calendários de 1998 a 2001, rendimentos que ensejaram movimentações em contas bancárias, acarretando a redução de tributo. E, em conseqüência desses fatos, foi lavrado o auto de infração no valor original de R$ 2.886.135,48 (dois milhões, oitocentos e oitenta e seis mil, cento e trinta e cinco reais e quarenta e oito centavos). 5. O E. Relator argumentou, em seu voto vencido, que, em que pese existir provas da materialidade, não há provas suficientes nos autos a demonstrar que os réus Daniel e Antônio tenham cometido o crime que lhes foi imputado pela acusação - omissão de informações e prestação de declaração falsa ao órgão fazendário, reformando a decisão condenatória de primeiro grau, para dar parcial provimento ao recurso da defesa, e absolver os réus supracitados, mantendo, no entanto, a condenação do corréu Marco Antônio Scudeler. 6. No entanto, data venia, ao contrário do que sustenta o E. Relator, entendo que as provas apresentadas pela acusação são aptas a manutenção do decreto condenatório de primeiro grau em desfavor de todos os apelantes, por haver elementos suficientes da autoria delitiva, por parte deles. 7. Do mérito. Materialidade. Concordo com o E. Relator, no que tange a materialidade delitiva, que restou comprovada por meio do Procedimento Administrativo Fiscal nº 10830.009446/2003-31, instaurada pela Delegacia da Receita Federal de Campinas (fls. 103/188), em cujo bojo constam os termos de constatação fiscal (fls.106/108 e 124/127) e os autos de infrações lavrados pelas autoridades fazendárias (fls. 113//123, 128/167 e 169/171). 8. Autoria. No entanto, discordo do E. Relator no que tange a autoria delitiva, que, do mesmo modo, entendo que restou plenamente comprovada, pela ficha cadastral expedida pela Junta Comercial do Estado de São Paulo [fls.90/91], em que consta que eram os réus os responsáveis pela administração da empresa, evidenciando-se, assim, a inquestionável responsabilidade penal dos ora apelantes. Tudo isso acabou sendo corroborado pela própria versão oferecida pelos acusados, que admitiram serem os sócios administradores da empresa, dando informações precisas a respeito da situação e saúde financeira da empresa “Scudeler Bar e Lanchonete Ltda“, tanto na fase inquisitorial [fls. 394/395; 396/397 e 399/400 - volume 02 dos autos em apenso]; quanto na fase judicial [fls. 452/453, 454/455 e 456/457], e, portanto, foram os responsáveis pela omissão, supressão e redução de tributos federais. 9. E, em que pese a negativa de autoria em seus interrogatórios supra-transcritos, não merece credibilidade a alegação no sentido de que, embora sócios-proprietários da empresa Scudeler Bar e Lanchonete Ltda, não tinham conhecimento da administração e contabilidade da empresa, alegando que não exerciam funções de natureza técnica e administrativa, que ficavam a cargo de seu contador Luiz Bonel, pessoa já falecida, transferindo, de forma cômoda e conveniente, a responsabilidade penal a ele, que, como contador, controlava os documentos e livros fiscais da empresa. Ora, os apelantes eram os sócios-gerentes da empresa, e todos os sócios eram responsáveis por sua administração na época dos fatos. Sob a responsabilidade de todos os apelantes estavam todas as obrigações da sociedade, inclusive as de natureza fiscal e tributária. 10. As obrigações tributárias, tanto a principal como a acessória, neste caso, decorrem da lei, repousando de forma direta sobre os ombros do sujeito passivo da obrigação tributária, de forma que pouco importa a Administração Pública saber quem era o responsável pelo setor administrativo, financeiro ou contábil da empresa. 11. É certo que todos tinham poder de mando e administravam, conjuntamente, a empresa, não sendo crível que eles não tivessem ciência das irregularidades fiscais e ilícitos tributários cometidos no âmago da própria empresa que lhes pertencia, não podendo ser aceita a singela alegação de que a contabilidade e a responsabilidade pela regularização fiscal cabiam, exclusivamente, ao contador da empresa - Luis Bonel - pois o controle da regularidade da contabilidade da empresa compete, precisamente, aos seus administradores, no caso os apelantes, aos quais cabia a responsabilidade pela fiscalização de todas as operações comercias e contábeis da empresa, sendo que a omissão, redução e supressão do pagamento de expressivo montante de tributos por parte da empresa só interessava aos seus sócios-administradores, que seriam os únicos beneficiários com a sonegação fiscal, sendo que Luis Bonel, que prestava serviços contábeis à empresa, na condição de contratado e subordinado às ordens dos apelantes, não iria praticar tal conduta delituosa para beneficiar os ora apelantes, sem a sua anuência, sendo que era comandado e obedecia ordens ditadas pelos apelantes. 12. Aliás, a corroborar a materialidade e autoria delitivas foram elucidativos os esclarecimentos fornecidos pelo Auditor-Fiscal da Receita Federal, Marcos Fernando Prado de Siqueira, ao trazer as explicações técnicas sobre os procedimentos fiscais adotados e a forma como se deram os autos de infrações em decorrência de inúmeras fraudes, visando a omissão, redução ou supressão de tributos [IRPJ, CSSL e PIS] e contribuições sociais devidas à Previdência Social [COFINS], como se vê de seu depoimento em juízo, de fls. 552/553 dos autos. 13. Por outro lado, as testemunhas de defesa ouvidas em juízo [fls. 600 e 601], não sabiam sobre os fatos narrados na denúncia e nada acrescentaram ao material probatório coligido. 14. Concluo que as provas contidas nos autos conduzem, de forma lógica e harmônica, à existência do ilícito penal, e à autoria do delito, imputada não somente ao correu Marco Antônio, mas a todos os réus, ora apelantes, sendo a manutenção da r. decisão condenatória de primeiro grau, medida que se impõe. 15. Das dificuldades financeiras. No que se refere à alegação da defesa acerca do reconhecimento da inexigibilidade de conduta diversa, ante as dificuldades financeiras por que teria passado a empresa do réu, tenho que, in casu, não restou comprovada a alegada penúria financeira aduzida pela defesa. De fato, as dificuldades financeiras acarretadoras de inexigibilidade de outra conduta (excludente de culpabilidade) devem ser de tal monta que ponham em risco a própria sobrevivência da empresa, cabendo ao acusado cabal demonstração de tal circunstância, trazendo aos autos elementos concretos de que a existência da empresa estava comprometida, caso recolhesse os tributos devidos, e, assim, não lhe restando outra alternativa que não a omissão dos recolhimentos. 16. Entendimento contrário, ou seja, se meros indícios de percalços econômicos vivenciados circunstancialmente por dada empresa, e cuja gravidade e intensidade não são aferíveis ou não restaram demonstradas, possibilitasse a configuração da denominada inexigibilidade de conduta diversa, estaríamos a banalizar um instrumento de exclusão da culpabilidade que deve incidir em casos especialíssimos, vale dizer, nas hipóteses raras em que o recolhimento do tributo geraria a bancarrota da empresa ou a demissão de funcionários, eis que não seria lícito exigir o cumprimento da norma legal em detrimento da existência da própria empresa. 17. Há que se ressaltar que qualquer estabelecimento comercial ou industrial, ou mesmo, pessoas físicas, passam por dificuldades financeiras, principalmente no país em que vivemos, onde a história recente incorporou a inflação e a ambição na cultura dos cidadãos. Porém, desejar justificar a prática reiterada de atos ilícitos previstos como crime, em face dessas eventuais situações críticas por que passam todos os cidadãos, não se coaduna com o estado de necessidade, cujos limites legais são da maior importância para que não se reverta na porta aberta à impunidade. 18. Insta observar, também, que era dos acusados o ônus de comprovar que a situação da sociedade empresária por eles administrada era efetivamente precária e que, por tal razão, outra não poderia ter sido sua conduta senão a de deixar de recolher aos cofres do Tesouro os tributos, em prejuízo da sociedade. 19. Deveriam, portanto, ter comprovado em juízo todas as formas que adotaram a fim de superar a crise, e não apenas limitarem-se a fazer alegações vagas, ou por meio de testemunhas, sem trazer, porém, prova documental mais robusta aos autos. 20. Outrossim, deveria a defesa ter trazido maiores elementos de convencimento aos autos, o que, porém, não foi feito, de forma que entendo não tenha ficado demonstrado nos autos os requisitos para a aplicação da exculpante, já que simples afirmações de dificuldades financeiras não têm, por si só, o condão de demonstrar não pudessem os acusados agir de forma diversa. Precedentes de nossos Tribunais Regionais e do Colendo STJ. 21. Destarte, não tendo os acusados demonstrado a precariedade econômico-financeira de sua empresa por meio de prova documental robusta que corroborasse as demais colhidas nos autos, impossível a aplicação da excludente de culpabilidade requerida pela defesa, devendo ser mantida a condenação deles, como incursos nas penas dos artigos 1º, inciso I e 12, inciso I, da Lei nº 8.137/90. 22. Da dosimetria da pena. Por fim, no que toca a dosimetria da pena, uma vez mais, divirjo do Ilustre Relator, e mantenho a pena do corréu Marco Antônio Scudeler e dos demais réus, tal como fixadas em primeiro grau. 23. O E. Relator reduziu a reprimenda imposta ao corréu Marco Antônio, da seguinte forma: na primeira fase da dosimetria da pena, atento às diretrizes do art. 59 do Código Penal, o E. Relator manteve a pena-base acima do mínimo legal, pelas mesmas razões adotadas pela douta juíza sentenciante, no entanto, entendeu que por questão de simetria e proporcionalidade, a pena de multa deveria corresponder ao mesmo patamar fixado na pena corporal, tendo em vista que a pena privativa de liberdade foi majorada na proporção de 1/8 (um oitavo), fixou a valor do dia-multa em 11 (onze) dias-multa, sendo que o valor fixado em primeiro grau foi de 20 (vinte) dias-multa. Na segunda fase da dosimetria da pena ausentes circunstâncias atenuantes ou agravantes, bem como causas de aumento ou diminuição de pena, foi mantido no voto vencido o valor do dia-multa ora fixado. Já na terceira fase da dosimetria da pena, porém, o Relator do voto vencido não reconheceu a causa especial de aumento de pena do art. 12, inciso I, da L. nº 8.137/90, por não concordar com a fundamentação utilizada pela magistrada no bojo de sua sentença, entendendo que o fato do acusado ter mantido estabelecimento comercial para a prática de contravenção penal do jogo do bicho não estabelecia nenhuma relação com os Crimes contra a Ordem Econômica e Tributária, reduzindo a pena, ex officio, para 02 anos e 03 meses de reclusão para o apelante Marco Antônio Scudeler. 24. Divirjo desse entendimento, pois a magistrada fundamentou seu entendimento no grave dano ocasionado à coletividade, por expressa previsão normativa do inciso I, do art. 12 da Lei dos Crimes contra a Ordem Econômica e Tributária. Assim sendo, mantenho a elevação da pena em razão da causa especial de aumento de pena do artigo 12, inciso I, da L. 8.137/91, no seu patamar mínimo legal [1/3], o que resultou na pena definitiva de 03 anos de reclusão, para cada réu, bem como mantenho o montante dos dias-multa, fixado em primeiro grau, ou seja, 20 dias-multa, mantido o seu valor unitário como fixado em primeiro grau. 25. O Relator manteve as penas alternativas substitutivas das penas privativas de liberdade, tal como consignado em primeiro grau. 26. Neste passo, observo que a pena fixada é inferior a 04 (quatro) anos e o delito não foi cometido com utilização de violência ou grave ameaça. Por outro lado, os réus não são reincidentes e as circunstâncias previstas no artigo 44, inciso III indicam que a substituição da pena corporal por penas restritivas de direitos será suficiente. Assim sendo, é de se manter as penas restritivas de direitos aplicadas em primeiro grau. 27. Recurso da defesa desprovido. Sentença condenatória e dosimetria das penas mantidas.
Rel. Des. Ramza Tartuce
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