Apelação criminal. Penal. Processo penal. Artigo 1º, inciso vi, c/c §4º, da lei 9.613/98. Denúncia apta. Separação de processos garantida pelo artigo 80, do código de processo penal. Cerceamento de defesa pelo indeferimento de oitiva de testemunha referida não configurada. Provas ilícitas inexistentes. Decreto nº 3.810/2001. Compartilhamento de provas entre os processos. Nulidade da sentença por ausência de fundamentação quando do aumento da pena não comprovada. Autoria demonstrada. Dolo comprovado. Dosimetria adequada. Recursos improvidos. Mandado de prisão a ser expedido após o trânsito em julgado. 1 - Réus condenados porque, consciente e voluntariamente, a título oneroso ou gratuito, cederam seus nomes e dados pessoais para ingressarem como sócios, procuradores ou beneficiários de empresas nacionais e estrangeiras e trusts sediadas em paraísos fiscais, visando ocultar a propriedade de bens e a origem de valores provenientes da gestão fraudulenta do Banco Santos S/A. 2 - A presente ação tramitou separadamente do feito principal (2004.61.81.008954-9) em função da fase adiantada desse processo, por serem outros os denunciados, e os fatos narrados, embora conexos, diversos. Ao final, no entanto, a sentença foi única para ambos os processos. 3. Não há que se falar em denúncia genérica, tampouco em ausência do preenchimento dos requisitos legais. Nos crimes praticados em concurso de pessoas nem sempre é possível realizar, de plano, perfeita individualização das condutas de cada denunciado. Sendo esse o caso, desde que a acusação descreva o delito e demonstre o vínculo de cada denunciado com o fato propriamente dito, apontando os elementos que se baseiam a atribuição desse liame, a pormenorizada individualização pode ser postergada para a instrução processual. No presente caso, essa individualização mínima restou satisfatoriamente demonstrada. 4. O processo e julgamento do crime de lavagem de dinheiro é regido pelo princípio da autonomia, não se exigindo, para que a denúncia que imputa ao réu tal delito seja considerada apta, prova concreta da ocorrência de uma das infrações penais exaustivamente previstas nos incisos I a VIII do art. 1º do referido diploma legal (na redação anterior à Lei 12.683/2012), bastando a existência de elementos indiciários de que o capital lavado tenha origem em algumas das condutas ali previstas. 5 - No momento do recebimento da denúncia, é necessário um início de prova que indique a probabilidade de que os bens, direitos ou valores ocultados, dissimulados ou integrados sejam provenientes, direta ou indiretamente, de um dos crimes antecedentes, não havendo necessidade de uma certeza absoluta quanto à existência do crime antecedente. Nesse sentido, a vultosa quantia em dinheiro movimentada pelos denunciados evidenciada pelo cenário dos fatos (empresas de grande porte e empresas off shore localizadas em paraísos fiscais, intensa movimentação de valores envolvendo empresas de fachada, constantes alterações cadastrais de empresas cujo quadro societário era também “de fachada“, luxo extravagante na construção de uma residência etc.) e a imperiosa necessidade de se proteger o verdadeiro proprietário dos bens e sócio das empresas e bancos são indicativos de que os valores em questão eram de origem ilícita. 6 - Uma vez bem descrita uma denúncia que em tese se amolda a um tipo penal, presente está a remissão - ainda que implícita - ao dolo. 7 - Não há vício na decisão que recebeu a denúncia dando origem a uma nova ação penal, ao invés de ser aditada a denúncia na ação principal. O recebimento da denúncia e a prevenção do Juízo a quo foram devidamente fundamentados. 8 - A oitiva de testemunha referida é faculdade do julgador e só deve ser deferida se necessária e conveniente à apuração dos fatos, a fim de não conturbar a instrução do feito gerando uma complexidade inútil, não implicando o indeferimento em cerceamento de defesa. 9 - O decreto nº 3.810/2001 promulga o Acordo de Assistência Judiciária em Matéria Penal entre o Governo Brasileiro e o Governo dos Estados Unidos da América, e no item referente às restrições de uso há expressa exceção à limitação das informações prestadas quando houver obrigação constitucional nesse sentido no âmbito de uma ação penal, o que vem amparado no artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal. 10 - Não há ilegalidade nas provas consistentes de os e-mails trocados entre o réu e seus advogados, uma vez que tais e-mails foram coletados quando do cumprimento do mandado judicial de busca e apreensão, momento este em que nem mesmo havia ação penal em curso. 11 - Sobre a alegada ausência de demonstração nas audiências de documentos que não se encontravam juntados aos autos, mas que foram utilizados pelo Juízo na oitiva de testemunha, não há como discordar de que desde o recebimento da denúncia todas as partes estavam cientes da conexão deste feito com o de nº 2004.61.81.008954-9, onde estariam os documentos, e que o oferecimento da denúncia em separado se deu, precipuamente, pela fase adiantada do processo principal. Assim, não haveria óbice entre os envolvidos na obtenção de vistas dos processos e portanto de acesso a todas as provas que julgassem necessárias em ambos. 12. Não se verifica nulidade da sentença por ausência de fundamentação quando do aumento da pena base e causa de aumento de pena. A pena aplicada aos réus foi suficientemente fundamentada. 13 - Com relação ao mérito recursal, apurou-se que a gestão fraudulenta da instituição financeira Banco Santos S/A verificada nos autos de nº 2004.61.81.008954-9 teria rendido ensejo à criação de uma gama de empresas (nacionais e estrangeiras) com vistas à contribuição da lavagem dos valores desviados daquela instituição, das quais os denunciados deste processo figuravam ora como sócios, ora como procuradores, ora como administradores. 14- O Ministério Público Federal protesta pela condenação da corré - absolvida do crime de lavagem de dinheiro - às penas do artigo 299, do Código Penal. O recurso ministerial deve ser improvido, uma vez que esta ré foi denunciada pelo crime de lavagem de dinheiro por ter composto o quadro societário de empresas do Grupo Santos que serviram de base para a ocultação de valores espúrios movimentados a mando de seu real proprietário, e deste crime se defendeu, não sendo possível agora, após a sentença, alterar a definição jurídica de sua conduta para o crime de falsidade ideológica, sob pena de flagrante ofensa ao princípio da correlação entre acusação e sentença. 15 - Todos os réus protestam por suas absolvições diante da ausência de comprovação de que tivessem consciência das atividades supostamente ilícitas praticadas pelas empresas do Grupo Santos e dos valores movimentados, e pela impossibilidade da responsabilização penal objetiva, isto é, baseada simplesmente porque figuraram como sócios ou procuradores de pessoas jurídicas. 16 - Réus que compunham o quadro societário das empresas citadas na denúncia, e que viabilizaram, por meio das empresas que representavam, o reingresso no país de valores sem vinculação com sua origem clandestina, em prol da própria instituição financeira, ou, em última análise, dos dirigentes do Banco Santos e seus familiares, servindo para a manutenção do fluxo financeiro do Banco Santos e de suas empresas não financeiras que compunham seu organograma, para o pagamentos de Bônus a Diretores e funcionários, e investimentos em imóveis particulares e obras de arte. 17- Transações bancárias travadas a título de investimentos em empresas brasileiras que, na verdade, representavam entradas de valores clandestinos que estavam no exterior das próprias empresas. 18 - O vínculo entre as empresas e o fato de serem empresas destinadas a receberem o reingresso de dinheiro lavado (fase da integração da lavagem de dinheiro) vêm ainda estampados quando se verifica que muitas tinham como endereço caixa postal e outras praticamente o mesmo endereço. 19 - Para a configuração do crime de lavagem de dinheiro basta que o autor do crime saiba ou suponha saber que a fonte dos bens é uma infração penal (artigo 1º, caput, e seu parágrafo 2º, inciso I, da Lei 9613/98), não sendo necessário que se conheça exatamente a descrição da modalidade típica. É suficiente, portanto, a ciência de que se cuida de um injusto penal, e se trata de um fato ilícito-típico. 20 - Os réus, subservientes às determinações do proprietário do Banco Santos S/A e seus aliados tinham pleno conhecimento da óbvia possibilidade de que os elevados bens movimentados e as constantes transações comerciais, envolvendo complexos mecanismos internacionais, paraísos fiscais e vultosas quantias de diversas e grandes empresas, muitas delas sabidamente do grupo do Banco Santos, eram provenientes de algo ilícito, espúrio, e mesmo assim agiram de modo indiferente a esse conhecimento. 21 - Crime imputado aos ora condenados que está fartamente comprovado. 22 - Penas estipuladas para todos os réus, na sentença, de forma satisfatoriamente fundamentada e individualizada no que era necessário. Os réus participaram diretamente no complexo esquema bancário articulado pelos dirigentes do Banco Santos que levaram a um rombo de bilhões de reais, causando prejuízos gigantescos a diversos credores. Assim, não há como, diante da intensa culpabilidade e conseqüência do crime cometido, reduzir a penas dos réus ao mínimo legal. 23 - Da mesma forma o aumento de pena previsto no §4º dessa Lei é pertinente, uma vez que comprovada a habitualidade criminosa. 24 - A pena de multa também deve ser mantida, à míngua de protesto das defesas nesse sentido, além de ser adequada diante da grandiosidade do dinheiro movimentado e status econômico dos réus. 25 - Diante das penas impostas e da gravidade dos crimes cometidos, o regime inicial de cumprimento da pena corretamente foi fixado no regime semi-aberto, sendo impossível a substituição da pena privativa de liberdade pelas restritivas de direito, nos termos do artigo 44, incisos I e III, do Código Penal. 26 - Preliminares rejeitadas. 27 - Todos os recursos improvidos. 28 - Expeça-se mandado de prisão para os condenados deste processo após o trânsito em julgado.
Rel. Des. Paulo Domingues
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