Apelação Criminal Nº 0000196-91.2008.4.03.6006/ms

Penal - processual penal - “operação ceres“ - contrabando/descaminho de agrotóxicos e facilitação para o crime - crime de quadrilha ou bando - art. 334 do código penal, art. 15 da lei nº 7.802/89, art. 318 e 288, do código penal - comprovação do crime de facilitação - perda do cargo público de policial militar - crime comum - pena acessória - violação de dever inerente ao cargo - perdimento de bens - manutenção - comprovação do crime de quadrilha ou bando - requisito - contemplação - transcrições de áudios e depoimentos testemunhais que as corroboram - validade da prova de interceptação telefônica - penas e regimes impostos - manutenção - fundamentação idônea - denúncia apta - individualização da conduta na inicial acusatória - art. 334 do código penal e lei nº 7.802/89 - princípio da especialidade - não aplicação de absorção - bens jurídicos tutelados distintos - autonomia - pedido de devolução de bem apreendido - terceiro de boa-fé - alienação fiduciária - ressarcimento pelas vias ordinárias - prova indiciária - fragilidade de elementos acusatórios - absolvição mantida -manutenção da sentença - improvimento dos recursos. 1. Apuração que desvendou a existência de quatro organizações criminosas atuando principalmente no contrabando de agrotóxicos que praticava paralelamente a introdução clandestina em território nacional de outras mercadorias de origem estrangeira, tais como cigarros, pneus, produtos eletrônicos e couro de boi. Interceptações telefônicas autorizadas judicialmente e realizadas no âmbito da denominada “Operação Ceres“. 2.Aponta a denúncia que as organizações criminosas investigadas estabeleceram um coordenado comércio atacadista paralelo de mercadorias oriundas de contrabando ou descaminho, de onde sobressaem os agrotóxicos, sendo que para estes, abstraindo apenas o processo de industrialização, as organizações atuavam em todas as demais fases necessárias na sua utilização (aquisição, transporte, armazenagem, captação de cliente) fazendo tábula-rasa ao ordenamento jurídico-penal, conforme se verifica em relação à participação e função de cada denunciado dentro da estrutura da organização criminosa e efetivos envolvimentos nas práticas delitivas descritos de modo individualizado na denúncia. 3. Restou configurado o tipo previsto no art. 318 do Código Penal de facilitar, com infração de dever funcional, a prática de contrabando ou descaminho. O réu é policial militar e operou como facilitador, o que se revelou na prática de atos materiais para que o crime fosse concretizado. 4. A perda do cargo público é medida que se impôs ao réu, como efeito da condenação e declarada na sentença pelo Juízo “a quo“, nos termos do artigo 92, inciso I, letra “a“, do Código Penal, em razão do “quantum“ de pena privativa de liberdade aplicada, bem como pelo fato de que os crimes foram cometidos com grave violação de dever para com a Administração Pública (artigos 116, incisos I a IV, e 117, IX, ambos da Lei nº 8.112/90). 5.Deslinde da questão cingido em saber se é possível seja o requerente excluído dos quadros da Polícia Militar como efeito secundário da sentença condenatória, diante dos preceitos constitucionais preconizados. Ao interpretar o art. 125, § 4º, da Constituição Federal, o Egrégio Supremo Tribunal Federal posicionou-se no sentido da necessidade de processo específico para a perda do cargo de natureza militar, a exemplo do julgado de relatoria do Ministro Sepúlveda Pertence, em 10/02/2004, DJ 12/03/2004, pág. 00043.Todavia, essa compreensão se restringe às hipóteses de crimes militares e não se estende às condenações na Justiça Comum. 6. Não há qualquer reparo na aplicação da pena de perdimento de bens, pois fundamentada na sentença no fato de que o acusado dedicava-se à prática reiterada de crimes de contrabando e/ou descaminho, auferindo parte ou totalidade de rendimentos dessa atividade ilícita, medida prevista no art. 91, II, “b“, do Código Penal. 7.Comprovação do crime de quadrilha/bando com satisfação de requisito necessário de número de partícipes. 8. Transcrições telefônicas válidas como elementos de provas associados ao depoimentos testemunhais colhidos que as corroboraram. 9.Pena e regimes aplicados conforme a dimensão dos delitos e devidamente fundamentados na sentença. 10. Não há como ser aplicado o princípio da especialidade para o fim de absorver a conduta de contrabando/descaminho. Os tipos penais possuem bens jurídicos tutelados diversos, administração pública para o art. 334 e saúde pública para a Lei nº 7802/89 e o atingimento de dois resultados visado pelo agente, a dar ensejo a dupla apenação, em se tratando de mercadoria que necessita do competente registro no Ministério da Agricultura. São bens jurídicos distintos que as normas visam à garantir: o controle de entrada e saída do país de mercadorias em face das obrigações junto à Fazenda Nacional e o controle de manejo e produtos nocivos à saúde e ao meio ambiente. 11.O descaminho não é meio necessário para a prática do crime de comércio irregular de agrotóxicos, nem o contrário é verdadeiro, restando provada a ocorrência de concurso de dois crimes, a ser mantida a sentença de primeiro grau. Não há falar-se em absorção de um delito por outro. 12. A pena de perdimento do bem foi corretamente estabelecida na sentença objeto de pedido de devolução pelo Banco, em razão de alienação fiduciária deve ser mantida. Resta ao requerente, se na qualidade de terceiro de boa-fé, o ressarcimento pelas vias ordinárias, devendo a questão do contrato de alienação ser resolvida entre as partes no foro competente, mediante a instrução necessária do contrato de financiamento e demais documentações necessárias e pertinentes ao exame ao pedido. Recurso improvido. 13. Pretendidas condenação com base em prova indiciária que se avalia como frágil para embasá-la, bem como falta de pressupostos para a majoração da pena, cuja dosimetria se mostrou acertada em face das circunstâncias do art. 59 do Código Penal ponderadas na sentença. 14. Manutenção da sentença. Improvimento dos recursos.

Rel. Des. Luiz Stefanini

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