Pedido de vista da ministra Cármen Lúcia suspendeu, na sessão da na última terça-feira (16), o julgamento de Habeas Corpus (HC 122940), impetrado pela Defensoria Pública da União (DPU) em favor de E.F.S., condenado à pena de três anos de reclusão, em regime inicial semiaberto, pela prática do crime de furto qualificado (artigo 155, parágrafo 4º, do Código Penal). Na retomada da análise do HC, os ministros da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) discutirão, entre outros pontos, a possibilidade de considerar como maus antecedentes, para fins de dosimetria da pena, a existência de procedimentos criminais em andamento contra o sentenciado.
Até o momento, somente votou o relator, ministro Gilmar Mendes, no sentido de conceder o HC. Com base na cláusula constitucional da não culpabilidade ou da presunção de inocência, ele considera inviável o reconhecimento de maus antecedentes referentes a inquéritos e ações penais em fase que ainda seja permitida a apresentação de novos recursos.
No caso em questão, em abril de 2009, E.F.S. arrombou um comércio de material de construção em Teresina (PI), de onde subtraiu televisão, lâmpadas, entre outros objetos, além de ter danificado o sistema de alarme, a porta e uma grade. Com a condenação em primeira instância, a defesa interpôs apelação ao Tribunal de Justiça do Estado do Piauí (TJ-PI), contudo o recurso foi desprovido. Também não conseguiu êxito em recurso especial interposto ao Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Defesa
A DPU alega que o condenado sofre constrangimento ilegal em razão da desproporcionalidade da pena-base aplicada e por ter sido negado o pedido para a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos. Sustenta que a majoração da pena-base acima do mínimo legal em um ano e seis meses foi baseada unicamente em dois elementos do artigo 59 do Código Penal, “valorados de forma inidônea, configura flagrante ilegalidade ferindo os princípios da razoabilidade e proporcionalidade”.
A Defensoria argumenta que a pena deve ser calculada no mínimo legal para atender o que estabelece o artigo 59 do CP. Assim, solicita a concessão da ordem para reduzir a pena-base ao mínimo legal e substituir a pena privativa de liberdade por restritiva de direito.
Voto do relator
De início, o relator verificou que o juízo de primeiro grau fixou a pena-base acima do legal por reconhecer circunstâncias judiciais desfavoráveis. Conforme o ministro Gilmar Mendes, foram invocados na primeira instância da justiça: a “patente culpabilidade” – tendo em vista consciência da ilicitude –, bem como o “rompimento de obstáculo” – para fixar a pena-base em três anos e seis meses de reclusão, sendo que a pena mínima era de dois anos. Já a corte estadual manteve a pena, acrescentando outra circunstância desfavorável: a de que o réu teria “maus antecedentes”.
“Não há como acolher como idônea a circunstância da patente culpabilidade inclusive porque a própria culpa já integra o tipo”, ressaltou o ministro Gilmar Mendes. Ele também entendeu que, no caso, incidia apenas a qualificadora do rompimento de obstáculo, ou seja, “essa circunstância já é considerada na qualificadora não podendo ser novamente tomada para elevar a pena-base sem uma especial demonstração de sua gravidade no caso concreto”. Assim, o ministro afirmou que a decisão condenatória usou o “rompimento de obstáculo” para qualificar o crime e, com isso, “incorreu, a meu ver, bis in idem [dupla punição pelo mesmo fato] ao invocar a circunstância na fixação da pena”.
A circunstância de “maus antecedentes” foi considerada pelo TJ-PI com base no trâmite de quatro processos contra o réu, nenhum deles com decisão transitada em julgado. Segundo o ministro, o Supremo iniciou a análise do Recurso Extraordinário (RE) 591054 quanto à viabilidade da consideração de inquéritos e ações penais, sem decisão condenatória transitada em julgada, como maus antecedentes. Ele e outros ministros já votaram pela inviabilidade desse reconhecimento. O relator ressaltou que o julgamento do RE está suspenso mas, ainda que não haja pronunciamento final do Plenário, “a Segunda Turma tem afastado a consideração das ações e investigações em andamento como circunstância desfavorável”.
Repouso noturno
De acordo com o relator, na terceira fase da dosimetria da pena, foi aplicado o aumento de um terço pela majorante repouso noturno. Ele verificou que tal circunstância não foi discutida no STJ e nem levantada no HC. “No entanto, proponho que essa majorante seja analisada de ofício pela Segunda Turma do Supremo”, afirmou.
Segundo o ministro Gilmar Mendes, o furto noturno [aquele praticado durante o repouso noturno] está previsto no parágrafo 1º, do artigo 155, do CP. “Está antes da qualificadora e essa localização seria ilógica, a meu ver, se a majorante fosse destinada a incidir sobre a pena qualificada do parágrafo 4º”, salientou. Além disso, ele considerou que a pena qualificada é o dobro da pena do tipo simples, “revelando a desnecessidade da acumulação das penas previstas no parágrafo”.
“A doutrina e a jurisprudência [do STJ] entendem que a majorante do repouso noturno e a qualificadora não se acumulam”, destacou o ministro. Ele explicou que a pena do furto noturno é a mesma cominada no furto simples, porém aumentada de um terço, “o que não ocorre com o furto qualificado cuja pena é mais grave, além de ser um crime autônomo”.
Conclusão do voto
O relator votou pela concessão do HC para determinar que o juízo da condenação refaça a dosimetria da pena, deixando de considerar, na primeira fase, a patente culpabilidade, o rompimento de obstáculos e os maus antecedentes como circunstâncias desfavoráveis. Segundo o voto do ministro Gilmar Mendes, deve ser realizada a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos. De ofício, ele concedeu a ordem de habeas corpus para afastar a aplicação da majorante do artigo 155, parágrafo 1º, do Código Penal, podendo o repouso noturno ser considerado na primeira fase da aplicação da pena.