APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0014171-72.2011.4.03.6105/SP

Penal. Processo penal. Delitos dos arts. 334 e 288, ambos do código penal e do art. 1º da lei n. 9.613/98. Preliminares. Materialidade. Autoria. Dosimetria. Pena-base. Maus antecedentes. Atenuante do art. 65, iii, d, do código penal. Agravantes dos arts. 61, i, e 62, i, ambos do código penal. Causa de aumento de pena da continuidade delitiva. Valor do dia-multa. Regime prisional. Direto a apelar em liberdade. Perdimento de bens. 1. A sentença encontra-se provida de relatório, fundamentação e dispositivo, atendendo ao disposto no art. 93, IX, da Constituição da República. Quanto a esse aspecto, a jurisprudência é pacífica no sentido de não ser imprescindível que o juiz se pronuncie sobre todas as questões jurídicas suscitadas pela parte, bastando que, em sua essência, a decisão se encontre adequadamente fundamentada. 2. Quanto ao indeferimento dos requerimentos de exibição de áudio e de substituição de testemunhas realizados em audiência pelas defesas dos acusados, é certo que o Juiz poderá indeferir as provas que considerar irrelevantes, impertinentes ou protelatórias, a teor do art. 400, § 1º, do Código de Processo Penal, cumprindo a ele zelar pela regularidade do processo e pela produção das provas cuja necessidade/conveniência sejam imprescindíveis para a busca da verdade real. 3. Quanto à pretensão de inclusão de Pedro Luiz Zanqueta no pólo passivo desta ação penal, o não acolhimento foi justificado pela necessidade de maior celeridade do processo, à vista da prisão dos réus (fl. 1.862), com amparo no art. 80 do Código de Processo Penal, que prevê a separação de processos para evitar que se prolongue a prisão provisória. 4. Quanto à prova da materialidade do delito de contrabando ou descaminho, ressalte-se que não é indispensável a realização de exame pericial (laudo merceológico) que ateste a origem estrangeira das mercadorias para a comprovação da materialidade do delito de contrabando ou descaminho, que pode ser apurada por outros meios de prova, como é o caso dos autos; havendo ainda entendimento no sentido de que o exame pericial não seria necessário em razão desse delito não deixar vestígios. (TRF da 3ª Região, ACR n. 00040039320064036102, Rel. Des. Fed. André Nekatschalow, j. 20.06.11; RSE n. 200661060041939, Rel. Juiz Fed. Conv. Helio Nogueira, j. 16.03.09; HC n. 27991, Rel. Des. Fed. Luiz Stefanini, unânime, j. 15.07.08; TRF da 1ª Região, ACR n. 200742000020180, Rel. Des. Fed. Hilton Queiroz, j. 22.09.09; TRF da 4ª Região, HC n. 200904000216747, Rel. Des. Fed. Maria de Fátima Freitas Labarrère, j. 12.08.09; STJ, HC n. 108919, Rel. Min. Maria Theresa de Assis Moura, j. 16.06.09; TRF da 1ª Região, ACR n. 199939000009780, Rel. Juiz Fed. Conv. Guilherme Doehler, j. 29.11.05; TRF da 4ª Região, ACR n. 200471040061265, Rel. Des. Fed. Paulo Afonso Brum Vaz, unânime, j. 16.04.06). A despeito deste entendimento, os laudos merceológicos foram juntados à fls. 1.723/1.725, 1.747/1.752, 1.758/1.760 e 2.908/2.910 e os autos de infração lavrados em nome do acusado Daniel da Silva, às fls. 2.940/2.943 e 2.993/2.998. 5. No tocante à abertura de vista ao Ministério Público Federal após a oferta da resposta à acusação a que aludem os arts. 396 e 396-A do Código de Processo Penal, não se entrevê violação ao contraditório e à ampla defesa. Nesta fase, não se encerra a apreciação do mérito das teses defensivas, nada obstando que, ao término da fase instrutória, a defesa logre influir favoravelmente no juízo de convicção do Magistrado, que então emanará pronunciamento fundado em cognição exauriente. 6. No que concerne à colheita do reinterrogatório do acusado Daniel, cumpre relevar que, ao início da audiência de instrução e julgamento, foi dada oportunidade de entrevista prévia e reservada com seu defensor. Na audiência, foram ouvidas as testemunhas de defesa e tomados os interrogatórios de Daniel e Jesiel, sendo os trabalhos suspensos pelo MM. Magistrado a quo em razão do encerramento do expediente forense e retomados no dia seguinte, quando Daniel foi reinquirido (fls. 2.639/2.641 e 2.644/2.645). Considerando que a audiência de instrução e julgamento é una e que o reinterrogatório de Daniel prestou-se apenas ao esclarecimento de pontos suscitados no dia anterior, sendo assegurada à defesa a oportunidade de formular perguntas, não se entrevê prejuízo ou nulidade. 7. A quebra de sigilo das comunicações telefônicas foi precedida de ação policial controlada, da quebra de sigilo bancário e fiscal, sendo evidente a imprescindibilidade da prova até por conta dos flagrantes ocorridos durante o período das interceptações, que não obstaram as atividades ilícitas do grupo criminoso, o que recomendava a necessidade de aprofundamento das investigações. 8. No tocante à alegação da defesa do acusado Jéferson quanto à interceptação de terminal telefônico não autorizada, vale referir ao acórdão proferido em 23.07.12 pela Quinta Turma desta Corte no Habeas Corpus n. 2012.03.00.010821-2, impetrado em favor do acusado para o desentranhamento das provas decorrentes das escutas telefônicas. No writ, assentou-se que a linha 19-78197312 sucedeu à linha 19-78141058, mantida a titularidade do acusado, não havendo de se cogitar, portanto, em interceptação não autorizada. 9. Na decisão de fls. 249/252, Autos n. 0004639-74.2011.403.6105, Vol. II do apenso, a decretação da quebra do sigilo telefônico em relação ao acusado Daniel da Silva foi indeferida, por não ter restado esclarecido sobre o terminal telefônico a ele relacionado, ressalvada a possibilidade de reapreciação do pedido pelo surgimento de novos elementos. Na decisão de fls. 321/325, Autos n. 0004639-74.2011.403.6105, Vol. II do apenso, foi determinada a quebra do sigilo telefônico em relação a Daniel, tendo em vista sua identificação em conversa com os outros alvos na comercialização de cigarros, reconhecido o terminal telefônico utilizado (cfr. fl 319, Autos n. 0004639-74.2011.403.6105, Vol. II do apenso). Na decisão de fls. 477/480, Autos n. 0004639-74.2011.403.6105, Vol. III do apenso, mantida a interceptação do terminal telefônico pertencente a Daniel, restou expressamente consignado que "além de Jéferson Ricardo e Mauro, a prorrogação das investigações trouxeram a participação firme de Daniel da Silva" (fl. 478, Autos n. 0004639-74.2011.403.6105, Vol. III do apenso). Nestas e nas decisões que se seguiram, fls. 498/538, 584/625 e 645/678, Autos n. 0004639-74.2011.403.6105, Vol. III do apenso, a quebra do sigilo telefônico foi satisfatoriamente motivada. 10. Consoante consta da certidão da lavra do Supervisor da Seção de Distribuição e Protocolos, o pedido de quebra de sigilo telefônico foi distribuído livremente à 1ª Vara Federal de Campinas (SP) em 18.04.11, não sendo identificado o feito principal ao qual estaria vinculado, por se encontrar acondicionado em envelope lacrado (fl. 234, Autos n. 0004639-74.2011.403.6105, Vol. I do apenso). Na mesma data, a Diretora de Secretaria da 1ª Vara Federal de Campinas (SP) procedeu à abertura do envelope e verificou que o pedido estava vinculado a inquérito policial em curso na 9ª Vara Criminal de Campinas (SP), sendo determinada, no mesmo dia, a redistribuição (fl. 235, Autos n. 0004639-74.2011.403.6105, Vol. I do apenso). O pedido foi recebido na 9ª Vara Criminal de Campinas (SP) ainda em 18.04.11, sendo reatuado (fl. 239, Autos n. 0004639-74.2011.403.6105, Vol. I do apenso), com determinação do Juízo quanto à observâncias das cautelas estabelecidas nas Resoluções CNJ ns. 59/2008 e 58/2009 (fl. 242, Autos n. 0004639-74.2011.403.6105, Vol. II do apenso). Considerando as diligentes e céleres medidas adotadas para sanar equívoco na distribuição do pedido de quebra de sigilo telefônico, não se entrevê prejuízo ao sigilo do procedimento. 11. Constata-se que os ofícios expedidos às operadoras de telefonia constantes dos autos reproduziram claramente os limites da decisão de quebra de sigilo telefônico, não se cogitando de qualquer incompletude em seu conteúdo. 12. Não macula a credibilidade da prova a ausência de perícia de voz, tendo em vista que a Lei n. 9.296/96 não exige que a degravação das conversas interceptadas seja efetuada por peritos criminais, nada obstando sua realização pela Autoridade Policial. Nesse sentido, cumpre consignar que a degravação integral dos áudios gravados é desnecessária, inconveniente e, por vezes, materialmente inexequível, em razão da quantidade de conversas, autorizada a inutilização das gravações que não tiverem qualquer relação com as investigações, a teor do art. 9º da Lei n. 9.296/1996. 13. Para não ser considerada inepta, a denúncia deve descrever de forma clara e suficiente a conduta delituosa, apontando as circunstâncias necessárias à configuração do delito, a materialidade delitiva e os indícios de autoria, viabilizando ao acusado o exercício da ampla defesa, propiciando-lhe o conhecimento da acusação que sobre ele recai, bem como, qual a medida de sua participação na prática criminosa, atendendo ao disposto no art. 41, do Código de Processo Penal (STF, HC n. 90.479, Rel. Min. Cezar Peluso, j. 07.08.07; STF, HC n. 89.433, Rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 26.09.06 e STJ, 5a Turma - HC n. 55.770, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. 17.11.05). 14. Materialidade e autoria comprovadas. 15. Quanto aos delitos do art. 334 do Código Penal (3 apreensões: 18.05.11, 20.06.11 e 04.09.11), considerada a grande quantidade de cigarros apreendidos nas duas primeiras apreensões (800 caixas e mais de 900 caixas), o elevado valor dos tributos suprimidos, avaliado a título de consequências do crime, e o risco à saúde pública, reputo justificada a fixação da pena-base acima do mínimo legal, em 2 (dois) anos de reclusão. Não obstante o acusado Jéferson tenha admitido em Juízo sua participação nos fatos ocorridos em Indaiatuba (SP), em 20.06.11, declarando-se proprietário de metade da carga apreendida, o que ensejaria a incidência da atenuante do art. 65, III, d, do Código Penal, o fato de não ter assumido sua participação quanto às apreensões de cigarros paraguaios ocorridas em 18.05.11, em Sumaré (SP), e em 04.09.11, no camelódromo do Terminal Cury, obsta a redução das penas pela confissão, considerando o reconhecimento, na sentença, da continuidade entre os delitos (CP, art. 71). Acertada a incidência da agravante do art. 62, I, do Código Penal, pelas razões já expostas, à proporção de 6 (seis) meses, que mantenho, perfazendo 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão. Sem outras circunstâncias agravantes, ou causas de diminuição de pena, correta a incidência da causa de aumento de pena do art. 71 do Código Penal, tendo em vista a habitualidade da conduta, à razão de 1/3 (um terço), que mantenho, totalizando 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, quantum que torno definitivo, à míngua de outras causas de aumento de pena. 16. No tocante à pena de multa atribuída pela prática do delito do art. 1º da Lei n. 9.613/98 em 10 (dez) dias-multa, mantenho o valor do dia-multa de 10 (dez) salários mínimos, por ser compatível com a situação econômica do acusado, tendo em vista que Jéferson reside em condomínio de alto padrão em Valinhos (SP) (Relatório de diligência policial n. 1/11, fls. 24/30 do IPL n. 202/2011, Vol. I). 17. No que concerne ao delito do art. 288 do Código Penal, considerando a quantidade de pessoas, veículos e depósitos envolvidos e a intensa dedicação a atividades comerciais ilícitas, na condição de importante colaborador do líder contrabandista Mauro Mendes de Araújo, seu tio, tendo assumido sua banca no camelódromo do Terminal Cury após a apreensão de Holambra (SP) (cfr. auto circunstanciado às fls. 698 e ss., IPL n. 202/11, Vol. IV), o que acentua sua culpabilidade, reputo justificada a fixação da pena-base acima do mínimo legal. No entanto, reduzo-a em 3 (três) meses, tendo em vista que os Processos n. 114.01.2011.067885-9 e n. 0002466-12.2004.403.6109 não podem ser utilizados como maus antecedentes e o Processo n. 0008876-25.2009.403.6105 será utilizado para fins de reincidência, o que perfaz 2 (dois) anos de reclusão. Sem atenuantes, acertada a incidência da agravante do art. 61, I, do Código Penal, tendo em vista que Jesiel é reincidente (cfr. fls. 33/34, 46, 75 e 75v. do apenso de antecedentes), à proporção de 6 (seis) meses de pena, que mantenho, resultando em 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão, quantum que torno definitivo, à míngua de outras circunstâncias agravantes, causas de diminuição ou de aumento de pena. 18. Verifico constar anotação, em nome de Daniel, do Processo n. 2004.70.02.005872-6, IPL n. 939/04, Art. 334 do Código Penal, da 2ª Vara Federal de Foz do Iguaçu (PR), com condenação, com data de 09.10.08, a 1 (um) ano de reclusão, em regime aberto, e substituída a pena privativa por prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas (cfr. fls. 118/130) e trânsito em julgado em 29.11.10 (fl. 143), o que dá ensejo ao reconhecimento da agravante da reincidência, pelo decurso de período de tempo inferior a 5 (cinco) anos entre a data da extinção da pena neste feito e a prática das infrações descritas nestes autos, a teor do art. 64, I, do Código Penal. 19. Mantenho o regime inicial fechado, à vista da existência de circunstâncias judiciais desfavoráveis que inviabilizam a fixação de regime menos gravoso, em conformidade com o disposto nos arts. 33, § 3º e 59, ambos do Código Penal. 20. Mantenho a denegação do direito de recorrer em liberdade, à vista da necessidade da manutenção da prisão preventiva, pelos fundamentos expendidos na sentença. 21. Restou comprovado que, além dos imóveis situados na Rua Abolição, 1.790 e 1.798, o acusado Jéferson Ricardo Ribeiro ocultou também a propriedade da Moto Suzuki GSX, placa ESI - 1480, do imóvel situado na Rua Carlos Penteado Stevenson, 700, casa 76, Cond. Morada das Nascentes, Valinhos (SP) e do imóvel situado na Rua Abolição, 1.802, Campinas (SP), por constituírem produto do crime de contrabando e destinarem-se a lavagem de capitais. 22. Parcialmente provido o recurso de apelação do Ministério Público Federal. Desprovido o recurso de apelação do acusado Jéferson Ricardo Ribeiro. Parcialmente conhecido e, na parte conhecida, desprovido o recurso de apelação do acusado do acusado Daniel da Silva. Parcialmente provido o recurso de apelação de Jesiel Vieira dos Santos.  

REL. DES. ANDRÉ NEKATSCHALOW

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