APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0007938-32.2006.4.03.6106/SP

Penal. Processual penal. Apelações criminais. Tráfico internacional de drogas. Associação para o tráfico de drogas. Inépcia da denúncia: inocorrência. Cerceamento de defesa por indeferimento de prova pericial: não verificada. Irregularidade no mandado de busca e apreensão: não configurada. Ilegalidade da prova decorrente daquelas colhidas em busca e apreensão: inocorrência. Nulidade do feito por ausência de decisão da autoridade sanitária: inocorrência. Preliminar de incompetência da justiça federal rejeitada. Preliminar de ilicitude da perícia rejeitada. Preliminar de ilicitude da prova produzida através da quebra de sigilo fiscal não conhecida. Materialidade e autorias demonstradas para os réus endrigo, sandrine, walter e olivério. Autoria imputada ao réu celso não demonstrada. Rejeitado o pedido de "desclassificação" do crime do artigo 14 para o artigo 18, iii, da lei 6.368/1976. Não configuração dos crime do artigo 280 do cp e artigo 37 da lei 11.343/2006. Inocorrência de delação premiada.  1. Apelações interpostas pelas Defesas dos réus Endrigo, Sandrine, Walter, Olivério e Celso e pela Acusação contra a sentença que condenou os réus Celso e Olivério como incursos no artigo 12, c.c. artigo 18, III, da Lei 6.368/1976 e com o artigo 71 do CP; e os réu Walter, Endrigo e Sandrine como incursos no artigo 12 Lei 6.368/1976, c.c. o artigo 71 do CP, em concurso material com o artigo 14 da Lei 6.368/1976; e absolveu os réus Celso e Olivério da imputação do crime do artigo 14 da Lei 6.368/1976, com fundamento no artigo 386, inciso VI, do CPP. 2. Rejeitada a preliminar de inépcia da denúncia, argüida ao argumento de que fundada a peça em depoimentos de delator, não corroborados pelas provas. A denúncia descreve de maneira satisfatória as condutas imputadas. A questão refere-se propriamente ao mérito da pretensão acusatória deduzida em Juízo, não implicando em qualquer nulidade. 3. Houve autorização por escrito, pela ré Sandrine, para a entrada dos policiais federais em sua residência e de Endrigo. Tendo sido expedido mandado de busca e apreensão na residência do casal Sandrine e Endrigo, em determinado endereço, e uma vez constatado pela Autoridade policial que a residência situa-se em outro local que não o indicado no mandado, há que se entender que a diligência já se encontra autorizada pelo Juízo. Não há nulidade na busca e apreensão se existe consentimento do morador. Precedentes. 4. A despeito do §1º do artigo 243 do CPP dispor que "se houver ordem de prisão, constará do próprio texto do mandado de busca", o Juiz a quo determinou a expedição em separado da ordem de busca - no mandado de busca e apreensão - e da ordem de prisão - no mandado de prisão, inclusive para facilitar as diligências de finalidades diversas, o que não acarreta qualquer nulidade. 5. Inocorre nulidade em virtude do cumprimento do mandado de busca e apreensão sem o acompanhamento de agentes da Anvisa, considerando que a providência não constitui formalidade essencial do ato, nos termos do artigo 243 do CPP. A Defesa sequer alega qual o prejuízo, e nenhum ato será declarado nulo se não houver prejuízo às partes. 6. Rejeitada a preliminar de nulidade do feito por ausência de decisão da autoridade sanitária reconhecendo a infração imputada, pois não se discute a existência de autorização da empresa Licimed para a comercialização de medicamentos. As autoridades policial e judiciária não ficam vinculadas a qualquer manifestação da autoridade sanitária, dada a independência entre as instâncias administrativa e penal. Precedentes. 7. Aos réus Celso e Olivério foi imputada a conduta de fornecer medicamentos à quadrilha liderada por Alessandro o qual revendia os medicamentos a terceiros, enviando-os pelo Correio a destinatários no exterior. A competência da Justiça Federal está bem delineada, tendo a questão sido decidida no julgamento da Apelação Criminal interposta por Alessandro nos autos nº 2006.61.06.005846-0. 8. Rejeitada a preliminar de ilicitude da perícia. O Laudo de Exame de Dispositivo de Armazenamento Computacional foi devidamente confeccionado por dois peritos criminais federais. A simples transcrição do conteúdo já desvendado pelos peritos no laudo não constituiu nova perícia, mas apenas referência à prova já produzida. 9. Não conhecida a preliminar de ilicitude da prova produzida através da quebra de sigilo fiscal, consistente na requisição pelo Ministério Público Federal à Delegacia da Receita Federal de cópias das Declarações de Imposto de Renda da pessoa jurídica Licimed, por falta de interesse, porque a questão já foi acolhida em preliminar de sentença. 10. A materialidade do crime de tráfico de drogas (artigo 12 da Lei 6.368/1976) encontra-se demonstrada pelas apreensões de medicamentos que se enquadram no conceito de substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, listadas na Portaria 344/98 do Ministério da Saúde. 11. A imputação da denúncia é de que os réus Endrigo e Sandrine forneciam medicamentos à quadrilha liderada por Alessandro. A autoria pela prática de tráfico de drogas e associação para o tráfico de drogas, encontra-se demonstrada pelo conjunto probatório. 12. Do cotejo da prova, extrai-se que Endrigo e Sandrine aceitaram a proposta de Walter e Nelson (Alessandro) para a remessa de medicamentos aos endereços indicados por estes, mediante o recebimento de vultosas quantias em dinheiro, inclusive com o pagamento de espécie de "comissão" a Walter (dez por cento sobre o valor de cada remessa) por remessa. 13. Havia uma organização das tarefas de cada integrante do grupo: Endrigo e Sandrine adquiriam os medicamentos e os enviavam, Walter era o responsável pelo contato com Alessandro e recebia as comissões pela intermediação das remessas e Alessandro era o comprador dos remédios, fazendo os pagamentos em conta bancária de Endrigo e Sandrine. A estrutura do grupo criminoso não era formada de maneira esporádica e eventual, simples coautoria, mas de maneira fixa e duradoura. 14. Improcede a pretensão de "desclassificação" das condutas para o crime do artigo 280 do Código Penal. O tipo pressupõe a existência de receituário médico válido, documento inexistente à prova coligida aos autos. 15. Não procede a pretensão da Defesa de Walter de desclassificação das condutas de tráfico e a associação para o tráfico de drogas para os crimes do artigo 280 do CP (medicamento em desacordo com receita médica) e do artigo 37 da Lei 11.343/2006 (colaboração, como informante, com grupo, organização ou associação destinados à prática de tráfico de drogas). 16. As provas demonstram o forte envolvimento de Walter no tráfico de medicamentos, sendo descabida a tese de que ele era apenas um "informante" da quadrilha, considerada as altas quantias monetárias que lhe eram direcionadas. Walter fazia da traficância seu meio de vida, não sendo crível que um montante de mais de trezentos e trinta mil reais pudesse lhe ser destinado apenas como recompensa por "informações" à quadrilha do tráfico, sem integrar o esquema criminoso.  17. Não restou caracterizada a alegada delação premiada ou colaboração, visto que a quadrilha liderada por Alessandro já havia sido desbaratada antes da prisão de Walter.  18. Trata-se de caso deveras inusitado - apelação da Acusação contra a sentença que condenou os réus por dolo eventual, pedindo o reconhecimento do dolo direto. Embora duvidoso o interesse recursal do MPF em apelar contra sentença condenatória, pedindo a condenação por outro fundamento, na particularidade do caso dos autos, o recurso comporta conhecimento, porque a sentença condenatória foi explícita em fundar a condenação dos réus Celso e Olivério pelo crime de tráfico no dolo eventual. Assim, é de se entender possível que o MPF apele, pedindo o reconhecimento do dolo direto, a fim de se evitar que, na hipótese da análise da apelação da Defesa concluir pela ausência de dolo eventual, sejam os réus absolvidos. 19. A autoria delitiva imputada ao réu Olivério pela prática de tráfico de drogas é comprovada pela prova. Do exame probatório é possível concluir que o réu Olivério tinha pleno conhecimento de que não estava efetuando as vendas para um médico chamado Marco Aurélio, mas sim para outras pessoas físicas, que se passavam por ele, e compravam numerosa quantidade de medicamentos. De rigor a condenação do réu Olivério pela prática de tráfico de drogas, cometido com dolo direto, consistente na vontade livre e consciente de efetuar as vendas de entorpecentes a pessoas físicas, sabedor de que a emissão de notas fiscais em nome da Universidade Federal Fluminense era ideologicamente falsa, destinada a dar aparência de legalidade às vendas. 20. Olivério tinha pleno conhecimento que as compras não eram efetuadas pela Universidade Federal Fluminense, mas sim por Juliana e Alessandro, e aderiu à empreitada criminosa por tempo juridicamente relevante - dois anos - a demonstrar a estabilidade e a durabilidade das relações criminosas mantidas com Alessandro, Juliana e Walter. Caracterizada a associação criminosa para a prática de tráfico de drogas. 21. Com relação ao réu Celso, não há prova segura e suficiente da autoria delitiva em relação pela prática de tráfico de drogas. É certo que a realização de vendas de medicamentos, abrangidos os de uso controlado, por telefone e e-mail, sem a exigência de documentação do comprador pode ser considerada uma grande displicência, um generalizado desprezo pelas boas práticas na comercialização de produtos considerados nocivos à saúde, mas, para a condenação judicial por crime doloso é necessária a cabal demonstração de que a venda estaria sendo destinada a pessoa diversa da pessoa jurídica compradora e, nesse aspecto, a adesão a esta conduta. 22. O que se entrevê da prova em relação ao réu Celso é que a atuação dele como diretor da empresa Licimed, a despeito da falta de cuidado na comercialização dos medicamentos, não lhe fornecia o conhecimento de que a remessa dos remédios era feita a pessoas físicas desvinculadas da finalidade institucional da Universidade Federal Fluminense. 23. Também não é possível a condenação do réu Celso mediante o reconhecimento de que agiu com dolo eventual. Para a configuração do dolo eventual, exige-se que o agente, embora não queira o resultado, tenha pleno conhecimento da possibilidade de sua ocorrência, e assuma esse risco. 24. No caso dos autos, para a configuração de dolo eventual quanto ao tráfico de drogas, não basta concluir-se que o réu Celso deveria saber que havia alguma irregularidade nas vendas efetuadas por Olivério à Universidade Federal Fluminense. Seria necessário que o réu Celso considerasse a possibilidade de que as notas fiscais de vendas feitas por Olivério à Universidade Federal Fluminense fossem ideologicamente falsas, porque destinadas na verdade a traficantes, e persistisse na conduta de efetuar as vendas, mesmo considerada tal possibilidade, o que não restou delineado nos autos. 25. Preliminares rejeitadas. Apelações dos réus Endrigo, Sandrine, Walter e Olivério providas parcialmente. Apelação do réu Celso provida. Apelação do Ministério Público Federal provida parcialmente.  

REL. DES. MÁRCIO MESQUITA

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