RSE – 1705/RN – 2009.84.00.008750-0 [0008750-20.2009.4.05.8400]

Penal. Processual penal. Tribunal do júri. Sentença de pronúncia. Princípio Da correlação. Não descrição dos fatos ensejadores de qualificadora na denúncia. Impossibilidade de considerar a qualificadora na sentença de pronúncia. Análise Profunda da prova. Vedação. Julgamento conciso e suficiente. Juizo monocrático Como condutor do feito, cujo julgamento último compete ao conselho de sentença. Competência soberana. Recurso em sentido estrito parcialmente provido. 1) O MPF ofereceu denúncia em desfavor de SEVERINO GOMES MARINHO e JOÃO BATISTA DE ALMEIDA PEREIRA, imputando-lhes, respectivamente, os crimes previstos no art. 121, caput, do CPB (homicídio) e art. 14 da Lei n.° 10.826/2003 (porte ilegal de arma de fogo). Para tanto, sustentou que, no dia 22.05.2009, os dois denunciados, de modo consciente e voluntário, quando realizavam fiscalização na condição de funcionários públicos do IBAMA, teriam portado, sem autorização, armas de fogo com a finalidade de coibirem caça de arribaçãs. E mais, SEVERINO, durante a fiscalização e diante da presença de caçadores de arribaçãs que também se encontravam na mata, desferiu tiro em um deles, quem seja, EMANOEL GESIAN BARBOSA, que faleceu em razão do disparo de arma de fogo efetuado pelo aludido denunciado. 2) Após a instrução atinente à primeira fase, o juízo exarou sentença de pronúncia em desfavor de SEVERINO. Na ocasião, o magistrado pronunciou SEVERINO pelo cometimento dos crimes previstos no art. 121, § 2°, IV, do CPB (homicídio qualificado por ter sido praticado mediante emboscada ou recurso que dificulte ou torne impossível a vítima) e no art. 14 da Lei n. ° 10.826/03. Quanto ao outro réu - JOÃO BATISTA DE ALMEIDA -, determinou o desmembramento e envio dos autos ao juízo singular, por entender inexistente conexão que justificasse o julgamento conjunto pelo tribunal do júri. 3) Inconformado, SEVERINO interpôs recurso em sentido estrito, aduzindo, resumidamente, que: 1) não deveria ser aplicada a qualificadora da emboscada que, no caso em apreço, não teria se configurado, pois o réu não estava de tocaia aguardando a vítima; 2) não deveria ser aplicada a qualificadora de utilização de recurso que dificultasse ou tornasse impossível a defesa da vítima, o que também não teria se observado; 3) não haveria provas de que o recorrente teria atirado com o dolo de atingir vítima determinada, causando-lhe a morte, devendo responder, no máximo, por homicídio culposo. 4) Antes de tudo, verifica-se que o magistrado, ao proferir sentença de pronúncia, abarcou as qualificadoras de emboscada e meio de dificulte a defesa da vítima - nos termos sugeridos pelo assistente de acusação -, ao argumento de que, nos autos, não existiriam elementos que as afastassem de pronto, devendo a apreciação de ambas, portanto, ser submetida aos jurados. 5) Cumpre rememorar, nesse diapasão, princípio muito importante que norteia o Direito Processual Penal pátrio, inclusive em sede de Tribunal do Júri, qual seja, o princípio da correlação. O princípio da correlação, também conhecido como princípio da relatividade ou da congruência, impõe que haja perfeita correspondência entre a condenação proferida pelo juízo e a imputação, de modo que o fato descrito na peça inaugural de um processo - queixa ou denúncia - deva sempre guardar estrita relação com o fato constante na sentença pelo qual o réu é condenado. Em outras palavras, tal postulado impõe-se a correspondência entre o objeto da ação e o objeto da sentença, representando assim uma das mais relevantes garantias do direito de defesa, pois assegura ao réu a certeza de que não poderá ser condenado sem que tenha tido oportunidade de, prévia e pormenorizadamente, ter ciência dos fatos criminosos que lhe são imputados, podendo, assim, defender-se amplamente da acusação. 6) Apesar de o juiz estar, de certo modo, adstrito ao requisitório da acusação, não podendo sua sentença afastar-se dos fatos constantes na peça acusatória inicial, cumpre observar a vigência, no Processo Penal, do também princípio da livre dicção do direito (jura novit curia), onde resta consubstanciado que cabe ao juiz conhecer e cuidar do direito (narra mihi factum dabo tibi jus). 7) Assim, o réu não deve defender-se da capitulação dada ao crime pelo Ministério Público ou pelo ofendido ou seu representante legal na denúncia ou na queixa, respectivamente, mas da descrição fática nela constante, ou seja, dos fatos nela narrados. 8) Partindo desses pressupostos, torna-se evidente que, para ser possível, legal e legítimo ao magistrado considerar, em sede de sentença de pronúncia, qualquer qualificadora, estas deveriam estar descritas na denúncia, permitindo ao réu, assim defender-se plenamente das imputações. 9) Ao observar a denúncia, especificamente ao trecho em que o MPF descreve a conduta do acusado SEVERINO que, em tese, teria resultado no homicídio, imperioso chegar a uma conclusão. O órgão ministerial limitou-se a afirmar que o acusado atirou na vítima, sem descrever, nem mesmo minimamente, eventos ou circunstâncias - subjetivas ou objetivas - que permitissem antever a configuração de quaisquer qualificadoras, quiçá as consideradas na sentença de pronúncia. 10) Em momento algum a acusação descreveu em que circunstâncias SEVERINO desferiu os tiros na vítima; se estava escondido; se atirou pelas costas; se inviabilizou, de alguma forma, sua defesa; se estava no aguardo, em verdadeira tocaia, para atingi-lo. Nada disso foi dito, nem mesmo minimamente. 11) O juízo de primeiro grau, ao considerar na sentença de pronúncia as qualificadoras requeridas em sede de alegações finais apresentadas pelo assistente de acusação - emboscada e meio que dificultou a defesa da vítima, previstas no inciso IV -, terminou por afastar-se do princípio da correlação já tratado, maculando assim outros primados, entre eles o do contraditório e o da ampla defesa. 12) É que, como dito, ao acusado tem que ser dado o direito de defender-se de todos os fatos e, como se viu, os fatos que configurariam, em tese, as qualificadoras não foram narrados pela acusação. 13) Aliás, dos fatos declinados, inferiu-se que os denunciados estavam frente a frente com os caçadores, tendo, inclusive, se identificado como fiscais, evento que afasta a tese da tocaia ou do meio que dificulte a defesa da vítima. Ademais, ainda que estivessem armados, o fato é que os denunciados estavam em minoria (eram 2) e os caçadores, em maioria (entre 8 e 12). 14) Assim sendo, merece reparo a sentença de pronúncia quando esta considerou a qualificadora prevista no inciso IV do § 2° do art. 121 do CPB (emboscada e meio que dificultou a defesa da vítima). 15) No mais, com acerto o juízo de primeiro grau em sua fundamentação. 16) Inicialmente, relembra-se que reza o art. 413, caput e § 1º, do CPP, que "o juiz, fundamentadamente, pronunciará o acusado, se convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação". 17) O magistrado, de forma objetiva e concisa, declinou, fundamentadamente, o porquê de restar convencido acerca dos indícios de autoria e materialidade delitivas atinentes ao homicídio. 18) Não merece acato a tese de que inexistiriam provas de que o crime teria sido doloso. 19) Em primeiro lugar, o juízo esclareceu que anteviu dolo por parte do acusado, máxime diante das próprias alegações finais apresentadas, ocasião em que afirmou ter efetuado disparos de advertência, declaração esta que deixa explícita a intenção de atirar. 20) Como se infere, portanto, houve fundamentação quanto ao dolo e esta foi suficiente, constando nos autos indícios de autoria e materialidade delitiva, ao contrário do que se sustentou em grau de recurso. 21) Ademais, cumpre relembrar que, na sentença de pronúncia, a fundamentação adotada pelo magistrado deve ser objetiva, enxuta e concisa. Em outras palavras, não poderia mesmo o juízo ter analisado com mais profundidade as provas apresentadas, tampouco declinado, de forma pormenorizada, as razões de seu convencimento, sob pena de influenciar os jurados e, assim, macular a soberania inerente ao Tribunal do Júri. 22) Como se sabe, o julgamento pelo Tribunal do Júri dos crimes dolosos contra a vida tem natureza soberanamente popular, respaldando-se, para tanto, na Constituição Federal. O juízo singular, ao exarar sentença de pronúncia, deve ser conciso, comedido e prudente em suas colocações, valorações e, sobretudo, na apreciação das provas. É que o magistrado, nesse procedimento específico e cheio de peculiaridades, funciona verdadeiramente como condutor e preparador da contenda para que esta, uma vez madura, possa ser submetida aos verdadeiros juízes: o conselho de sentença, formado somente por cidadãos, como determina a legislação pátria. 23) Bem por isto, o juízo não poderia, de forma alguma, ter analisado a prova com profundidade, devendo se limitar - como de fato o fez - a inferir se existia a mínima coerência nas teses insculpidas pela defesa e acusação. 24) Noutros termos, existindo indícios e razoabilidade a apontarem para a materialidade e autoria delitivas, o juízo agiu com acerto ao pronunciar o réu, deixando sob a análise posterior dos jurados o arremate quanto à sua comprovação ou não. 25) Sentença mantida para pronunciar o réu pelo crime de homicídio simples, afastando a qualificadora. 26) Recurso parcialmente provido. 

REL. DES. FERNANDO BRAGA

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