ACR – 9504/CE – 0000523-97.2011.4.05.8100

Penal e processual penal. Apelação criminal. Condutas descritas no art. 334, § 1º, "c" Do código penal. Importação irregular de mercadorias falsificadas. Manutenção em Depósito para venda em estabelecimento comercial. Exclusividade da investigação Pela delegacia de polícia fazendária. Ausência de previsão legal. Irregularidades Do inquérito não contaminam a ação penal. Permanência do crime de descaminho. Situação de flagrância na conduta de manter em depósito. Inviolabilidade de Estabelecimento comercial afastada. Apelação do mpf provida. Anulação da decisão. Remessa dos autos à primeira instância para continuidade da ação penal. 1. Réu denunciado porque, no dia 28.04.2014, retornou de viagem dos Estados Unidos da América com destino a Belo Horizonte/MG, com bagagem de 92 kg, o que levantou a suspeita de descaminho, tendo autorizado os policiais a revistar os cinco volumes, sacolas e malas que trazia, sendo encontradas consigo diversas mercadorias de origem estrangeira, sem o pagamento do tributo devido, avaliadas em R$ 34.374,30 (trinta e quatro mil, trezentos e setenta e quatro e trinta centavos). Em seguida, os policiais federais, acompanhados de fiscais da Receita Federal, dirigiram-se ao estabelecimento comercial do acusado, onde ele mantinha várias mercadorias de procedência estrangeira (peças de vestuário, bolsas, carteiras, cosméticos, perfumes, relógios e óculos esportivos), sem prova da regular internação no País, perfazendo o valor de R4 95.176,77 (noventa e cinco mil, cento e setenta e seis reais e setenta e sete centavos. 2. Apelado absolvido sumariamente do crime de descaminho (artigo 334, caput, e § 1º, 'c', do Código Penal), fundamentando-se a sentença em que o Delegado responsável pela lavratura do auto de prisão em flagrante e coordenação do inquérito policial não pertenceria à Delegacia Fazendária (DELEFAZ), fato que redundaria na sua incompetência para presidir o inquérito policial que originou a presente ação penal e consequente nulidade do inquérito policial, bem como na ilicitude das provas contra o Apelado, porque a diligência de busca e apreensão realizada pela autoridade policial no estabelecimento comercial do apelado necessitaria de autorização judicial, uma vez que o art. 5º, XI, da Constituição Federal, também consideraria o local comercial destinatário da referida diligência como casa para efeito de proteção dos direitos individuais. 3. A divisão das Delegacias da Polícia Federal em setores especializados consiste em uma mera divisão interna de atribuições, com o objetivo de melhor operacionalizar o trabalho deste órgão, sendo instituída pelo Regimento Interno da Polícia Federal (Portaria n° 1825, de 13 de outubro de 2006), que apenas elenca a DELEFAZ como um dos órgãos policiais responsável pelos procedimentos investigatórios em relação aos crimes fazendários, mas não exclui a possibilidade de um inquérito sobre crime fiscal ser conduzido por autoridade integrante de outra delegacia especializada, principalmente quando decorrente de auto de prisão em flagrante lavrado por esta autoridade. 4. A Instrução Normativa n°11, de 27 de junho de 2011, que atualiza, define e consolida as normas operacionais para execução da atividade de Polícia Judiciária no âmbito do Departamento de Polícia Federal, prevê, quanto à distribuição de trabalho que, "nas unidades descentralizadas todos os Delegados de Polícia Federal concorrerão à distribuição de expedientes", de forma que as distribuições no âmbito da Polícia Federal são suscetíveis de flexibilização, dada a complexidade de determinadas situações que podem ocorrer no curso das atividades policiais, como por exemplo, os plantões, os delegados do dia, as recusas de determinadas autoridades policiais em proceder aos trabalhos, etc. 5. Mesmo que o Delegado que presidiu o inquérito policial do Apelado não componha o quadro da DELEFAZ, tal fato não lhe retira a sua competência funcional para instaurar e presidir um inquérito policial com relação a um crime fazendário, mormente em se tratando de inquérito policial instaurado a partir de prisão em flagrante, visto que o delito ocorreu dentro da circunscrição de sua competência, bem como tratava de crime que viola o interesse da União. 6. Em face da competência do Delegado da Polícia Federal para presidir o IPL, inexiste qualquer irregularidade neste, devendo ser ressaltado que, ainda que houvesse eventuais vícios no IPL, eles não contaminam o processo criminal, por ser este mais amplo e capaz de possibilitar com maiores oportunidade e amplitude a produção de provas para a defesa do Acusado e também devido à independência de instâncias. 7. O termo casa deve ser entendido como aquele recinto em que a privacidade deve ser resguardada, podendo compreender qualquer compartimento habitado, qualquer aposento ocupado de habitação coletiva ou compartimentos privados onde alguém exerce uma atividade profissional, haja vista que a razão legal do dispositivo constitucional é tutelar à tranquilidade da pessoa para que não venha a ser importunada em sua casa ou dependência. Ambientes abertos ao público, não são albergadas pela restrição constitucional, visto que não há privacidade a ser tutelada, tendo em vista que é permitido qualquer pessoa adentrar livremente no referido espaço físico. 8. A diligência de busca e apreensão das mercadorias desencaminhadas se deu em local aberto ao público, haja vista que ocorreu no endereço da loja Mega Importação LTDA., do apelado, com a autorização de entrada no estabelecimento dada pela esposa dele, não havendo que se falar em inviolabilidade domiciliar, visto que este local não se enquadra no conceito de casa disposto no art.5º, inciso XI da Constituição Federal e na presença da autorização. 9. Ainda que não houvesse a dita autorização e o estabelecimento fosse considerado "casa" para efeito do disposto no art. 5º, XI, da CF, a conduta típica realizada pelo Apelado "expor à venda e manter em depósito mercadoria estrangeira introduzida clandestinamente", consiste em um crime permanente, em que o momento consumativo do delito se protrai no tempo, de forma que a situação de flagrância também se propaga pelo tempo, ficando em evidência enquanto perdurar a agressão ao bem jurídico protegido, de forma que a busca e apreensão poderia, mesmo assim, ter sido realizada sem autorização judicial, por ser um típico caso de crime permanente, em que a circunstância de flagrância se prolonga até o fim da permanência. 10. Apelação Criminal provida para anular a decisão que absolveu sumariamente o Réu pelo crime do artigo 334, caput, e § 1º, 'c', do Código Penal, e determinar a remessa da presente ação penal à Primeira Instância, para o seu regular prosseguimento. 

REL. DES. GERALDO APOLIANO

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