ACR – 8455/RN – 2008.84.00.009354-4 [0009354-15.2008.4.05.8400]

Penal. Processo penal. Falsidade documental e uso de documento falso. Agente que providencia certidão de nascimento falsa e, com base nesta, obtém Carteira de identidade falsa. Princípio da consunção. Aplicação. Dosimetria. Alteração. Arrependimento eficaz e crime impossível. Não configuração. Apelação Improvidas, vencido parcialmente o relator. 1. Voto do Relator (Apelação da defesa improvida e apelação do MPF parcialmente provida): -. Agente que, de modo consciente e voluntário, encomenda e obtém certidão de nascimento falsa e, com base nesta, obtém também carteira de identidade falsa deve ser condenado pelo crime de falsidade documental, em face do princípio da consunção. -. O tipo penal de falsificação de documento público não exige, para a sua consumação, a efetiva produção de dano. Logo, a simples ação do núcleo do tipo já caracteriza o crime. Em suma, o delito se consuma quando há adulteração de algum documento, independentemente de qualquer outro resultado posterior. Sendo assim, é delito de mera atividade. -. No caso dos autos, todavia, das provas carreadas e bem indicadas pelo MPF, a falsificação do registro de nascimento possibilitou a produção de resultado, ou seja, o réu obteve êxito ao expedir a carteira de identidade falsa (Laudo de Exame Documentoscópico fls. 155/161). -. Portanto, no caso em apreço, restou comprovado não apenas a falsificação do documento público - para a qual o acusado concorreu -, mas o efetivo e subsequente uso deste mesmo documento para a obtenção de carteira de identidade igualmente falsa. -. O próprio réu afirmou em audiência que foi até o cartório de registro de pessoas, com vontade livre e consciente, para obter registro de nascimento com nome falso visando à obtenção de carteira de identidade no nome de Alessandro Moreira da Silva, não restando dúvidas sobre a autoria delitiva. -. A jurisprudência dominante apregoa no sentido de que, caso o mesmo agente que falsifica determinado documento chegue a fazer uso subsequente dele, deverá responder somente pelo primeiro crime (falsificação), sendo absolvido o segundo (uso de documento falso). -. Portanto, a sentença merece reparo, na medida em que condenou o acusado pelo cometimento do crime de uso de documento falso quando, na realidade, deveria tê-lo condenado pelo crime de falsidade de documento público. Destaque-se que a alteração procedida não modifica a pena abstratamente prevista para a conduta. -. No mais, feitas as merecidas alterações quanto à tipicidade, também merece reparos a dosimetria. -. O magistrado considerou a culpabilidade como normal. Todavia, como se viu nos autos, o acusado cometeu o crime em demanda quando estava cumprido pena por crime anterior, inclusive em regime semi-aberto, evento que demonstra seu total descompromisso com a Justiça e com a sociedade, não tendo, realmente, freios morais e éticos, atuando em total descompasso para com o que se exige do homem médio. Desses eventos, antevê-se que sua culpabilidade assumiu grau elevado. -. Também deveria o magistrado ter considerado o acusado como portador de maus antecedentes sociais já que, além de sentença transitada em julgado - que foi sopesada para fins de reincidência - dos autos se inferiu que o réu responde a outra ação penal, evento que aponta para má conduta social por ele assumida. -. Os registros nas folhas de antecedentes - que, obviamente, não se refiram a condenações transitadas em julgado, que serão consideradas para fins de reincidência -, se não podem ser considerados como maus antecedentes criminais, podem e devem ser considerados como maus antecedentes sociais. -. É que, inegavelmente, aquele que já foi processado ou mesmo indiciado várias vezes - ainda que não tenha sido condenado - não se porta, ao menos socialmente, sob a égide da boa conduta, tampouco em harmonia no meio em que vive. -. Pois foi justamente o caso dos autos, já que há provas que apontam para uma má conduta social assumida pelo réu, máxime o fato de ter respondido a outra ação penal além daquela em que fora condenado. -. Ainda no esteio da dosimetria, a personalidade do réu também se afastou daquela inerente ao homem médio, já que chegou a encomendar, com antecedência e de modo premeditado, certidão de nascimento falsa - pagando por esta -, para, na sequência, obter carteira de identidade igualmente falsa, sempre buscando se esquivar da Justiça. -. Esse comportamento demonstra que o réu se trata de pessoa astuta, articulada, ardilosa e de má-fé, traços de personalidade que devem sim ser sopesados em seu desfavor. -. Atentando para essas outras circunstâncias judiciais desaforáveis ao réu - culpabilidade, antecedentes sociais e personalidade -, que não haviam sido consideradas pelo juízo de primeiro grau, é certo que a pena-base deve assumir montante mais elevado do que o inicialmente fixado. -. Assim sendo, observando as circunstâncias ora consideradas desfavoráveis, a pena-base deve ser fixada em 04 (quatro) anos de reclusão. -. Observa-se ainda a confissão, que deve ser acatada como atenuante genérica, bem como a reincidência, esta agravante genérica também a ser considerada. -. Enfim, considerando a pena-base (04 anos), a atenuante da confissão (06 meses) e a agravante da reincidência (01 ano), a pena privativa de liberdade definitiva cominada ao acusado é a de 04 anos e 06 meses de reclusão. -. Em continuidade, diante da nova análise traçada acerca das circunstâncias judiciais desfavoráveis ao acusado, atenuante, agravante e outras nuanças correlatas, também merece alteração a pena de multa, agora fixada em 120 (cento e vinte) dias-multa. -. Quanto ao valor do dia multa, não restando alterada a situação econômica do acusado, mantido em 1/30 do salário mínimo. -. Não se mostra cabível a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos em virtude de o acusado não preencher o critério objetivo - pena superior a 04 anos -, nem os critérios subjetivos - condenado por crime doloso, personalidade e antecedentes sociais desfavoráveis, etc. -. A defesa apregoou que a sentença merecia ser reformada visto que não haveria nos autos prova da materialidade delitiva, pois não houve a essencial perícia no documento em questão. -. Não há motivos para acolher tal alegação, ainda que não conste nos autos a certidão de nascimento, objeto material do delito em análise. Ora, a falsidade da aludida certidão resta mais do que comprovada diante da análise de duas carteiras de identidade, para a mesma pessoa, com nomes diferentes, consoante destacado na sentença. Ademais, como ressaltado, o próprio réu afirmou que obteve registro de nascimento com nome adulterado e, após este fato, se dirigiu ao instituto responsável para expedir carteira de identidade. Enfim, por tudo o quanto fora carreado, a prova é vasta quanto à falsidade da certidão de nascimento e ulterior obtenção de carteira de identidade falsa. -. Também não merece prosperar a tese de arrependimento eficaz. É que, como se infere do art. 15 do CPB, no arrependimento eficaz, o processo de execução do delito se encontra esgotado, ou seja, a ação típica já foi realizada, atuando o agente para evitar a produção do evento. Em suma, o agente age diligentemente no sentido de impedir a ocorrência do resultado, revertendo a ação executada. Assim, possível inferir que são requisitos do arrependimento eficaz: o impedimento eficaz do resultado e a voluntariedade do agente. -. No caso dos autos, o acusado, além de falsificar a certidão de nascimento, voluntariamente obteve, com o uso desta, carteira de identidade falsa. Como se verifica, portanto, o réu não apenas obteve o resultado direto da falsidade - certidão de nascimento falsa - como, na sequência, tirou proveito desse resultado, na medida em que utilizou o documento para obter outro: carteira de identidade. Portanto, é óbvio que não ocorreu arrependimento eficaz. -. Também não há que se falar em crime impossível. É que o documento falso não apenas era apto a confundir como, de fato, confundiu terceiro que, com base nele, expediu carteira de identidade igualmente falsa, tudo em benefício do acusado e nos moldes premeditados. -. Quanto ao pleito da defesa no sentido de reduzir a pena cominada, incabível. É que, como já sinalado nas linhas anteriores, a dosimetria merecia sim reparos, mas não para reduzir a pena e sim para aumentá-la. 2. Entendimento majoritário da Turma (apelações improvidas): -. Tipificação e dosimetria corretas no ato recorrido. -. Sentença confirmada pelos próprios fundamentos. 3. Apelações improvidas. 

REL. DES. FERNANDO BRAGA

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