REL. DES. ROBERTO MACHADO -
Penal e processo penal. Decreto-lei nº 201/67. Desvio de verbas públicas. Autoria e materialidade comprovadas. Erro de proibição. Dosimetria. Manutenção Da sentença. Não provimento das apelações. 1. Trata-se de apelações criminais interpostas em face de sentença exarada pelo juízo da 16ª Vara Federal do Ceará, que condenou os réus a pena de 03 anos e 03 meses de reclusão, substituída por duas restritivas de direito, pela prática do crime previsto no artigo 1º, I, do Decreto-Lei 201/67. 2. As provas são suficientes para demonstrar a materialidade e autoria dos fatos criminosos. A sentença de primeiro grau corretamente analisou os elementos probatórios dos autos, motivo pelo qual transcrevo parte do julgado: "Note-se que os cheques foram emitidos em nome de E. F. F. F., que sequer fazia parte da administração municipal, sendo tão somente a esposa do Prefeito, além de A.P.C.S., então Secretária de Infraestrutura, que estranhamente foi beneficiária de cheques referentes a verbas dos SUS - Sistema Único de Saúde, esfera alheia à sua alçada. (...) Da prova, emerge clara a autoria. Ao réu V. F.S. coube emitir os cheques em favor das acusadas A.P.C.S. e E. F. F. F, às quais incumbiu efetivar a retirada dos valores, conforme demonstrado acima. Conscientes de que não havia subsídio mínimo à emissão e saque dos cheques, todos agiram no claro intuito de desviar dinheiro público". 3. Não é razoável admitir que o réu, então Prefeito na iminência de cassação de seu mandato, tenha assinado cheques em seu próprio nome e em nome de sua mulher e irmã sem que tivesse intenção de lesar os cofres públicos. 4. Ademais, como bem ressaltou o douto magistrado a quo, E.F.F.F., mulher do ex Prefeito, sequer fazia parte da administração pública, e não agiu com a intenção de pagar os supostos fornecedores. Por sua vez, a irmã do réu, APCS, sacou valores relativos a verbas destinadas à saúde, que nenhuma relação tinha com o cargo que exercia (Secretária de Infraestrutura), sendo absolutamente inverossímil que não tivesse conhecimento do procedimento necessário e correto para a liberação de uma verba pública, nos termos da Lei nº 4.320/64. 5. "A vox 'possibilidade de entender o caráter ilícito (criminoso) do fato' é genuinamente normativa, pois não se trata do conhecimento da ilicitude (operação de natureza psicológica) mas da mera possibilidade concreta desse conhecimento. O juízo de reprovação apenas se torna possível quando se constata que o agente teve, no caso específico, a possibilidade concreta de entender o caráter criminoso do fato praticado e assim determinar o seu comportamento de acordo com os interesses do sistema jurídico. O erro sobre a ilicitude do fato é erro de proibição; dá-se quando o agente por ignorância (ignorantia iuris) ou por uma representação falsa ou imperfeita da realidade supõe ser lícito o seu comportamento" (MESTIERI, João. Apud GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. 14ª ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2012.) 6. Restou claro que os réus tinham consciência da ilicitude do fato, motivo pelo qual não podem ser isentos por força do artigo 21 do Código Penal. 7. Insurgiram-se os réus e o MPF quanto à análise das circunstâncias judiciais. Os primeiros pugnaram pela fixação da pena-base no mínimo legal, enquanto o Parquet pela sua majoração. 8. Assiste razão aos réus no tocante a valoração negativa das consequências do crime. De fato, a justificativa de que "as consequências superam o normal, tendo em vista que implicaram usurpação de quantias que seriam destinadas a saúde e educação no município, elementos sociais basilares" incorre em bis in idem, em virtude do desvio ser elementar do tipo penal em comento. 9. Todavia, no que tange às circunstâncias em que o crime foi realizado, vê-se que a pena-base merece maior exasperação, posto que a empreitada criminosa iniciou-se em 2007, às vésperas do réu ter seu mandato cassado pela Justiça; o que nos mostra que ele buscou, em conluio com as corrés, garantir recursos financeiros antes que seu mandato tivesse fim. Ademais, observa-se que os réus tentaram dar aspectos de legalidade para os gastos realizados com, por exemplo, a criação de pessoas jurídicas, agravando ainda mais a antijuridicidade de suas condutas. 10. Acolhida da fundamentação do parecer da Procuradoria Regional da República - 5ª Região, in verbis: "Acresça-se, ademais, que toda a empreitada criminosa começou a se formar no mês de fevereiro de 2007 (conforme se percebe das datas dos cheques), o que evidencia que, estando o ex-prefeito na iminência de ter seu mandato cassado pela Justiça, buscou uma maneira de garantir recursos financeiros, encontrando-a no crime que perpetrou. (...) Desta forma, percebese que, a despeito de as consequências do crime não merecerem, in casu, a valoração que deu o juiz - ao menos, não com a fundamentação dada -, outros elementos judiciais, a exemplo da culpabilidade e dos motivos, devem, sim, ser valorados em desfavor dos réus, para agravar-lhes as penas, ou no mínimo, manter a condenação imposta." 11. Apelação do réu parcialmente provida para, na primeira fase da dosimetria, excluir a valoração negativa da circunstância judicial relativa às consequências do crime, e apelação do MPF parcialmente provida, para valorar negativamente a circunstância judicial relativa às circunstâncias de cometimento do crime, mantendo-se o quantum da pena aplicado na sentença, ao se compensarem os aumentos e diminuições aplicados.
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