RELATOR : DESEMBARGADOR ROGÉRIO FIALHO MOREIRA -
Penal e processual penal. Crime de fraude ao caráter competitivo da licitação (art. 90 da lei n.º 8.666/93). Pregão n.º 004/2003 da gerência regional do ministério da fazenda No rio grande do norte. Denúncia que descreve de forma com clareza e precisão os Fatos e circunstâncias caracterizadores do crime, seus sujeitos ativos, além de Individualizar a conduta de cada réu. Desnecessidade de descrição minuciosa do Comportamento de cada acusado nos crimes de autoria coletiva. Preliminar de Inépcia rejeitada. Auto circunstanciado de busca e apreensão que preenche os Requisitos do art. 245, § 7º, do cpp e atende as exigências fixadas pela doutrina e Jurisprudência para sua validade. Alegação de nulidade rejeitada. Provas Documental, oral e interceptações telefônicas que não se mostram capazes de Caracterizar a materialidade e autoria delitivas. Absolvição por insuficiência de Provas. Apelação provida. 1. Apelação criminal interposta pela defesa dos acusados HERBETH FLORENTINO GABRIEL, FRANCISCO ROBERTO MAIA E MARINO EUGÊNIO DE ALMEIDA contra sentença que julgou procedente a ação penal para condená-los pela prática do crime previsto no artigo 90 da Lei 8.666/93, em concurso de pessoas, à pena, para cada um dos réus, de 03 anos de detenção e, conforme regra especial do artigo 99 da Lei 8.666/93, multa de 2% da soma do valor dos contratos e de suas prorrogações. 2. Consoante a denúncia, os acusados teriam fraudado o caráter competitivo de procedimento licitatório (Pregão nº 04/2003, promovido pela Gerência Regional do Ministério da Fazenda no Rio Grande do Norte), na medida em que teriam assegurado que a sociedade empresária Natal Tecnologia e Segurança Ltda (NTS) se sagrasse vencedora no certame, mediante pagamento de favores econômicos aos demais licitantes. 3. A inicial acusatória está redigida em linguagem de fácil acesso e compreensão por qualquer pessoa. Indica, de forma clara, precisa e objetiva, os fatos e circunstâncias caracterizadores do crime de fraude ao caráter competitivo da licitação (art. 90 da Lei n.º 8.666/93) e seus sujeitos ativos, a fim de caracterizar a materialidade e autoria delitivas, além de discriminar os elementos de prova colhidos durante a investigação, perfazendo um lastro probatório mínimo capaz de evidenciar a presença de justa causa para a persecução penal. Após fazer uma correlação entre os fatos apurados no IPL n.º 300/2003 e no IPL n.º 165/2008, indicar o modo como as fraudes licitatórias eram praticadas, as empresas e pessoas físicas participantes dessas fraudes e os elementos de prova colhidos durante a investigação, a denúncia ainda tratou isoladamente das condutas imputadas a cada um dos acusados. 4. Na linha da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, sequer haveria a necessidade de a denúncia descrever minuciosamente a conduta de cada um dos acusados, já que se trata na espécie de crime societário, sendo suficiente para seu recebimento a demonstração de que os acusados eram os responsáveis pela gestão da empresa utilizada como suporte para a prática do delito. Preliminar de inépcia da denúncia rejeitada. 5. Ao examinar a cópia do "auto circunstanciado" da diligência de busca e apreensão realizada no âmbito do IPL n.º 300/2003, constata-se que ele atende as exigências do art. 245, § 7º, do CPP, na medida em que foi assinado por duas testemunhas perfeitamente identificáveis, indica precisamente a data e local da diligência, tem por base o mandado de busca e apreensão cuja validade não se questiona, relaciona e especifica documentos e objetos relevantes para a investigação, relatando as ocorrências verificadas no cumprimento da medida de busca e apreensão. Ademais, a defesa sequer aponta qualquer intercorrência que não tivesse sido registrada e que fosse capaz de macular a diligência. A postergação da identificação dos objetos e documentos apreendidos por ocasião do cumprimento do mandado de busca e apreensão, desde que observadas determinadas cautelas como a acomodação desses bens em invólucros lacrados, mesmo que não seja esta a melhor opção, não invalida a diligência de busca e apreensão. Alegação de nulidade da busca e apreensão rejeitada. 6. Não sendo viável levar em conta o histórico das investigações empreendidas nos demais inquéritos policiais instaurados para apuração de outras fraudes licitatórias conexas envolvendo empresas do grupo EMVIPOL, seja porque o relatório policial abrangendo todas as investigações não é por si elemento de prova dos fatos ali referidos, mas relato conclusivo do apuratório, seja porque os poucos elementos daqueles inquéritos trazidos aos autos não permitem a formação de um juízo de valor próprio sobre os fatos e circunstâncias identificados no relatório policial (fls. 186/318 do IPL n.º 165/2008, anexo), deve-se o exame da autoria e materialidade ser feito a partir dos elementos de prova trasladados em conjunto com a prova produzida nestes autos. 7. Apesar de existirem indícios de que MARINO EUGÊNIO DE ALMEIDA tinha ingerência sobre a empresa NATAL TECNOLOGIA E SEGURANÇA LTDA antes de passar a integrar seu quadro social juntamente com as outras sócias da empresa CONDOR ADMINISTRAÇÃO E SERVIÇOS LTDA, não há como afirmar, com base na prova documental colhida, que à época do Pregão n.º 004/2003 ele exercia de fato a administração da empresa NATAL TECNOLOGIA E SEGURANÇA LTDA. Igualmente não se pode afirmar, com a segurança mínima exigida para uma condenação, e com base na prova documental, que HERBETH FLORENTINO GABRIEL e FRANCISCO ROBERTO MAIA participavam da gestão da empresa NATAL TECNOLOGIA E SEGURANÇA LTDA à época do Pregão n.º 004/2003 quando essa prova documental demonstra unicamente que eles eram procuradores de FABRÍCIO MARQUES DO NASCIMENTO e MARIA TÂNIA FLORENTINO DE SENA no período seguinte distante da licitação (17/08/2005). 8. Como pode ser facilmente observado do "auto circunstanciado" ou do "auto de apreensão", lavrados por ocasião da diligência de busca e apreensão, não há ali menção expressa à apreensão de "mapa de acompanhamento", relação de empresas e recibos de pagamento. Colhido o depoimento do Escrivão da Polícia Federal, GLAUCO MARQUES DE SOUZA, na condição de testemunha, este afirmou em juízo que todos os documentos apreendidos na oportunidade foram relacionados e acondicionados em recipiente lacrado para posterior deslacre e especificação na sede da Polícia Federal na presença de testemunhas, fazendo inclusive referência a trecho do auto de apreensão em que constou essa observação. Houve ainda a tentativa de tomar o depoimento do Delegado da Polícia Federal responsável pela diligência de busca e apreensão. Ouvido o Delegado CAIO CÉSAR MARQUES BEZERRA este afirmou em seu depoimento que não realizou a diligência, sendo apenas o responsável por presidir o IPL n.º 165/2008. Por outro lado, a própria denúncia não é clara acerca do local de apreensão daqueles documentos ao afirmar que "Dentre a documentação apreendida na casa do denunciado Herbeth Florentino, e das empresas do grupo EMVIPOL, foram obtidos diversos "mapas de acompanhamento", lista de contatos telefônicos dos representantes das empresas concorrentes e recibos de pagamentos de valores em favor das mesmas...". Não há ainda no relatório policial indicação segura do local onde foram apreendidos os mapas de acompanhamento, se na residência de HERBETH FLORENTINO GABRIEL ou de ELBA DE MOURA ALVES. Diante desse contexto, o "mapa de acompanhamento", relação de empresas e recibos de pagamento, por não terem sido identificados no ato de busca e apreensão na residência de HERBETH FLORENTINO GABRIEL, não podem ser tidos, com um mínimo de segurança, como apreendidos na residência do mencionado réu. 9. Em cotejo com a relação de empresas que retiraram o edital do Pregão n.º 004/2003, que as empresas PRISMA, MEG, WORD SERVICE, ASG e EMBRALIMPE não figuram entre as empresas que retiraram o edital do referido pregão, e que nele não consta os nomes das empresas AURIMAR CONSTRUÇÕES E SERVIÇOS LTDA, UNISERV - EMPRENDIMENTOS E SERVIÇOS LTDA, RANGEL E FARIAS LTDA, ARETA CONSTRUÇÕES COMÉRCIO E SERVIÇOS LTDA, que retiraram o edital. Da listagem de telefones, por sua vez, não consta entre as empresas que retiraram o edital da licitação os nomes de BRISA SERVIÇOS EMPRESARIAS LTDA, ARETA CONSTRUÇÕES COMÉRCIO E SERVIÇOS LTDA, RANGEL E FARIAS LTDA, UNISERV - EMPREENDIMENTOS E SERVIÇOS LTDA, AURIMAR CONSTRUÇÕES E SEVIÇOS LTDA e SWAT SERVIÇOS LTDA. Apesar de a listagem de empresas que retiraram o edital do pregão, com anotações que indicam o órgão promotor da licitação (DMF) e o dia do certame (26.09.03), servir de indício considerável de que haveria a intenção ou houve contato com os representes das empresas potencialmente participantes, não há como admitir, essencialmente com base nessa listagem, que tenha havido o conluio fraudatório. 10. A ausência de demonstração de que os nomes constantes dos recibos de pagamento sejam de representantes das empresas que retiraram o edital, salvo quanto ao recibo assinado por FRANCISCO VALÉRIO, e ainda assim a baixa expressão econômica do valor ali contido gera dúvida acerca da sua finalidade. 11. O trecho que a acusação considerou importante elemento de prova diz respeito à interceptação da conversa entre ANTÔNIA HELIANA CAVALCANTI, antiga sócia da empresa NATAL TECNOLOGIA E SEGURANÇA LTDA mencionando preocupação quanto à apreensão de documentos relacionados à "antiga empresa que ela trabalhava". Vêse, no entanto, que a própria Polícia Federal, com base em afirmação expressa de ANTÔNIA HELIANA CAVALCANTI, reconhece que os documentos se referem à empresa PRESTSERVICE. Em resumo, os diálogos colhidos através das interceptações telefônicas realizadas no âmbito do IPL n.º 300/2003, e que foram trasladados para estes autos a requerimento da acusação, embora talvez pudessem, em conjunto com o acervo probatório formado naquele inquérito policial principal e nos outros inquéritos policiais dele decorrentes, servir de prova de que ANTÔNIA HELIANA CAVALCANTI, antiga sócia da empresa NATAL TECNOLOGIA E SEGURANÇA LTDA, agia como "testa de ferro" ou "laranja" dos réus, não trazem nada que possa ser utilizado como indício de fraude ao Pregão n.º 004/2003. 12. Os depoimentos prestados por declarantes e testemunhas (não foram tomados os depoimentos pessoais dos réus em interrogatório judicial, tendo sido apenas trasladados aqueles de outro processo - Ação Penal n.º 033312- 42.20114.05.8400) durante a instrução penal, também não fornecem elementos relevantes para se chegar à conclusão de que os réus HERBETH FLORENTINO GABRIEL, FRANCISCO ROBERTO MAIA e MARINO EUGÊNIO DE ALMEIDA eram os sócios e/ou gestores de fato da empresa NATAL TECNOLOGIA E SEGURANÇA LTDA, na data do Pregão n.º 004/2003 (26/09/2003) ainda que analisados conjunto. Além de os depoimentos prestados em juízo pelos declarantes e pelos próprios réus não conterem elementos que permitissem atribuir a estes a gestão da NTS - NATAL TECNOLOGIA E SEGURANÇA LTDA na data do Pregão n.º 004/2003, o depoimento da testemunha FERNANDO ANTÔNIO DE FARIAS, servidor do Ministério da Fazenda que atuou como pregoeiro no Pregão n.º 004/2003 não elementos que possam servir de prova ou sequer de indício de que tenham havido conluio entre as empresas para fraudar a licitação. Ouvido, mediante precatória, pela MM. Juíza Federal da 13ª Vara da Seção Judiciária de Pernambuco, a referida testemunha afirmou em seu depoimento que não percebeu a existência de qualquer irregularidade na licitação, tendo havido inclusive disputa entre os licitantes, sem aparentassem ter combinado previamente os valores dos lances. 13. A partir dos depoimentos prestados pelos réus HERBETH FLORENTINO GABRIEL, FRANCISCO ROBERTO MAIA e MARINO EUGÊNIO DE ALMEIDA, pelos declarantes FABRÍCIO MARQUES DO NASCIMENTO e MARIA TÂNIA FLORENTINO DE SENA e pela testemunha FERNANDO ANTÔNIO DE FARIAS, pouco se extrai que possa servir de indícios de que tenha havido um conluio com o objetivo de fraudar o Pregão n.º 004/2003. 14. A opção da acusação por oferecer uma denúncia para cada licitação supostamente fraudada, sem atentar para que a peça acusatória fosse instruída com todo o acervo probatório colhido nas investigações empreendidas no âmbito do inquérito policial principal e nos inquéritos relacionados, inviabilizou o acesso a provas e evidencias contidas no relatório policial e que talvez pudessem ensejar a condenação. Essa opção, também, impediu a análise conjunta de padrões de comportamento e/ou regularidade fáticas entre os procedimentos licitatórios alegadamente fraudados que pudessem reforçar as teses acusatórias de conluio de licitantes e, na análise Geraldo conjunto de ações, levar à conclusão que, também, no pregão objeto dos autos, diante de sua inserção no quadro fático geral, ocorrera a fraude narrada pelo órgão acusador. 15. 1) Poderiam ainda ter sido ouvidos como testemunhas os sócios da empresa NTS - NATAL TECNOLOGIA E SEGURANÇA LTDA à época da licitação (ANTÔNIA HELIANA CAVALCANTI e LAERTE JOSÉ DE FARIAS); 2) deixou-se de ouvir o Delegado da Polícia Federal responsável pela diligência de busca e apreensão; 3) não foram tomados nestes autos os depoimentos dos réus; 4) não houve a demonstração de que os nomes constantes do "mapa de acompanhamento", da lista de telefones e dos recibos de pagamento pertenceriam aos representantes das empresas participantes ou tendentes a participar do Pregão n.º 004/2003o; 4) não foram tomados os depoimentos dos representantes das empresas listadas no "mapa de acompanhamento" a fim de apurar possível envolvimento no conluio para fraudar a licitação; 5) não houve aprofundamento da investigação no que diz respeito aos motivos da existência de recibos em favor de HERBETH FLORENTINO GABRIEL, com as oitivas dos beneficiários dos pagamentos; 6) não se buscou esclarecer o porquê de algumas empresas que retiraram o edital não constavam do "mapa de acompanhamento" e porque outras que não retiraram o edital dele constavam seus nomes; 7) não houve a indicação uniforme do local onde foram aprendidos os documentos de origem questionada; 8) não houve o cuidado de apresentar o auto de deslacre a fim de comprovar que os documentos questionados estavam entre aqueles contidos em pastas que não foram identificados no auto de apreensão, dentre tantas outras possibilidades probatórias. 16. Por semelhantes razões, em caso correlato, o Ministério Público Federal requereu, em sede de alegações finais, nos autos da Ação Penal n.º 0003311-57.2011.4.05.8400, contra os mesmos réus, em que se apurava fraude ao Pregão n.º 008/2003 da ECT, a absolvição por insuficiência de provas, ao observar que não havia correspondência entre as empresas participantes do pregão e aquelas relacionadas no "mapa de acompanhamento", que não foram ouvidos os representantes das empresas acusadas de fraudar a licitação e que as testemunhas nada acrescentaram que pudesse servir de prova para a condenação (fls. 382/383 do Volume II, da ACR 11121/RN). 17. Absolvição dos réus da acusação de terem fraudado o Pregão nº 04/2003, promovido pela Gerência Regional do Ministério da Fazenda no Rio Grande do Norte, ante a insuficiência de provas, nos termos do art. 386, inciso VII, do Código de Processo Penal. 18. Apelação provida.
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