O que é a vida? Quanto ela vale?
São perguntas complexas, cujas respostas podem envolver ciências e crenças.
Na música “O que é, o que é?”, Gonzaguinha afirmou que “[...] Há quem fale que a vida da gente é um nada no mundo / É uma gota, é um tempo / Que nem dá um segundo / Há quem fale que é um divino mistério profundo / É o sopro do criador numa atitude repleta de amor. [...]” (O que é, o que é?, do álbum “Caminhos do coração”, de 1982).
Para um “pistoleiro”, o valor dependerá caso a caso. Para o médico que pratica o aborto ilegal idem... Enfim, há um valor aplicado na prática.
Na Indonésia, como bem afirmou a amiga Dra. Giane Ambrósio Alvares, “a vida vale menos que 13 quilos de cocaína...”. “13 quilos que não chegaram a lugar nenhum, acrescento... Uma cocaína que ninguém consumiu!”, como descrito pelo Dr. Marcelo Semer.
No dia 17 de janeiro de 2015, o brasileiro Marco Archer Cardoso Moreira, de 53 anos, foi o primeiro nacional a ser executado no estrangeiro com a pena de morte.
Marco Archer foi preso em 2003 portando mais de 13 quilos de cocaína, sendo processado, julgado, condenado à morte por fuzilamento e executado na Ilha de Nusakambangan.
No mesmo viés, o brasileiro Rodrigo Muxfeldt Gularte, atualmente com 43 anos, foi preso em 2004 com oito pranchas recheadas de cocaína (6 quilos) na mesma Indonésia. Processado, também foi condenado à morte, e atualmente se discute a não execução pela alegação de doença mental, o que impediria, em um primeiro momento, o cumprimento da sentença pela lei local.
Após a execução do brasileiro, o Brasil e as redes sociais foram tomadas de manifestações a favor da execução. Ressalta-se a criação de um “meme” com a foto do presidente da Indonésia Joko Widodo, atribuindo-lhe a frase: “Em meu País, traficante não fica rico, não vira celebridade nem segue a carreira política”.
A presidente Dilma Rousseff foi duramente criticada pelo pedido de clemência (nos últimos anos, o ex-presidente Lula enviou duas cartas ao governo da Indonésia pedindo clemência e a própria presidente Dilma mandou outras quatro, além do telefonema ocorrido no dia anterior à execução). Segundo o Planalto, Dilma pediu “como Chefe de Estado e como mãe”, e o fazia esse apelo por razões eminentemente humanitárias.
A embaixada brasileira na Indonésia, com apoio do Itamaraty, acompanhou o caso de perto, indicando e patrocinando inclusive um advogado local até a última instância.
Sobre a pena de morte, segundo relatório da Anistia Internacional, 57 países ainda a utilizam com frequência. O mesmo relatório afirma que em 98 países as execuções foram completamente erradicadas.
Em outro relatório (“Sentenças de Morte e Execuções - 2013”), a Anistia Internacional afirmou que 778 pessoas foram executadas em 22 países.
Segundo o Professor Claudio José Langroiva Pereira (PUC-SP), a pena de morte “é um exercício de barbárie legalizado pelo Estado que investe nisso e colhe frutos políticos”.
No âmbito dos diplomas internacionais humanistas, o direito à vida tem o devido destaque, como o maior bem da humanidade. Vejamos:
Na Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), o art. 3º diz que “Todo o homem tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal”.
O Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (1966), documento este que juntamente com o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966), forma a Carta de Direitos Humanos mais abrangente e vinculante até o momento, afirma no art. 6º que “O direito à vida é inerente à pessoa humana. Este direito deverá ser protegido pela lei. Ninguém poderá ser arbitrariamente privado de sua vida”.
A Convenção Americana sobre os Direitos Humanos (conhecida entre nós como Pacto de São José da Costa Rica), de 1969, é a norma mais importante de Direitos Humanos do Sistema Regional Americano, afirma no art. 4º (“Direito à vida”), que “Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida. Esse direito deve ser protegido pela lei e, em geral, desde o momento da concepção. Ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente”, e ainda, “Toda pessoa condenada à morte tem direito a solicitar anistia, indulto ou comutação da pena, os quais podem ser concedidos em todos os casos”.
Em outras palavras, a retirada da vida do brasileiro não foi arbitrária, seguiu-se, ao que se sabe o devido processo legal, mas a questão aqui é outra: como pode, em 2015, ainda ter esse tipo de pena medieval? Como pode as pessoas apoiarem esse tipo de questão? Estaríamos voltando no tempo? O próximo passo seriam as penas de castigo físico e mutilação?!?
A pena de morte caminha para a extinção e nesse sentido destacam-se o Segundo Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos com vistas à Abolição da Pena de Morte (1989), e o Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos Referente à Abolição da Pena de Morte (1990), ambos assinados pelo Brasil.
Aliás, em nosso País, a pena de morte é a exceção, pois a Lei Maior no art. 5º, inciso XLVII, alínea “a”, afirma que não há pena de morte (regra), salvo em caso de guerra declarada (exceção). Para o Brasil entrar numa guerra, conforme art. 84, XIX da Constituição, tem que haver uma agressão estrangeira inicial, para então o presidente da República, autorizado pelo Congresso Nacional, decretar tal situação, ou seja, a regra deve ser interpretada amplamente, o chamado “tempo de paz” é a realidade, enquanto que o “estado de beligerância” é algo distante, teórico demais para afirmar que “existe pena de morte no Brasil”.
No anacrônico Código Penal Militar de 1969, há a menção da pena de morte, cuja execução se dá por fuzilamento. No Livro II do Diploma Castrense (“Dos crimes militares em tempos de guerra”), há as tipificações das penas de morte, como grau máximo, ou seja, além de termos que estar em estado de guerra (algo raríssimo), o acusado tem que cometer um crime cuja pena preveja a morte, e ainda ser condenado ao grau máximo.
Muito se falou (principalmente no “muro das lamentações” chamado Facebook) que a presidente Dilma teria afrontado a soberania da Indonésia. No Brasil, o presidente da República exerce duas funções ao mesmo tempo: Chefe de Governo e Chefe de Estado. Nossa Constituição determina que o Brasil, em suas relações internacionais reja-se pela prevalência dos direitos humanos (art. 4º, inciso II). Desta forma, a Chefe de Estado apenas fez cumprir o seu papel de obediência à Lei Maior, até mesmo para não cometer um crime de responsabilidade, conforme art. 85 da Constituição (atentar contra a Constituição é uma das hipóteses).
Ninguém aqui está defendendo um traficante. É sabido a nocividade que as drogas lícitas e ilícitas fazem à humanidade. Defende-se aqui qualquer outra forma de punição, desde que a vida seja mantida.
Parafraseando Gonzaguinha, “Ninguém quer a morte, só saúde e sorte!”.