INQ – 2983/AL – 0004342-87.2014.4.05.0000

RELATOR : DESEMBARGADOR ROGÉRIO FIALHO MOREIRA -

Processual penal. Crime. Lei de licitações. Direcionamento de procedimentos Licitatórios. Narrativa acusatória logicamente incoerente. Inépcia da denúncia. Rejeição da inicial acusatória. 1. A denúncia apresentada pelo MPF apresenta-se maculada pela pecha da inépcia processual, pois: I - embora impute aos Acusados a conduta criminosa de direcionamento dos procedimentos licitatórios nela indicados (PP n.º 06/2009, PP n.º 06/2010, PP n.º 06/2011 e PP n.º 07/2011; CV n.º 002/2009, CV n.º 03/2009, DISP n.º 003/2009, DISP n.º 013/2009, DISP n.º 016/2009, PP n.º 04/2010 e PP n.º 08/2011), num total de 11 (onze), não descreve como teria se dado referido direcionamento, não indicando o modo operacional pelo qual teria sido realizada a fraude consistente no beneficiamento indevido das empresas vencedoras; não indica ela como teria ocorrido esse direcionamento, quais condutas dos licitantes e/ou da comissão de licitação e/ou do Prefeito teriam sido instrumentalizadoras do beneficiamento indevido das empresas vencedoras (teria sido um conluio entre licitantes ou uma montagem de procedimento licitatório ou um misto de ambos ou outra forma de conduta); II - em realidade, limita-se a denúncia a: 1) - com o intuito de demonstrar a materialidade do direcionamento licitatório mencionado e a autoria quanto aos Acusados empresários: (a) narrar fatos vinculados à configuração de que as empresas nela indicadas, vencedoras das licitações referidas, seriam, em realidade, administradas, de fato, por dois dos Acusados (Wolney Tadeu Valença Silva e Victor Pontes de Mendonça Melo), com o auxílio, consciente, o primeiro, do Acusado Flávio Henrique Bastos da Silva; (b) quanto às empresas vinculadas ao Acusado Victor Pontes de Mendonça Melo, afirmar que teriam vencido 7 (sete) de 15 (quinze) licitações mencionadas como tendo ocorrido no período de 2009 a 2011; (c) indicar elementos (interceptações telefônicas, documentos apreendidos etc) que ligariam esses Acusados a esquema de fraudes a licitações que atingiria diversos Municípios Alagoanos, mas não, diretamente ligados lógico-temporalmente ao direcionamento dos procedimentos licitatórios objeto da acusação neste feito; (d) e referir a informação da Secretaria de Fazenda do Estado de Alagoas quanto à apreensão de notas fiscais possivelmente graciosas emitidas por uma dessas empresas, algumas delas relativas ao Município de Piaçabuçu/AL, que seriam indício de desvio de recursos públicos, embora afirme a denúncia que esse fato precisa ser melhor investigado e sem vinculá-las, também, diretamente aos procedimentos licitatórios alegadamente direcionados de acordo com a inicial acusatória; 2) - com o intuito de demonstrar a autoria em relação ao Acusado Dalmo Moreira Santana Júnior: (a) a referir anotações referentes ao ano de 2012 em agenda apreendida na residência da esposa do Acusado Wolney Tadeu Valença Silva indicativas de que ele teria sido beneficiado com quantias em dinheiro por este, bem como duas interceptações telefônicas (do ano de 2012) em que haveria indicativo de outros tipos de beneficiamento (reserva de hotel e pedido de emprego para cunhada); (b) e a indicar a amizade existente entre os Acusados Wolney Tadeu Valença Silva e Dalmo Moreira Santana Júnior, bem como o empréstimo de veículo por aquele a este; III - resta, do exame da narrativa acusatória acima descrita (melhor detalhada no relatório deste julgado), que há um claro déficit narrativo e lógico entre as premissas (fatos embasadores da acusação) e a conclusão proposta como alcançada (hipótese acusatória - fato delituoso descrito), vez que: (a) os eventos indicadores do direcionamento das licitações não são anteriores e/ou concomitantes aos procedimentos licitatórios, mas a ele posteriores, tendo em vista que os procedimentos abrangem o período de 2009 a 2011, enquanto os beneficiamentos indevidos do Acusado Dalmo Moreira Santana Júnior (item 2 acima) teriam ocorrido em 2012; ou seja, estes não podem ser causa ou concausa daqueles, podendo, quando muito, ser dele resultado, mas sem o necessário nexo lógico-causal, uma vez que poderiam apenas representar atos delituosos posteriores sem vínculo com a própria realização dos procedimentos licitatórios de forma lícita ou não, salvo indicação de outros fatos que conduzissem a conclusão diversa, o que não foi narrado pela acusação; (b) nada foi descrito quanto aos eventos anteriores e/ou concomitantes aos procedimentos licitatórios e/ou, ainda, dele integrantes que seriam indicativo do direcionamento destes; aliás, da análise dos autos, verifica-se que durante a fase investigatória não foram estes (os procedimentos licitatórios indicados na denúncia) trazidos aos autos, nem foram ouvidos os membros da comissão de licitação e/ou participantes desses procedimentos; não foi, também, na inicial acusatória, realizada qualquer indicação de elementos documentais desses procedimentos cuja análise poderia indicar o seu direcionamento; (c) quanto à autoria imputada ao Acusado Dalmo Moreira Santana Júnior em relação ao direcionamento dos procedimentos licitatórios relativos às empresas vinculadas ao Acusado Victor Pontes de Mendonça Melo, não foram descritos quaisquer vínculos entre aquele e estas, sejam anteriores e/ou posteriores aos procedimentos (como ocorreu, nessa última hipótese, quanto aos procedimentos licitatórios relativos às empresas vinculadas ao Acusado Wolney Tadeu Valença Silva - ver subitem (a) deste item), nem foi, também, indicada qualquer atuação concreta dele anterior e/ou concomitante aos referidos procedimentos e/ou a ele vinculadas que fosse indicativa da sua participação no alegado direcionamento, limitando-se a acusação a basear-se no fato de ele ser Prefeito do Município de Piaçabuçu/AL. 2. Do acima explicitado, vê-se, assim, que, embora os elementos colhidos na investigação policial anterior à denúncia constantes dos apensos destes autos e do CD que acompanhou a denúncia, pareçam indicar a possibilidade de ocorrência de uma multiplicidade de delitos (havendo claras divergências na compreensão dos efeitos penais do material colhido entre a autoridade policial e o MPF), alguns reconhecidos pelo próprio MPF, explícita e/ou implicitamente (pela opção narrativa adotada na denúncia), como dependentes de melhor aprofundamento investigatório, a inicial acusatória padece de uma falha lógico-formal (falácia lógica - "non sequitur") no encadeamento narrativo nela deduzido quanto à hipótese acusatória formulada (que se encontra restrita, por opção do próprio órgão acusador, ao direcionamento de procedimentos licitatórios, tendo outros fatos que, potencialmente, poderiam ter conotação delituosa, sido narrados apenas como fundamentos para estruturação do pretendido liame pessoal e/ou material entre os Acusados e a conduta delituosa denunciada). 3. Por fim, embora não menos importante, a inépcia da denúncia acima descrita resta reforçada pela clara imposição à Defesa de uma dificuldade (cerceamento) no exercício de sua contraposição à hipótese acusatória (decorrente da incoerência lógica da relação premissas-conclusão desta) e, ainda, também, pelo evidente prejuízo à própria Acusação que dela resulta, sendo melhor, para ambas as partes processuais, que tal irregularidade processual possa ser sanada no atual momento do que a submissão das pretensões processuais contrapostas às vicissitudes de um processo penal deficientemente formulado em sua narrativa acusatória. 4. Reconhecimento da inépcia da denúncia formulada e sua rejeição, sem prejuízo de nova dedução de pretensão acusatória formulada de forma adequada.

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