A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) deferiu parcialmente, na sessão de hoje (30), a Extradição (EXT 1361) da cidadã portuguesa Telma Sofia Couto Garcia para a Suíça, onde é acusada de tentativa de homicídio ou tentativa de assassinato (que equivale ao crime de homicídio qualificado no Brasil), sequestro e roubo de uso. Porém, de acordo com o voto do relator do processo, ministro Celso de Mello, a cidadã portuguesa não poderá ser processada pelo crime de “roubo de uso”, por falta de atendimento ao requisito da dupla tipicidade. A Suíça terá de assumir formalmente o compromisso diplomático de comutar (substituir) eventual pena de prisão perpétua aplicada à extraditanda em pena não superior a 30 anos.
Segundo o relator, Telma Garcia não é beneficiária do Estatuto da Igualdade, uma convenção de direito internacional pública, celebrada entre Brasil e Portugal, que estabelece um círculo de imunidade à extradição em favor dos portugueses domiciliados no Brasil beneficiários da igualdade de direitos civis e políticos. De acordo com essa convenção, só é permitida a extradição de um cidadão português, beneficiário da igualdade, para Portugal. O decano do STF afirmou que quando um terceiro Estado requer ao Brasil a extradição de um cidadão português, é imprescindível que o STF verifique, a partir de informações fornecidas pelo Ministério da Justiça, se o extraditando é beneficiário ou não do Estatuto da Igualdade.
De acordo com os autos, casada com um cidadão suíço, Telma não teria aceitado o pedido de divórcio e, em conluio com um comparsa brasileiro armado de uma escopeta, teria drogado o marido para submetê-lo a uma série de atos violentos. Ele conseguiu fugir do apartamento onde moravam, mas foi apunhalado nesse momento. Telma e o comparsa são acusados de fugir do local no carro do suíço, que teria sido abandonado no estacionamento de um restaurante do Cantão de Fribourg. Os fatos ocorreram em abril do ano passado.
Em seu voto, o ministro Celso de Mello ressaltou que, ao contrário dos crimes de homicídio ou assassinato e sequestro, o crime de “roubo de uso” (que a doutrina e jurisprudência pátrias denominam “furto de uso”) não encontra correspondência típica no direito penal brasileiro (dupla tipicidade). “O furto de uso não se reveste de qualificação jurídico-penal quando caracterizada a ausência do animus furandi [intenção de furtar], tal como ocorre naquelas situações em que se registra a subtração da coisa para um uso momentâneo”, afirmou o decano do STF. De acordo com os autos, ficou demonstrado que a coisa móvel em questão (o carro utilizado na fuga) era também de Telma Garcia, por ser casada com a vítima. Além disso, não houve subtração do veículo, que foi utilizado por curto período, sendo depois disso restituído ao proprietário.
Relator da extradição, o ministro Celso de Mello observou mais duas circunstâncias que merecem destaque no processo: o fato de a prisão ter sido decretada pelo Ministério Público e a concordância da extraditanda com o pedido de extradição. Segundo o ministro, de acordo com a legislação suíça, o Ministério Público detém competência para decretar prisões e o artigo 80 do Estatuto do Estrangeiro estabelece que “o pedido de extradição seja instruído com a cópia autêntica ou a certidão da sentença condenatória ou decisão penal proferida por juiz ou autoridade competente”. Quanto ao fato de Telma concordar com a extradição, o ministro Celso de Mello afirmou que essa circunstância é juridicamente irrelevante, tendo em vista que “não exonera o STF do dever de efetuar o rígido controle de legalidade sobre a postulação formulada pelo Estado-requerente”. A decisão foi unânime.