REL. DES. MESSOD AZULAY NETO -
Penal. Contrabando. Máquinas eletrônicas programáveis. Apelação criminal do ministério público federal. Materialidade comprovada através de perícia direta. Autoria e dolo comprovados. Sentença absolutória reformada, para condenar o apelado. Dosimetria efetuada. Vencido, parcialmente, o relator, quanto à dosimetria da pena. Apelação conhecida e provida. 1. Trata-se de apelação interposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL contra a sentença prolatada pelo MM. Juízo da 2ª Vara Federal de Niterói/RJ, que absolveu VALDEMAR ALVES RODRIGUES da prática do crime previsto no art. 334, § 1º, 'c' e 'd', do Código Penal, com fulcro no art. 386, VII, do Código de Processo Penal. 2. O apelante afirma que existem provas suficientes da materialidade delitiva, consubstanciadas no Auto de Infração e Termo de Apreensão e Guarda Fiscal, lavrado pela Receita Federal, relacionado à apreensão das MEP's no referido estabelecimento comercial, bem como em parecer da ABINEE juntado aos autos. Alega que é desnecessária a "perícia de origem" para a comprovação da materialidade. Por fim, aduz que o réu responde a duas outras ações penais por fatos análogos, razão pela qual não se pode sustentar que não tivesse conhecimento da verdadeira origem das máquinas apreendidas, estando presente o dolo. 3. A materialidade está demonstrada. O Auto de Infração e Termo de Apreensão e Guarda Fiscal, lavrado pela Receita Federal, não é hábil a comprovar a materialidade. É que tal documento é de redação genérica, padronizada, não tratando de forma minuciosa e específica dos fatos narrados na denúncia, atinentes à apreensão de máquinas eletrônicas programáveis no estabelecimento comercial de propriedade do ora apelado. O ofício da ABINEE é desprovido de qualquer valor probatório. É que a informação de uma associação privada de que não consta no seu cadastro atualmente fabricante nacional dos equipamentos que integram as máquinas eletrônicas programáveis, não é suficiente para demonstrar a materialidade do delito, uma vez que a filiação de empresas fabricantes de equipamentos eletrônicos à ABINEE não é obrigatória e nada impede que existam empresas no Brasil não filiadas que produzam tais componentes. Porém, houve perícia direta realizada pelo Núcleo de Criminalística - NUCRIM - da Polícia Federal em 1 (uma) das 6 (seis) máquinas eletrônicas programáveis (MEP) apreendidas no estabelecimento comercial de propriedade do ora apelado em novembro de 2008, constatando-se que o Comparador de Notas apresenta a inscrição "Made in Taiwan" e a placa-mãe apresenta a inscrição "Made in China", razão pela qual a procedência estrangeira das peças restou comprovada. 4. A importação de componentes eletrônicos para montagem de Máquinas Eletrônicas Programáveis - MEP's é proibida, de acordo com a Instrução Normativa SRF nº 309/2003, que prevê que a pena de perdimento será aplicada "às partes, peças e acessórios importados, quando, no curso do despacho aduaneiro ou em procedimento fiscal posterior, ficar comprovada sua destinação ou utilização na montagem das referidas máquinas". Observo que o tipo penal do delito de contrabando é norma penal em branco heterogênea, dependente de atos da Administração Pública que determinem, no caso do art. 334, § 1º, 'c', do Código Penal, quais produtos e mercadorias não podem ser importados, de forma que o descumprimento de tais determinações implicará na introdução clandestina dos equipamentos em território nacional, fazendo com que o autor incorra nas sanções do mencionado dispositivo. E, na hipótese dos autos, os tipos incidentes, em tese, são os do art. 334, § 1º, 'c' e 'd' do Código Penal, com redação anterior à da Lei nº 13.008/2014. 5. A autoria também está comprovada. O próprio apelado, em seu interrogatório judicial, afirmou ser o proprietário do BADU BAR E MERCEARIA LTDA., local onde operavam as máquinas eletrônicas programáveis em novembro de 2008. Outrossim, as testemunhas Delcimar Machado de Souza, José Antônio de Andrade e Waldelir Buriche Coutinho, quando ouvidas pelo Juízo a quo, disseram que o apelado é o proprietário e responsável pelo estabelecimento comercial no qual ocorreu a apreensão das máquinas caça-níquel. 6. O dolo está comprovado. O apelante afirma que o apelado responde a dois outros feitos criminais por fatos análogos, nos quais também houve apreensão de MEP's em seu estabelecimento comercial, a Ação Penal nº 2009.51.02.002615-9 e a Ação Penal nº 2010.51.02.003418-3. Por tal razão, não seria razoável supor que o apelado não tivesse conhecimento da verdadeira origem das máquinas apreendidas. A Ação Penal nº 2010.51.02.003418-3, em tramitação na 4ª Vara Federal de Niterói, diz respeito à apreensão de 4 (quatro) máquinas eletrônicas programáveis no estabelecimento comercial de propriedade do apelado no dia 17/4/2008. Posteriormente, em novembro de 2008, houve nova apreensão de 6 (seis) MEP's no mesmo local, originando esta ação penal. Por fim, a Ação Penal nº 2009.51.02.002615-9, distribuída para a 3ª Vara Federal de Niterói, guarda relação com a apreensão de 5 (cinco) máquinas eletrônicas programáveis no bar do apelado em 7/7/2009, de acordo com informações extraídas do Sistema APOLO de Acompanhamento Processual. O terceiro processo não pode ser considerado para fins de suposta comprovação do dolo no presente feito, eis que os fatos narrados ocorreram em 7/7/2009, ou seja, em data posterior aos relativos a esta ação penal, que se passaram em novembro de 2008. Não obstante, quanto ao primeiro processo, autuado sob o número 2010.51.02.003418-3, houve apreensão de máquinas eletronicamente programáveis no bar de propriedade do apelado em 17/4/2008, data anterior à dos fatos narrados nesta ação penal. Assim, o apelado já tinha, em novembro de 2008, condições de saber que poderia estar cometendo o crime de contrabando ao praticar a conduta que lhe fora imputada, o que afasta as alegações de suposta presença de erro de tipo e de ausência de dolo na hipótese dos autos. 7. Sentença absolutória prolatada pelo Juiz de Primeira Instância reformada, para a condenação do ora apelado pela prática do crime de contrabando. 8. Circunstâncias judiciais favoráveis ao apelado. Anotações na FAC que não tenham se convertido em sentenças condenatórias definitivas não podem ser consideradas como maus antecedentes para justificar a majoração da pena-base, conforme decidido pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal nos autos do RE 591054/SC, com repercussão geral. Pena-base fixada no mínimo legal. Ausentes atenuantes, agravantes, causas de diminuição e de aumento de pena, pena definitiva fixada em 1 (um) ano de reclusão. Regime inicial aberto. Substituição da pena privativa de liberdade por uma restritiva de direito, com igual duração daquela, a ser fixada pelo juízo da execução. Não estão presentes os pressupostos que autorizam nesse momento a decretação de prisão cautelar. Condenação do apelado em custas processuais. Valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração não fixado, pois não houve prejuízo material causado a terceiros. 9. Vencido, parcialmente, o Relator, quanto à dosimetria da pena, por ter valorado negativamente a conduta social do apelado, e, por tal razão, fixado a pena-base em 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de reclusão, que se tornou definitiva em virtude da ausência de atenuantes, agravantes, causas de diminuição e de aumento de pena., bem como por ter substituído a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direito. 10. Apelação conhecida e provida.
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