Por maioria dos votos, o Supremo Tribunal Federal (STF) negou provimento ao Recurso Extraordinário (RE) 419528, interposto pelo Ministério Público Federal (MPF), no qual se pleiteava que o processo e o julgamento de crimes entre silvícolas fossem julgados pela Justiça Federal. A partir de agora, crimes comuns cometidos entre índios serão julgados pela Justiça comum.
Esse recurso foi interposto pelo MPF contra decisão em conflito negativo de competência entre a Justiça Estadual e a Justiça Federal. O Supremo manteve o entendimento do acórdão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), segundo o qual as ações penais fundadas em crimes praticados entre silvícolas, mesmo no interior de reserva indígena, serão de competência da Justiça Estadual. Os delitos praticados por índios também são alcançados pela decisão de hoje do STF.
No caso sob análise, a Polícia Civil do Estado do Paraná instaurou inquérito para investigar a prática dos crimes de ameaça, lesão corporal, constrangimento ilegal e/ou tentativa de homicídio atribuídos a três índios contra uma menina de 15 anos, também de origem indígena. Os crimes supostamente ocorreram no trajeto entre o Posto Indígena Queimadas, onde morava a índia e sua família, e Ortigueira, município no interior do Estado.
Após interrogar os envolvidos no caso, o Ministério Público Estadual paranaense requereu, ao alegar que o prazo para oferecer denúncia já havia vencido, a extinção da punibilidade dos acusados nos crimes de ameaça e lesões corporais leves à Justiça comum do Estado. O juiz da Comarca de Ortigueira decidiu a sentença conforme o pedido do Ministério Público e remeteu os autos para o Juizado Especial Criminal da Comarca do município para que fosse processado e julgado o delito de constrangimento penal.
Na audiência preliminar, o Ministério Público daquele Estado manifestou-se pela incompetência absoluta da Justiça Estadual, uma vez que os fatos teriam ocorrido dentro de reserva indígena e os envolvidos serem índios. O Juizado Especial Criminal da Comarca de Ortigueira adotou o pronunciamento do Ministério Público Estadual e remeteu os autos à Justiça Federal.
Entretanto, o juízo da Circunscrição Judiciária de Londrina (PR) se declarou incompetente para julgar a causa. Segundo o juiz que suscitou o presente conflito da competência, não seria competente para julgar o presente caso, uma vez que a causa tem como objeto jurídico a “vida, integridade física e/ou liberdade individual de uma vítima determinada”.
Diante do impasse nessa ação, a Justiça Federal instaurou o Conflito de Competência 35.073/PR no STJ. A 3ª Seção daquela Corte julgou que a competência para esta causa é da Justiça Estadual. Inconformado, o Ministério Público Federal interpôs o RE 419.528 para tentar reverter a decisão do STJ.
O voto do relator
O ministro-relator Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal, afirma que a competência dos juízes federais é para processar e julgar ”a disputa sobre direitos indígenas”, conforme o inciso XI, do artigo 109 da Constituição Federal. “O preceito é linear, estando voltado à proteção indígena. Nele não se contém restrição, limitando a competência da Justiça Federal aos conflitos de interesse no campo patrimonial”, destacou, no voto em que pedia a procedência do recurso extraordinário.
O voto divergente
Logo após a leitura do voto e do relatório de Marco Aurélio, o ministro Cezar Peluso abriu a divergência. Cezar Peluso, ao citar recente jurisprudência da Corte, considerou que os crimes praticados por e contra silvícolas isoladamente e que não configuram disputa sobre direitos indígenas devem ser julgados pela Justiça comum.
“O que se disputa não é a titularidade, mas a procedência ou não da acusação penal para efeito de, verificada a existência de um crime, a punição ou não ao seu autor”, afirmou o ministro, ao citar o julgamento, pela Corte, de um habeas corpus de uma ação penal motivada por um homicídio qualificado praticado por silvícolas.
Cinco ministros seguiram o entendimento da divergência aberta por Peluso: Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Carlos Ayres Britto, Sepúlveda Pertence e Ellen Gracie. Outros três ministros seguiram o entendimento do voto do relator: Cármen Lúcia, Eros Grau e Joaquim Barbosa.
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