ACR – 10460/CE – 2009.81.00.003909-2 [0003909-09.2009.4.05.8100]

RELATOR : DESEMBARGADOR FEDERAL IVAN LIRA DE CARVALHO -

Penal e processual penal. Introdução de mercadorias de procedência Estrangeira em território nacional desacompanhada da documentação legal. Descaminho. Art. 334, § 1º, "c", e § 3º, do código penal. Corrupção ativa. Art. 333, Parágrafo único, cp. Corrupção passiva. Art. 317, § 1º, cp. Facilitação do descaminho. Art. 318, cp. Quadrilha. Art. 288, cp. Preliminar de incompetência do juízo. Principal Foco das atividades. Situação já objeto de exceção contra cujo julgamento, pela Improcedêcia, não houve insurgências. Preclusão. Interceptações telefônicas. Autorização e prorrogações em decisões fundamentadas. Complexidade. Princípios Da ampla defesa e do contraditório. Atendimento. Livre acesso às peças. Degravação. Perícia técnica. Desnecessidade. Observância aos requisitos da lei nº 9.296/1996. Alterações do art. 318 do código penal. Lei nº 10.763/2003. Constitucionalidade. Princípio da insignificância. Inaplicabilidade quanto ao crime de descaminho. Contumácia no agir. Elevado valor das mercadorias introduzidas ilicitamente. Conjunto probatório apto a comprovar materialidade e autoria delitivas. Dosimetria da pena. Pena-base. Critérios objetivos a partir das circunstâncias Judiciais favoráveis, desfavoráveis e neutras. Atenuante do art. 65, i, do código Penal. Idade inferior a 21 (vinte e um) anos quando da consumação das atividades Ilícitas. Reconhecimento. Facilitar o descaminho como causa de aumento para o Crime de corrupção passiva. Bis in idem por se confundir com a elementar do tipo do Art. 318, cp. Pena de multa. Proporcionalidade à pena privativa de liberdade. Crime de Quadrilha. Esquema delitivo com estruturação voltada para a prática criminosa. Conciência e vontade. Duração e permanência. Apelação do ministério público Provida. Apelação de daniel borchert braga desprovida. Parcial provimento das Demais apelações da defesa. I. Noticia a denúncia a existência de quadrilha especializada no contrabando e/ou descaminho de diversas mercadorias provenientes dos Estados Unidos, notadamente produtos eletrônicos e de informática, imputando-se como mentores da organização FRANCISCO MARCELO BRANDÃO JÚNIOR e DIEGO AGUIAR DE OLIVEIRA CORREIA, atuando o auditor fiscal ACEDEMIRO SILVA RODRIGUES para a liberação das mercadorias sem o recolhimento dos impostos devidos no Aeroporto Internacional de Belém/PA, mediante o pagamento de propina, e em que atuariam, ainda, DANIEL BORCHERT BRAGA, GILMÁRIO MOURA GADELHA PIRES e VICENTE BENÍCIO VASCONCELOS, que foram presos, no dia 23 de janeiro de 2007, introduzindo mercadorias procedentes dos Estados Unidos, sem o pagamento dos impostos devidos no Aeroporto Internacional de Belém/PA, contando com o auxílio para a liberação das mercadorias por eles conduzidas, mediante o recebimento de propina, do auditor fiscal Acedemiro Silva Rodrigues, e, também, com a participação de CARLOS EDUARDO PINHEIRO CORREIA, sócio de Francisco Marcelo Brandão Júnior na empresa Trust Fomento Empresarial, constituída para lavar o dinheiro obtido com as atividade de descaminho e/ou contrabando, e em sua residência sendo encontrada grande quantidade de mercadoria de procedência estrangeira desacompanhada de documentação legal; GENÁRIO MOURA GADELHA PIRES, irmão de Gilmário, igualmente se encontrando em sua residência vasta quantidade de mercadoria estrangeira sem documentação legal; VICENTE HONÓRIO BEZERRA CORREIA e ISABELLE MARIE AGUIAR DE OLIVEIRA CORREIA, pais de Diego Aguiar de Oliveira Correia, residentes em Miami, nos Estados Unidos, que forneceriam hospedagem e apoio à organização. II. Denúncia julgada parcialmente procedente para absolver os réus do crime do art. 288 do Código Penal, condenandoos pelas demais práticas delitivas (arts. 334, § 1º, "c"; 333, parágrafo único; 317, § 1º; e 318, todos do Código Penal, às seguintes penas: a) Francisco Marcelo Brandão Júnior: - crime do art. 334, § 3º, do Código Penal - 4 (quatro) anos de reclusão; - crime do art. 333, parágrafo único, do Código Penal - 4 (quatro) anos e 8 (oito) meses de reclusão e 150 (cento e cinquenta) dias-multa, cada qual valorado em 1 (um) salário mínimo; - pena em definitivo fixada em 8 (oito) anos e 8 (oito) meses de reclusão, em regime de cumprimento inicialmente fechado, e 150 (cento e cinquenta) dias-multa, cada qual valorado em 1 (um) salário mínimo. b) Diego Aguiar de Oliveira Correia: - crime do art. 334, § 3º, do Código Penal - 3 (três) anos de reclusão; - crime do art. 333, parágrafo único, do Código Penal - 4 (quatro) anos de reclusão e 100 (cem) dias-multa, cada qual valorado em 1 (um) salário mínimo; - pena em definitivo fixada em 7 (sete) anos de reclusão, em regime de cumprimento inicialmente semiaberto, e 100 (cem) dias-multa, cada qual valorado em 1 (um) salário mínimo. c) Daniel Borchert Braga: - crime do art. 334, § 3º, do Código Penal - 3 (três) anos de reclusão, em regime de cumprimento inicialmente aberto, substituída por duas penas restritivas de direitos consistentes em prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas e em prestação pecuniária. d) Gilmário Moura Gadelha Pires: - crime do art. 334, § 3º, do Código Penal - 5 (cinco) anos de reclusão, em regime de cumprimento inicialmente semiaberto. e) Acedemiro Silva Rodrigues: - crime do art. 317, § 1º, do Código Penal - 5 (cinco) anos e 4 (quatro) meses de reclusão e de 100 (cem) dias-multa; - crime do art. 318 do Código Penal - 5 (cinco) anos de reclusão e 150 (cento e cinquenta) dias-multa; - pena em definitivo fixada em 10 (dez) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, em regime de cumprimento inicialmente fechado, e 250 (duzentos e cinquenta) dias-multa, cada qual valorado em 1 (um) salário mínimo; - como efeito da condenação, a teor do art. 92, I, "a" e "b", do Código Penal, a perda do cargo de auditor fiscal da Receita Federal. III. Insurge-se o Ministério Público contra a absolvição quanto ao crime de quadrilha, pretendendo a condenação. A defesa, em preliminar, aduzindo a incompetência do juízo; a nulidade das interceptações telefônicas, a violação aos princípios da ampla defesa e do contraditório e a necessidade de perícia técnica para sua degravação; a inconstitucionalidade da Lei nº 10.763/2003 e a aplicação do princípio da insignificância. No mérito, a ausência de provas da conduta delitiva, a desproporcionalidade da pena aplicada; pelo reconhecimento da atenuante do art. 65, I, do Código Penal e a não incidência da causa de aumento do parágrafo 3º do art. 334 do Código Penal. IV. A competência para o processo e julgamento do crime de contrabando ou descaminho se define pelo lugar da apreensão das mercadorias, ficando prevento o Juízo Federal territorialmente competente, conforme Súmula 151 do Superior Tribunal de Justiça, no caso concreto, com a apreensão quando do desembarque no Aeroporto Internacional Pinto Martins, em Fortaleza/CE, a Seção Judiciária do Ceará. V. Oposta exceção de incompetência perante o juízo de a quo, foi a mesma julgada improcedente e, decorrido o prazo legal sem manifestação, por se tratar de competência relativa, operou-se a preclusão. VI. Havendo a investigação original assumido outra vertente, ao se constatar a existência de uma estruturada quadrilha atuante no contrabando de produtos eletrônicos. e em atendimento à requisição policial e ministerial, foi deferida a quebra do sigilo telefônico, de forma fundamentada, adotando-se idêntico procedimento nas prorrogações. VII. Não há que se falar em violação aos princípios da ampla defesa e do contraditório, em relação às interceptações telefônicas, quando noticiado nos autos que as gravações telefônicas estiveram à disposição das partes, inexiste nos autos qualquer pedido específico da parte suscitante da preliminar de acesso a elas e, por fim, aqueles que o pediram, quer na fase inquisitorial, quer na judicial, obtiveram o devido acesso às peças. VIII. A Lei nº 9.296/1996 não traz óbice à degravação pela autoridade policial, a ensejar a necessidade de perícia oficial para tal, quando cumpridos todos os requisitos ali estabelecidos. IX. A Lei nº 10.763/2003, que alterou a penalização ao crime do art. 318 do Código Penal, está em pleno vigor, não sendo observada nenhuma inconstitucionalidade, seja formal ou material, ou mesmo qualquer mácula ao princípio da proporcionalidade. X. A aplicação do princípio da insignificância ao crime de descaminho, consoante entendimento do Supremo Tribunal Federal (HC-96661/PR, rel. Min. Cármen Lúcia, j. 23.06.2009), é de ser analisada conforme suas peculiaridades em cada caso, mostrando-se, neste caderno processual, a apreensão de expressiva quantidade de produtos eletrônicos, de significativo valor, consoante laudo pericial mercadológico, e uma contumácia no agir. XI. O conjunto probatório coligido ao caderno processual se mostra robusto a comprovar toda a prática delitiva, seja a partir das interceptações telefônicas, dos depoimentos colhidos a partir das testemunhas, e dos próprios acusados, inclusive, e das mercadorias alienígenas apreendidas sem a devida documentação legal. Ademais, o édito condenatório, neste ponto, apresenta exaustiva fundamentação para as condutas delitivas apontadas na peça acusatória, transcrevendo os principais trechos das interceptações telefônicas onde se apresenta o agir ilícito noticiado na denúncia. X. Ponderadas, em desfavor dos réus, a motivação, as circunstâncias e as consequências do crime, mostra-se pertinente uma necessária exasperação da pena-base, cujos quanta fixados na sentença guardam proporcionalidade, para cada conduta, se tomado critério objetivo a exemplo do definido por Guilherme de Souza Nucci (Código Penal comentado, 11.ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 438/440). XI. A pena de multa deve guardar proporcionalidade à pena privativa de liberdade, mostrando-se as aplicadas na sentença em dissonância com tal conceito, ainda que observada uma necessidade de maior reprovabilidade. XII. Contando o réu Diego Aguiar de Oliveira Correia com idade inferior a 21 (vinte e um) anos à época dos fatos criminosos, aplicável ao caso concreto a atenuante do art. 65, I, do Código Penal, com o necessário reescalonamento das penas a ele aplicadas. XIII. Incidem, no caso concreto, as causas de aumento do parágrafo único do art. 333 e do parágrafo 3º do art. 334 do Código Penal, em vista da prática do crime de corrupção ativa com omissão de ato de ofício pelo auditor fiscal e do crime de descaminho através de transporte aéreo, respectivamente. XIV. A causa de aumento aplicada em relação ao crime de corrupção passiva, pelos fundamentos ali postos, confundese com a elementar do tipo do art. 318 do Código Penal (facilitar o descaminho), observando-se a ocorrência de bis in idem. XV. Apelação de Daniel Borchert Braga improvida. XVI. Apelação dos demais réus parcialmente provida para, reduzir a pena de multa em relação a Francisco Marcelo Brandão Júnior, Diego Aguiar de Oliveira, Gilmário Moura Gadelha Pires e Acedemiro Silva Rodrigues; reconhecer a aplicação da atenuante do art. 65, I, do Código Penal em relação a Diego Aguiar de Oliveira; e reconhecer a ocorrência de bis in idem ao se aplicar a causa de aumento em relação ao crime de corrupção passiva, pelos fundamentos ali postos, confunde-se com a elementar do tipo do art. 318 do Código Penal, no que diz respeito a Acedemiro Silva Rodrigues. XVII. A partir do narrado na peça acusatória, e convalidado no conjunto probatório, mostram-se presentes os requisitos para a configuração do crime de quadrilha, individualizando-se as atividades e atribuições de cada réu no esquema delituoso: Francisco Marcelo Brandão Júnior e Diego Aguiar de Oliveira seriam os mentores, cabendo a Daniel Borchert Braga, Vicente Benício Vasconcelos Júnior e Gilmário Moura Gadelha Pires, e ao próprio Diego Aguiar de Oliveira, a efetiva introdução das mercadorias de forma ilícita em território nacional; a Acedemiro Silva Rodrigues, na qualidade de auditor fiscal, facilitar a referida introdução através do Aeroporto Internacional de Belém/PA, com a liberação das mercadorias e indicação de eventuais dificuldades decorrente da ação de fiscalização; e a Vicente Honório Bezerra Correia e Isabelle Marie Aguiar de Oliveira Correia, pais de Diego Aguiar de Oliveira, abrigarem e darem suporte logístico às atividades em Miami, além de Carlos Eduardo Pinheiro Correia, sócio de Francisco Marcelo Brandão Júnior, que adquiria produtos em Miami para a comercialização em Fortaleza. XVIII. O caráter de durabilidade e permanência se faz presente a partir das interceptações telefônicas, como reconhecido na sentença, que tiveram início em setembro de 2006, quando já se tinha notícia das atividades ilícitas, perdurando o agir até a prisão em flagrante de Daniel Borchert Braga, Vicente Benício Vasconcelos Júnior e Gilmário Moura Gadelha Pires, em 23 de janeiro de 2007, ao desembarcarem no Aeroporto Internacional Pinto Martins, em Fortaleza/CE, com grande quantidade de mercadoria internalizada irregularmente no Aeroporto Internacional de Belém/PA, após facilitação pelo auditor fiscal Acedemiro Silva Rodrigues. XIX. Concluir-se diferentemente de uma estruturação voltada para a prática criminosa, bem como sua habitualidade, tendo em vista que outras ações se realizaram antes da exitosa ação policial, é contrariar todo o conjunto probatório colacionado aos autos, pelo que é de se acolher o apelo manejado pelo órgão ministerial para, reformando a sentença neste ponto, condenar os réus também pelo crime de quadrilha. XX. Apelação do órgão ministerial provida para condenar os réus pelo crime do art. 288 do Código Penal, fixando-se as seguintes penas: a) Francisco Marcelo Brandão Júnior - 2 (dois) anos de reclusão; b) Diego Aguiar de Oliveira Correia - 1 (um) ano e 8 (oito) meses de reclusão; c) Daniel Borchert Braga - 1 (um) ano de reclusão; d) Gilmário Moura Gadelha Pires - 1 (um) ano de reclusão; e) Acedemiro Silva Rodrigues - 1 (um) ano e 6 (seis) meses de reclusão. XXI. Fixadas, as final, as seguintes penas para as condutas objeto da persecução penal: a) Francisco Marcelo Brandão Júnior: - crime do art. 334, § 3º, do Código Penal - 4 (quatro) anos de reclusão; - crime do art. 333, parágrafo único, do Código Penal - 4 (quatro) anos e 8 (oito) meses de reclusão e 100 (cem) diasmulta, cada qual valorado em 1 (um) salário mínimo; - crime do art. 288 do Código Penal - 2 (dois) anos de reclusão; - pena em definitivo fixada em 10 (dez) anos e 8 (oito) meses de reclusão, em regime de cumprimento inicialmente fechado, e 100 (cem) dias-multa, cada qual valorado em 1 (um) salário mínimo. b) Diego Aguiar de Oliveira Correia: - crime do art. 334, § 3º, do Código Penal - 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão; - crime do art. 333, parágrafo único, do Código Penal - 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de reclusão e 70 (setenta) diasmulta, cada qual valorado em 1 (um) salário mínimo; - crime do art. 288 do Código Penal - 1 (um) ano e 8 (oito) meses de reclusão; - pena em definitivo fixada em 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de reclusão, em regime de cumprimento inicialmente semiaberto, e 70 (setenta) dias-multa, cada qual valorado em 1 (um) salário mínimo. c) Daniel Borchert Braga: - crime do art. 334, § 3º, do Código Penal - 3 (três) anos de reclusão; - crime do art. 288 do Código Penal - 1 (um) ano de reclusão; - pena em definitivo fixada em 4 (quatro) anos de reclusão, em regime de cumprimento inicialmente aberto, e 70 (setenta) dias-multa, cada qual valorado em 1 (um) salário mínimo, substituída por duas penas restritivas de direitos consistentes em prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas e em prestação pecuniária. d) Gilmário Moura Gadelha Pires: - crime do art. 334, § 3º, do Código Penal - 4 (quatro) anos de reclusão; - crime do art. 288 do Código Penal - 1 (um) ano de reclusão; - pena em definitivo fixada em 5 (cinco) anos de reclusão, em regime de cumprimento inicialmente semiaberto. e) Acedemiro Silva Rodrigues: - crime do art. 317, § 1º, do Código Penal - 4 (quatro) anos reclusão e de 80 (oitenta) dias-multa; - crime do art. 318 do Código Penal - 5 (cinco) anos de reclusão e 120 (cento e vinte) dias-multa; - crime do art. 288 do Código Penal - 1 (um) ano e 6 (seis) meses de reclusão; - pena em definitivo fixada em 10 (dez) anos e 6 (seis) meses de reclusão, em regime de cumprimento inicialmente fechado, e 200 (duzentos) dias-multa, cada qual valorado em 1 (um) salário mínimo, e, como efeito da condenação, a teor do art. 92, I, "a" e "b", do Código Penal, a perda do cargo de auditor fiscal da Receita Federal.  

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