RELATOR :MIN. LUIZ FUX -
Constitucional, penal e processual penal. Recurso ordinário em Habeas corpus. Homicídios triplamente qualificados - art. 121, § 2º, inc. I, iv e v (quatro vezes), c/c os arts. 29 e 69. Caso ceci cunha. Réu solto durante os treze Anos de trâmite da ação penal. Prisão preventiva decretada na sentença. Possibilidade: artigos 387, § 1º, e 492, i, e, do cpp. Garantia da ordem pública. Gravidade concreta dos crimes, periculosidade e propensão ao crime. Bases Empíricas idôneas. Excesso de prazo da instrução criminal. Tema não suscitado no Tribunal a quo. Supressão de instância. Saúde debilitada. Dever de assistência Médica do estado. 1. A prisão preventiva pode ser decretada na sentença condenatória, conforme previsto nos artigos 387, § 1º, e 492, inciso I, alínea e, do Código de Processo Penal, este último com a redação conferida pela Lei n. 11.689/2008, restando de somenos importância o fato de o réu ter permanecido solto durante a instrução criminal, máxime quando demonstrados, como in casu, elementos concretos que a justifique. 2. A gravidade in concreto do crime, revelada pelo modus operandi, e a propensão à reiteração delituosa constituem fundamentos idôneos à determinação da custódia cautelar para a garantia da ordem pública (HC 103.716, Relator Min. Luiz Fux, 1ª Turma, julgado em 2/8/2011; HC 104.699/SP, 1ª Turma, Relatora a Ministra Cármen Lúcia, DJe de 23.11.10; HC 103.107/MT, 1ª Turma, Relator o Ministro Dias Toffoli, DJe de 29.11.10; HC 101.717, Relator o Ministro Luiz Fux, 1ª Turma, DJe de 14/9/2011; HC 103.716, Relator o Ministro Luiz Fux, 1ª Turma, julgado em 2/8/2011). 3. O título condenatório superveniente justifica a prisão cautelar, mormente quando da dosimetria da pena o Magistrado destaca outros fatos que demonstram a periculosidade exacerbada do paciente, o desprezo pela vida humana e o egoísmo na busca de seus ideais, in verbis: "- […] o acusado e portador de personalidade talhada para o crime. Desprovido de sensibilidade e sem qualquer resquicio de respeito pelo ser humano; o acusado, segundo os depoimentos colhidos nos autos, sempre se referiu a pratica de homicidios com aberrante naturalidade […]. - […] Segundo depoimento prestado por Mauricio Guedes as fls. 43/51, o acusado mencionou sem qualquer pudor moral a intencao de matar outras pessoas, mostrando-se ainda indiferente a morte de seus companheiros de coligacao partidaria ao revelar que seu unico objetivo era assumir o mandato como Deputado Federal, independentemente do tipo de violencia necessaria a tal fim. - […] A personalidade predisposta a praticas criminosas se extrai do fato de o acusado estar determinado a eliminar qualquer um dos deputados eleitos por sua coligacao, exigindo a morte de todos os presentes na acao, mas tambem no fato de estimular o homicidio de pessoas cuja morte nao lhe interessaria. - […] deflui-se que sua personalidade egoistica e antietica impede que o acusado enxergue na vida humana valor superior a seus interesses pessoais mais elementares. Tal embotamento do senso moral torna o acusado pessoa capaz de praticas perversas tais quais aquelas que motivaram a presente acao penal, sem o minimo traco de remorso ou hesitacao. - […] Tambem ha nos autos a noticia de que o acusado teria ameacado matar qualquer de seus assessores cujo comportamento fosse considerado inadequado aos seus interesses. - […] Em relacao aos motivos, os elementos colhidos ao longo da instrucao indicam que a acao do acusado foi movida nao somente pelo desejo de garantir o exercicio do mandato de deputado federal inalcancado [por] meios legitimos, o que por si somente seria suficiente para configurar a torpeza do motivo, mas tambem de extrair do exercicio do cargo vantagens ilicitas, exigindo pagamento em dinheiro em troca de votos nas sessoes da Camara dos Deputados.” 4. In casu, por fatos ocorridos em 16/12/1998 (caso Ceci Cunha), o paciente, juntamente com outros corréus, foi condenado à pena de 103 (cento e três) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, em regime inicial fechado, pela prática do crime tipificado no art. 121, § 2º, incisos I e IV, (homicídio qualificado mediante paga ou promessa de recompensa ou outro motivo torpe, e mediante a traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa da vítima) e pelo crime previsto no art. 121, § 2º, incisos I, IV e V (homicídio qualificado mediante paga ou promessa de recompensa ou outro motivo torpe, e mediante a traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa da vítima e para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime), na forma dos artigos 29 e 69, todos do Código Penal. 5. A sentença condenatória, proferida em 19/01/2012, revela-se harmônica com a jurisprudência desta Corte no tópico da prisão preventiva para garantia da ordem publica ao assentar a periculosidade in concreto, o modus operandi do crime e a propensão delituosa como fatores idôneos e justificadores da medida extrema de cerceio ante tempus da liberdade, qual se infere facilmente dos seguintes trechos: “- […] ha hipoteses excepcionais, nas quais a violencia e gravidade dos crimes imputados aos reus geram tamanho clamor popular, que a manutencao dos condenados em liberdade poe em risco a ordem publica e recomendam a prisao, nos termos do artigo 312 do CPP, independentemente de primariedade ou bons antecedentes dos condenados. - Nao bastasse a violencia dos crimes e sua repercussao social a exigir a prisao como forma de garantir a ordem publica, a espera de mais de treze anos para o julgamento da Corte soberana e, por si so, suficiente para revestir de total ilegalidade a prisao dos condenados. [...] - Com efeito, em rumoroso caso de homicidio passional atribuido ao jornalista Pimenta Neves, o Supremo Tribunal Federal entendeu que o longo periodo decorrido entre o seu julgamento pelo Tribunal do Juri de Sao Paulo (cerca de onze anos), em razao da sucessiva interposicao de recursos por parte do reu, ainda que legitimos, imporia a imediata execucao da pena privativa de liberdade, independentemente do transito em julgado. - Situacao esta que muito se assemelha ao caso em perspectiva, porquanto na presente acao penal os reus lancaram mao de todos os recursos disponiveis, inclusive habeas corpus, levando suas irresignacoes as mesas de julgamento do STJ e STF, sem que ate o momento atual possa-se falar definitivamente da pronuncia. - Alias, aqui, o tempo que medeia entre o crime e a reuniao do Tribunal do Juri e ainda maior do que no citado precedente do STF, eis que ja se passaram treze anos dos fatos descritos na denuncia, sem que a sentenca de pronuncia haja transitado em julgado em razao do habil manejo dos recursos generosamente admitidos pela legislacao processual. - Essa similitude, inclusive, trouxe este caso aos debates que se seguiram ao voto do Ministro Celso de Melo (Relator do AI 7965677 AgR), quando o Ministro Gilmar Mendes citou expressamente o homicidio da Deputada Federal Ceci Cunha como hipotese excepcional em que deveria ser admitida a prisao dos reus, independentemente do transito em julgado da sentenca condenatoria. - As semelhancas entre os casos sao evidentes, sendo os fatos que embasam a presente demanda, inclusive, ainda mais graves. No caso ora utilizado como paradigma, o autor agiu so, deixando uma unica vitima; aqui, foram multiplos agentes e quatro foram os mortos, entre estes uma Deputada Federal, ao passo que no paradigma uma jovem foi assassinada em crime passional, aqui, exterminou-se uma familia com o objetivo de garantir a assuncao de poder politico. No paradigma, o uso dos recursos cabiveis gerou uma demora de cerca de dez anos, enquanto aqui mais de treze. - Assim, ao considerar, no caso paradigma, que a excessiva demora ocasionada pelo uso de meios processuais legitimos, associada a gravidade dos fatos levados a julgamento configuraram situacao extraordinaria o suficiente para excepcionar entendimento firme, sufragado pelo Plenario da Suprema Corte desde 2009, o STF claramente sinalizou no sentido de admitir a prisao preventiva dos autores da chacina que vitimou a Deputada Federal Ceci Cunha e seus familiares. - Em face do exposto, seguindo o entendimento adotado pelo Supremo Tribunal Federal nos autos do AI 7965677 AgR e utilizando os argumentos acima para todos os reus, tenho por bem decretar a prisao preventiva de JADIELSON BARBOSA DA SILVA; JOSE ALEXANDRE DOS SANTOS; ALECIO CEZAR ALVES VASCO; MENDONCA MEDEIROS E PEDRO TALVANE LUIS GAMA ALBUQUERQUE NETO.” 6. O tema atinente ao excesso de prazo da instrução criminal não passou pelo crivo do Tribunal a quo, por isso que sua análise neste writ traduz indevida supressão de instância. A análise da questão ex officio resta inviabilizada ante a necessidade da colheita de informações ao juízo processante e ao Tribunal Regional Federal da 5ª Região, a fim de verificar, com prudência, a responsabilidade pela mora processual. Demais disso, não é crível que a anormal tramitação do processo, por longos treze anos, se deva apenas às dificuldades materiais do Poder Judiciário, impondo-se sindicar a responsabilidade de tal excesso pelo cotejo das razões da impetração com as informações dos órgãos judicantes envolvidos diretamente; isso, diga-se de passagem, nas instâncias competentes, e não diretamente nesta Corte. 7. No que tange à questão de saúde debilitada do paciente, supõe-se que o Estado lhe preste, como a tantos em idêntica situação, a assistência médica de que necessita. 8. Recurso ordinário em habeas corpus conhecido em parte e, nessa extensão, desprovido.
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