REL. DES. PAULO FONTES -
Penal. Processo penal. Estelionato contra a previdência social: art. 171, § 3º do código penal. Materialidade. Autoria delitiva e dolo não comprovados. Recursos providos. 1. A irregularidade na concessão do benefício previdenciário ao corréu restou comprovada pelos documentos constantes no Apenso I a estes autos, de procedência do INSS - Instituto Nacional do Seguro Social (Processo Concessório NB 42/128.109.982-9), especialmente o Relatório do Grupo de Trabalho/APE - Assessoria de Pesquisas Estratégicas, fls. 88/90 e relatório conclusivo de fls. 182/184. 2. A existência do fato criminoso, todavia, não restou provada. Um primeiro elemento a ser considerado para se afastar a autoria delitivo no caso em tela reside no fato de que os corréus não se conheciam anteriormente à propositura desta ação penal. O corréu CLÁUDIO CÂMARA nunca se dirigiu à APS Ribeirão Preto/SP, tendo sempre tratado de sua aposentadoria com os procuradores, Ênio Calura e Rosana Mara, que lhe indicavam os documentos a serem apresentados à autarquia previdenciária. 3. O segundo elemento importante à descaracterizar a autoria delitiva neste caso reside na inexistência de percepção de vantagem econômica indevida por parte da corré MARIA IVONE. Em seu depoimento, corroborado pelo das demais testemunhas, alega que leva vida simples, compatível com sua renda de servidora pública aposentada. Ainda nesse quesito, colhe-se dos diversos depoimentos prestados nestes autos, assim como dos depoimentos das testemunhas ouvidas no processo administrativo (Apenso II destes autos), que nunca se soube nada desabonador a respeito da conduta da corré MARIA IVONE. 4. Quanto à concessão do benefício previdenciário para CLÁUDIO CÂMARA, é necessário verificar que, a despeito de concedido irregularmente, pairavam dúvidas pertinentes quanto a seu cabimento. Em primeiro lugar a questão do enquadramento da profissão de motorista como atividade especial. Também em razão da utilização da idade mínima para concessão de aposentadoria por tempo de contribuição, requisito posteriormente revogado pela IN INSS/PRES nº 20/2007. 5. Ainda quanto a esse quesito, afere-se dos diversos depoimentos prestados nestes autos, assim como dos depoimentos das testemunhas ouvidas no processo administrativo (Apenso II destes autos), que os servidores do INSS lotados na Agência de Previdência Social de Ribeirão Preto/SP apresentam grande dificuldade de compreensão da legislação previdenciária, matéria prima de seu munus público, o que inequivocamente afeta sua atuação profissional. 6. Indicou-se nos depoimentos o ambiente tumultuado e estressante em que a ré e os demais servidores do INSS exerciam sua função pública: balcão pouco separado do público externo; atendimento de muitas pessoas por dia; constantes reclamações e atendimentos frequentes ao telefone. Verificam-se dos diversos depoimentos colhidos no processo administrativo que haviam problemas no sistema informatizado em relação aos contribuintes individuais, ensejando alteração de cálculo de DIB (Data do Início do Benefício) e do próprio valor do benefício. 7. Seja em virtude do conturbado ambiente profissional em que se encontrava inserida, seja por desconhecimento da legislação previdenciária que lhe cabia interpretar e aplicar aos casos concretos que lhe eram dirigidos, é certo que MARIA IVONE concedeu ao corréu indevidamente aposentadoria por tempo de contribuição. Contudo, tal conduta não merece a sanção penal, devendo ser tratada somente nos âmbitos civil e disciplinar. Nestes termos, o quadro probatório constante dos autos impõe a necessidade de reforma da sentença, com a consequente absolvição dos reús, diante da constatação da inexistência de fato criminoso, nos moldes do art. 386, III, do Código de Processo Penal. 8. Apelações providas, para absolver ambos os réus, nos termos do art. 386, III, do Código de Processo Penal.
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