APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0003698-66.2006.4.03.6181/SP

REL. DES. HÉLIO NOGUEIRA -  

Penal. Apelação criminal. Crime de preconceito. Artigo 20, caput e § 2º, da lei 7.716/1989.- autoria e materialidade delitivas comprovadas. Pena fixada no mínimo legal. Recurso parcialmente provido. 1. Apelação da Acusação contra a sentença absolveu o réu da imputada prática do crime do artigo 20, "caput" c/c §2° da Lei 7.716/89, com fundamento no artigo 386, VII do Código de Processo Penal. 2. Da validade das provas produzidas na fase policial. A perícia foi realizada em estrita observância aos artigos 158 e 159 do Código de Processo Penal, pois, tratando-se de crime que deixa vestígios a prova técnica é indispensável. Os laudos foram subscritos por peritos criminais, profissionais habilitados a tal mister. O acusado sequer questionou qualquer irregularidade da prova técnica, ao longo da instrução. A perícia produzida na fase inquisitorial tem contraditório diferido, não havendo que se cogitar em unilateralidade da prova. No caso em análise, a defesa teve efetivo acesso à prova e pôde sobre ela manifestar-se, mantendo-se inerte. Não havia fundamentos para a repetição dos exames, pois, pretendesse o acusado qualquer esclarecimento técnico poderia formulá-los e servir-se igualmente de assistente técnico para analisar e rebater os laudos dos autos. Porém, nenhuma alegação trouxe a ilidir a prova produzida. Precedentes. 3. Não se pode olvidar, de outro vértice, que o julgador é o destinatário das provas, tendo o poder-dever de indeferir aquelas consideradas inúteis e procrastinatórias, em consonância com o princípio do livre convencimento motivado, de modo a prestar a tutela jurisdicional com a eficácia e celeridade necessárias na prestação jurisdicional (art. 5º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal). 4. Materialidade e autoria delitivas comprovadas. Foi apurado que, na comunidade virtual Orkut "mate um negro, ganhe um brinde", no fórum denominado "Qual o brinde?", inúmeros membros divulgam ideologia racista e nazista, dentre eles, foi publicada a resposta do ora acusado, que denota a prática e incitação à discriminação e ao preconceito de cor e raça. 5. Conforme informação do Orkut, Telefônica e do provedor da internet Terra, a mensagem que açula o preconceito teria sido publicada pelo usuário cujo ID, e-mail e endereço correspondem ao do acusado. Em razão das informações obtidas foi judicialmente deferida a busca na residência do acusado, apreendendo-se farto material de cunho racista. 6. Ainda que os laudos periciais não tenham indicado que referida mensagem tenha partido do computador do acusado, os ofícios do Google Inc, da Telefônica e da Terra Networks são claros em apontar que houve a divulgação da mensagem, oriunda do computador instalado no quarto do réu, o que denota a prática e incitação à discriminação e ao preconceito de cor e raça no dia 11/02/2006, de autoria do acusado. 7. A alegação do acusado de que alguns colegas de escola utilizavam seu computador para fazer trabalhos não se revela verossímil, além de não ter sido comprovada. O réu também não demonstrou que seu computador foi invadido por terceira pessoa (hacker) para usar seu perfil no Orkut, nos termos do art. 156 do CPP. 8. Exsurge cristalino, da prova produzida, estarem presentes todos os elementos típicos do art. 20, caput, da Lei nº 7.716/89, não restando dúvida que a mensagem postada pelo acusado incitou e induziu o preconceito contra afrodescendentes, por meio de instrumento poderoso de comunicação social - internet - , o que faz incidir o § 2º do mesmo dispositivo legal. 9. Nem se alegue que a conduta do réu estaria justificada em hipotética liberdade de expressão, já que tal direito individual, como todos os outros, não se afigura absoluto, havendo prevalência aqui do princípio da dignidade humana e da erradicação de qualquer marginalização, promovendo-se o bem comum sem preconceitos ou outra forma de descriminação (CF, art. 3º, II e III), sendo evidente que a liberdade de expressão não está a consagrar ou dar guarida, em nosso ordenamento, à incitação do racismo, tanto que a Carta Maior, espelhando o repúdio da sociedade a essa espécie de conduta, excepcionalmente, determina que tais condutas estejam gravadas pela cláusula de imprescritibilidade e inafiançabilidade (art. 5º, XLII da CF). 9. Pena-base fixada no mínimo legal, em razão da ausência de circunstâncias judiciais desfavoráveis (art. 59 do CP). 10. A pretensão acusatória de computar essas trocas de mensagens e compartilhamento de arquivos praticados posteriormente ao crime ora apurado, relativamente à conduta social e personalidade desabonadora, é de ser rechaçada, à luz da Súmula 444 do STJ e porque a avaliação das circunstâncias do artigo 59 do CP deve ocorrer prévia e/ou concomitantemente à conduta imputada. 11. O material relacionado ao nazismo foi apreendido em 26/04/2008, os registros de compartilhamento também são datados de 2008, ou seja, mais de dois anos após a divulgação da mensagem de cunho racista e preconceituosa apurada no presente feito e, nesse prisma, inadequados para o exame da conduta social e personalidade do réu à época do cometimento do delito da lei 7.716/89. 12. Diante da fixação da pena-base em seu mínimo legal, resta inviabilizado o cômputo da atenuante do artigo 65, I, do Código Penal, tendo em vista o disposto na Súmula nº 231 do STJ. 13. Apelação parcialmente provida. 

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