APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0015863-14.2007.4.03.6181/SP

REL. DES. HÉLIO NOGUEIRA -  

Penal. Processual penal. Apelação criminal. Crime contra o sistema financeiro nacional. Art. 16 da lei nº 7.492/86. Crime de formação de quadrilha. Preliminar: possibilidade de édito condenatório ainda que o ministério público pugne pela absolvição do réu. Suspensão condicional do processo: não preenchimento dos requisitos legais. Materialidade e autoria delitivas comprovadas. Crime do artigo 288 do código penal não configurado. Ausência de provas do vínculo associativo. Pena-base. Majoração. Circunstâncias do crime, valoração negativa. Pena pecuniária. Proporcionalidade com a pena corporal. Redução das penas de prestação pecuniária. Alteração de ofício do destinatário das penas. 1. Apelação interposta pela Defesa contra sentença que condenou os réus como incursos no artigo 16 da Lei 7.492/86 em concurso formal com o artigo 288 do Código Penal. 2. O juiz, consoante princípio do livre convencimento motivado ou persuasão racional e amparado no artigo 385 do CPP, está autorizado a proferir sentença condenatória ainda que o órgão acusatório tenha requerido a absolvição do réu, pautando-se no conjunto probatório coligido e mediante devida fundamentação. 3. Muito embora a pena mínima cominada pelo artigo 16 da Lei 7.492/86, seja igual a 1 (um) ano, os réus respondem ainda, em concurso formal, pela prática do delito descrito no artigo 288 do Código Penal, devendo ser considerada então a pena do primeiro crime, mais o acréscimo mínimo de 1/6 (um sexto) relativo ao concurso formal ultrapassando o limite estabelecido pelo artigo 89 da Lei 9.099/1995 para aplicação da suspensão condicional do processo. Assim, no momento do oferecimento da denúncia e da prolação da sentença, não cabia a proposta de suspensão condicional do processo, a teor da Súmula 243 do STJ. 4. Ademais, a suspensão do processo é pertinente antes do processamento do feito, porque visa justamente evitar levar adiante a persecução penal em juízo, desde que preenchidos os requisitos legais. Dessa forma, após todo o processado, inadequado requerer-se a suspensão do que já ocorreu, do que já se ultimou. Ainda que ocorra eventual modificação da imputação nesta sede recursal ou, ainda, absolvição de um dos crimes, resta inviabilizada a pretendida suspensão, ante a superação da fase apropriada. 5. Materialidade do crime do artigo 16 da lei 7.492/86 comprovada pelos documentos apreendidos na sede da empresa Ibirapuera Turismo quando da diligência policial, em especial pelos boletos de compra e venda de moeda estrangeira, caneta detectora de cédulas falsas, cartões de visita em nome de "Ibirapuera Câmbio Turismo Ltda", máquina de contagem de dinheiro, moeda nacional e estrangeira em grande quantidade, cheques de clientes. Consoante ofício do BACEN, a empresa Ibirapuera Turismo Ltda. iniciou suas atividades em 16/03/1992, mas esteve credenciada para operar no Mercado de Câmbio e de Taxas Flutuantes apenas no período de 09/11/1994 e 09/12/1994 e entre 01/03/1995 e 05/08/1997. Os próprios acusados confirmaram na fase policial que a empresa desenvolvia tal atividade sem autorização há 06 anos. 6. Autoria demonstrada. Ao contrário do sustentado pela defesa, o fato dos funcionários não terem poderes de gestão e administração na empresa não tem o condão de afastá-los da responsabilidade penal pelas infrações cometidas. Com efeito, todos os acusados tinham plena ciência da necessidade de autorização do Banco Central para efetuar transações de compra e venda de moeda estrangeira, sendo que a empresa em que trabalhavam atuava desprovida dessa autorização. 7. Denota-se, diante desse contexto, onde os acusados atuaram por longo período em empresa de pequeno porte, com exíguo quadro de funcionários, experientes na atividade que desenvolviam, que suas atuações extrapolam a simples função de operadores de câmbio. 8. Apesar de não possuírem poder de administração, aderiram, cônscios da situação de irregularidade que envolvia o negócio, à atividade ilícita ali desenvolvida, não lhes socorrendo a singela alegação de que eram apenas operadores de balcão, empregados do falecido corréu Plínio. 9. Não há que se falar em ausência de dolo em fraudar o Sistema Financeiro Nacional e por desconhecimento da ausência de autorização da empresa para realizar operações de câmbio, ocorrendo a excludente do erro de tipo (artigo 20, caput, do CP). Todos os acusados tinham ciência da necessidade da autorização do banco central para celebração de contratos de compra e venda de moeda estrangeira, bem como que a empresa em que trabalhavam não tinha essa autorização. Ademais, confirmaram nas fases policial e judicial que na maior parte das vezes não emitiam os boletos, e quando o faziam, emitam em nome da empresa Interpax. 10. Inaplicável ao caso a teoria do domínio do fato, ao argumento que os réus não detinham poder de decidir se e como seria executada a infração penal. Conforme demonstrado, os acusados, na qualidade de operadores de câmbio, atuaram juntamente com o corréu Plínio Cerri de modo a fazer operar irregularmente a instituição financeira. 11. O crime do artigo 16 da lei 7.492/86 é de natureza comum, podendo ser cometido por pessoas diversas daquelas relacionadas no artigo 25 da mesma Lei. 12. O crime de quadrilha ou bando, atualmente denominado associação criminosa, por sua natureza, é autônomo e se perfaz independentemente da prática dos crimes a que os agentes objetivam perpetrar a partir da união associativa, sendo prescindível a comprovação de que houve o cometimento de crimes por integrantes da associação. 13. Desnecessária a comprovação dos crimes que os integrantes da associação teriam praticado em unidade de desígnios e, ainda que o fim do grupo criminoso fosse a prática de crimes. 14. A sentença a quo fundamentou a condenação dos réus pelo crime do artigo 288 do Código Penal, sobretudo no período de tempo que os acusados trabalharam juntos, pela divisão de tarefas e organização dos agentes. Todavia, não é possível considerar tais elementos como prova do crime de quadrilha, pois não se pode concluir que os acusados se reuniram com o fim de cometer delitos. Embora os acusados tenham incorrido na prática do crime tipificado no art. 16 da Lei nº 7.492/86, não haviam se associado para o fim de cometer crimes. 15. Ademais, é imprescindível a prova do vínculo entre os indivíduos, o que não se dá com a simples reunião no ambiente de trabalho, sendo certo que a divisão de tarefas se dá pela própria estrutura da empresa. 16. No caso, não se comprovou a estabilidade e a permanência da associação dos corréus a ensejar a absolvição, nos termos do art. 386, inc. VII, do CPP. 17. Dosimetria da pena. É certo que o crime do artigo 16 da Lei 7.492/86 é considerado habitual impróprio, em que uma única ação tem relevância para configurar o crime. Sua reiteração, apesar de não configurar pluralidade de crimes, constitui circunstância que deve ser ponderada negativamente. Assim, sendo incontroverso que as condutas se estenderam por período superior a 6 anos, mostra-se justa e adequada a valoração negativa das circunstâncias do crime para majorar a pena-base. 18. O acusado Alexandre emprestou seu nome para figurar como sócio da empresa Interpax Turismo, empresa essa utilizada pela IBIRAPUERA TURISMO para dar aparência de legalidade nas operações de câmbio, de modo que é de se ponderar negativamente sua culpabilidade mais acentuada. 19. Para fixação da pena de multa deve ser observado o critério trifásico da dosimetria da pena e deve ser guardada proporcionalidade com a pena privativa de liberdade imposta. Precedentes 20. Apelações parcialmente provida. De ofício, reduzidas as penas de multa, de prestação pecuniária aplicada em substituição às penas privativas de liberdade e à destinação desta. 

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