APELAÇÃO CRIMINAL Nº 000153327.2010.4.04.7200/SC

RELATOR : DES. FEDERAL MARCELO CARDOZO DA SILVA -  

Penal. Magistratura. Publicidade dos julgamentos do poder Judiciário. Competência para processamento e julgamento De juiz federal aposentado compulsoriamente. Falsidade Documental sem imitação. Falsificação de assinaturas de Advogados em petições apresentadas em juízo. Perícia. Lesão Ao bem jurídico tutelado. Vetoriais do artigo 59 do código Penal. Violação de dever inerente à administração pública. Confissão qualificada. Prescrição retroativa em parte Reconhecida. Crime continuado. Perda do cargo de juiz Federal. 1. A publicidade e a transparência dos julgamentos do Poder Judiciário são a regra, tendo-se como exceção os casos em que se mostra necessária, de forma absolutamente imperiosa, a preservação do direito à intimidade ou o interesse social, nos termos previstos no artigo 5º, LX, da Constituição; tem-se como preponderante <i>prima facie</i> o interesse público à informação (artigo 93, IX, da Constituição), o que se faz ainda muito mais marcante nos processos penais, em que em público e em nome do público os feitos são ajuizados, processados e julgados. 2. A ação penal instaura-se com o recebimendo da denúncia. Com o recebimento da denúncia, a redistribuição do feito a outro Relator, que não o da investigação judicial, cumpre o disposto no artigo 200, então em vigor, do Regimento Interno do Tribunal do Tribunal Regional Federal da 4º Região, conforme interpretação conferida por sua 4ª Seção. 3. A aposentadoria de Magistrado transfere a competência para processamento e julgamento de eventual ilícito penal para o primeiro grau de jurisdição. Precedentes do Supremo Tribunal Federal. 4. Intimada a defesa da expedição da carta precatória, torna-se desnecessária a intimação da data da audiência no juízo deprecado (Súmula 273 do Superior Tribunal de Justiça). 5. A inexistência de pedido de acareação, formulado durante a instrução processual ou na fase do artigo 402 do Código de Processo Penal, inviabiliza a própria lógica da alegação de nulidade por indeferimento dessa espécie de prova: um pedido inexistente não tem como ser deferido ou indeferido. Inexistência de demonstração, por consequência, de quaisquer divergências entre as testemunhas que justificasse o acolhimento de um pedido de acareação. 6. Na hipótese da falsificação com imitação, é imprescindível que o objeto falsificado tenha características muito próximas das verdadeiras, pois que há um público considerável que, conhecendo as características verdadeiras do objeto, servir-se-ão das suas experiências para julgar e reconhecer sua inautenticidade. 7. A falsificação sem imitação se dá quando o falsário não necessita que sua atuação gere, como resultado, que o objeto falsificado se revista de qualidades próximas as do objeto verdadeiro. O objeto falsificado é de pouco conhecimento comunitário, não necessitando, por parte do falsário, esforço de imitação, pois que sua atuação dificilmente será descoberta, a não ser por uma pesquisa exaustiva de fontes. 8. A falsificação da assinatura de advogados em petições apresentadas em Juízo constitui hipótese de falsificação sem imitação. Presumem-se autênticas as assinaturas dos advogados, sendo absolutamente incomum, na esfera judicial processual, a conferência de suas autenticidades. 9. O Código de Processo Penal prevê que a perícia será realizada por perito oficial e de que, na falta deste, será realizada por duas pessoas idôneas (art. 159, <i>caput</i> e § 1º). A exigência de um segundo perito, quando não empregado perito oficial, dá-se com a finalidade de assegurar maiores condições de credibilidade ao trabalho pericial. Perícia realizada no âmbito pré-processual por perito com longa trajetória como perito oficial. Inexistência de concreta impugnação ao trabalho pericial realizado. Denunciado confesso em reconhecer que as petições descritas na denúncia não foram assinadas pelos advogados mencionados, o mesmo sendo dito pelos advogados que tiveram suas assinaturas falsificadas. Em casos de falsidade documental sem imitação, a perícia torna-se, do ponto de vista probatório, até mesmo desnecessária, pois que nenhuma análise mais profunda de caráter documentoscópico faz-se necessária. 10. As falsidades sem imitação perpetradas atingiram seus desideratos, com intensa lesão ao bem jurídico tutelado pelo artigo 304 do Código Penal. As petições inautênticas apresentadas nunca geraram qualquer desconfiança por parte dos diversos Juízes, Desembargadores, servidores, procuradores públicos que atuaram nos processos em que as falsidades foram empregadas, tendo-se como resultado o recebimento de valores, tudo a evidenciar o pleno êxito das falsidades empregadas. Afastamento da alegação de falsidade grosseira. 11. Quando o uso do documento falso é imputado ao próprio autor da falsificação, evidenciando-se, durante o <i>iter criminis </i>do delito-fim, uma mesma linha de desdobramento causal de lesão ao bem jurídico, não há concurso de crimes, devendo o uso de documento falso (crime-fim) absorver o crime-meio (falsificação de documento). 12. O conhecimento e a autorização de terceiro para a prática da falsificação e de seu uso é absolutamente desimportante em relação à incidência da norma penal incriminadora, que não está disposta para tutelar e proteger a relação de confiança havida entre o perpetrador da falsidade e aquele que com ela anui. Protege-se a fé pública, a confiança pública, e, no caso, a confiança e o acreditar do Poder Judiciário Federal e da parte adversa, que foram conspurcados por petições falsificadas em ações judiciais. Se entre o falsário e o anuente da fraude, ambos autores do delito na hipótese, se estabelece relações de exploração típicas do mundo das atividades criminosas, com um a exigir pagamentos do outro, isso também é irrelevante para o reconhecimento da incidência da norma penal incriminadora, que, aliás, incidiu anteriormente às próprias supostas relações de exploração posteriormente ocorridas. 13. Agiu o réu com inequívoco dolo, ainda mais sendo um Juiz Federal. É impossível a Juiz Federal que não soubesse que um ato personalíssimo, como uma assinatura, pudesse ser feito por outrem. O acusado, plenamente conhecedor de seus deveres e restrições constitucionais, fez uso das falsificações para advogar, infringindo frontalmente o artigo 95, parágrafo único, I, da Constituição. Ademais, o acusado exerceu atividade privativa da advocacia, infringindo também artigo 1º, I, da Lei 8.906/94. 14. A falsificação de assinaturas de advogados em petições apresentadas em Juízo constitui-se inequívoco <i>documento </i>para fins penais, pois que alterada a <i>verdade sobre fato juridicamente relevante</i>. Não havia advogado postulante, mas um Juiz Federal que postulava em Juízo mediante a falsificação das assinaturas de advogados. Não é possível conceber-se inexistir falsidades: todas as petições, se se tivesse sabido de suas falsidades, jamais gerariam os resultados obtidos, vale dizer, o processamento de duas ações judiciais por alguém sem absoluta autorização jurídica para postulação. Se tivessem sido descobertas, os processos seriam imediatamente extintos sem resolução de mérito. Porque as falsidades atingiram seus objetivos, alterando-se a verdade sobre fato juridicamente relevante, é que se fizeram tramitar, com êxito, perante o Poder Judiciário, processos em favor do próprio acusado. 15. Vetoriais <i>culpabilidade, motivos, circunstâncias e consequências do crime, </i>previstas no artigo 59 do Código Penal, reconhecidas como incidentes. 16. Mantida na íntegra a agravante consubstanciada no artigo 61, II, "g", do Código Penal, pois que as condutas foram praticadas com violação a dever inerente à Administração Pública. Ao denunciado fora aplicada pena de aponsentadoria compulsória precisamente porque as condutas objeto desta ação penal violaram deveres inerentes ao cargo de Magistrado. Decisões administrativas do Tribunal Regional Federal da 4ª Região e do Conselho da Justiça Federal, judicialmente confirmadas pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (MS 17.231/RS, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, CORTE ESPECIAL, julgado em 18/09/2013, DJe 26/09/2013). 17. Reconhecimento da atenuante consubstanciada na confissão, que, por ser amplamente qualificada, não incide na sua extensão máxima, pois que veio acoplada de múltiplas teses defensivas, que foram, após, longa e exaustivamente desenvolvidas por sua defesa técnica. 18. Declaração da extinção da punibilidade do réu em face do reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva, na forma retroativa, com relação aos fatos ocorridos anteriormente a 18.06.01, diante do trânsito em julgado para a acusação, com o consequente redimensionamento, de ofício, da majorante consubstanciada no crime continuado. 19. Perda do cargo de Juiz Federal. Efeito da condenação. Plena proporcionalidade e razoabilidade da aplicação do artigo 92, I, "a", do Código Penal. A atuação fraudulenta do Magistrado-acusado como advogado, clandestinamente exercendo a advocacia, mediante o emprego de crimes de uso de documento falso (artigo 304 do Código Penal), agride frontalmente seus deveres para com a Administração Pública. 20. A perda do cargo, definida na ação penal, atende ao disposto artigo 95, I, do Constituição, fazendo cessar por completo o vínculo ainda mantido pelo acusado, que se dá exclusivamente por estar a cumprir a pena administrativa de aposentadoria compulsória que lhe foi imposta, que, por lógico, restará prejudicada.  

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