Decano cita “Regras de Bangkok” em despacho que pede comprovação de que presa é lactante

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Celso de Mello abriu prazo de cinco dias para que o autor do Habeas Corpus (HC) 134734, impetrado em defesa de F.S.C., presa cautelarmente por tráfico de drogas, comprove que ela é lactante. Segundo informa o advogado na petição inicial, sua cliente foi transferida para a Penitenciária Feminina de Franco da Rocha (SP) para poder ficar em contato com o bebê e amamentá-lo.

Ao solicitar a comprovação das alegações do advogado, o ministro Celso de Mello ressalta que, caso a situação seja confirmada, esta “revelar-se-á apta a ensejar a aplicação, tais sejam as circunstâncias subjacentes ao caso em exame, do que prescreve o inciso V do artigo 318 do Código de Processo Penal (CPP), na redação que lhe deu a lei da primeira infância (Lei 13.257, de 08/03/2016)”.

O dispositivo do CPP determina que o juiz poderá “substituir a prisão preventiva pela domiciliar”, entre outras hipóteses taxativamente elencadas, no caso de mulher com filho de até 12 anos incompletos. Tal medida visa, conforme assinala o ministro Celso de Mello, dar “tratamento diferenciado à mulher presa que ostente, entre outras, a condição de grávida ou de nutriz (lactante)”. Ele acrescenta que essa norma legal “encontra raízes em importante documento internacional a que o Brasil se vinculou, política e juridicamente, no plano externo”, intitulado Regras de Bangkok.

“A Assembleia Geral das Nações Unidas, acolhendo recomendação do Conselho Econômico e Social, adotou regras para o tratamento de mulheres presas e a aplicação de medidas não privativas de liberdade para mulheres infratoras, as denominadas Regras de Bangkok, em cuja elaboração e votação teve ativa participação o Estado brasileiro”, assinala o ministro ao solicitar as informações.

Ele acrescenta que “o legislador nacional, ainda que de modo incompleto, buscou refletir no plano processual penal o espírito das Regras de Bangkok, fazendo-o mediante inovações introduzidas no Código de Processo Penal, especialmente em seus artigos 6º, 185, 304 e 318, e, também, na Lei de Execução Penal (artigos 14, parágrafo 3º, 83, parágrafo 2º, e 89)”.

Lembra que “a benignidade desse tratamento dispensado às prisões cautelares de mulheres” se justifica também “pela necessidade de conferir especial tutela à população infanto-juvenil, notadamente às crianças, em ordem a tornar efetivos os compromissos que o Brasil assumiu não só perante a sua própria ordem constitucional, mas, também, no plano internacional, ao subscrever a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança”.

De acordo com o ministro Celso de Mello, o STF, notadamente por meio da sua Segunda Turma, “tem concedido medidas cautelares ou deferido, até mesmo, ordens de ‘habeas corpus’ em favor de mulheres presas que sejam gestantes, lactantes, mães com filhos de até 12 (doze) anos incompletos ou, ainda, consideradas imprescindíveis aos cuidados especiais de pessoa menor de seis anos de idade ou com deficiência”.

Leia a íntegra da decisão do ministro Celso de Mello.

CNJ

Considerado o principal marco normativo mundial sobre o encarceramento feminino, as Regras de Bangkok tiveram sua versão oficial para o português lançada no último dia 8 de março, data em que se comemora o Dia Internacional da Mulher, pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Aprovado pelas Nações Unidas em 2010, o documento traz diretrizes para o tratamento de mulheres presas e medidas não privativas de liberdade para mulheres infratoras.

Na ocasião, o presidente do CNJ e do STF, ministro Ricardo Lewandowski, destacou que a publicação do documento é o primeiro passo para resgatar uma dívida histórica do país relativa à proteção desse grupo social. Ele observou que embora o governo brasileiro tenha participado ativamente das negociações para a elaboração e aprovação das Regras de Bangkok, elas seguiam pouco conhecidas no país.

Acesse aqui a versão das Regras de Bangkok em português.

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