APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0027093-89.2000.4.03.6119/SP

RELATOR: DES. VALDECI DOS SANTOS -  

Penal. Processual penal. Apelação criminal. Apropriação indébita previdenciária. Rejeitada a preliminar de nulidade da sentença por ausência de motivação. Materialidade e autoria comprovadas. Desnecessidade da comprovação do dolo específico. Dificuldades financeiras não caracterizam a excludente por inexigibilidade de condutada diversa. Condenação mantida. Dosimetria. 1. A sentença de primeiro grau foi devidamente motivada, com estrita observância do preceito insculpido no artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal, havendo, inclusive, expressa menção aos depoimentos das testemunhas, às alegações da Defesa, bem como aos documentos constantes dos autos. Ademais, é pacífico o entendimento em nossos Tribunais de que o Juiz não é obrigado a responder a todas as alegações formuladas pelas partes, quando apresentar motivação suficiente para fundamentar o julgado, não havendo que se falar em nulidade da sentença. 2. Materialidade comprovada por diversos documentos que instruíram o procedimento fiscalizatório. 3. Autoria demonstrada pelas declarações dos réus, em consonância com as declarações das testemunhas e os demais documentos dos autos. 4. Dolo configurado na vontade livre e consciente de deixar de repassar as contribuições. O tipo penal da apropriação indébita exige apenas o dolo genérico, e não o animus rem sibi habendi dos valores descontados e não repassados. A consumação do delito se dá com a mera ausência de recolhimento dessas contribuições. 5. Não comprovada a causa supralegal de exclusão de ilicitude caracterizadora da inexigibilidade de conduta diversa, uma vez que a defesa não conseguiu comprovar que as dificuldades financeiras vivenciadas pela empresa tenham sido diferentes daquelas comuns a qualquer atividade de risco. 6. Nos termos do artigo 68 do Código Penal, a pena base será fixada levando-se em conta a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social, a personalidade do agente, os motivos, as circunstâncias e consequências do crime, bem como o comportamento da vítima (art. 59, CP). 7. Relativamente à pena-base, não é possível agravar a pena com alusão ao desajuste na personalidade e na conduta social dos acusados se tal avaliação se funda nos registros de inquérito policial e ação penal em andamento, como é o caso dos autos, visto que tal juízo choca-se com o princípio da presunção de inocência. Nessa linha, a Súmula 444 do STJ: "É vedada a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena-base". 8. Sob outro prisma, tratando-se de apropriação indébita previdenciária, a consequência da conduta dos agentes é o dano expressivo causado à Previdência Social e, em última análise, à própria coletividade. 9. De fato, o artigo 194 da Constituição Federal prevê que "A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social", tendo por objetivos, entre outros, a universalidade da cobertura e do atendimento, bem como a seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços (art. 194, parágrafo único, I e II, CF). Todas essas previsões constitucionais são instrumentos para a realização dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, especialmente a construção de uma sociedade livre, justa e solidária; a redução das desigualdades sociais e regionais; e a promoção do bem de todos (art. 3º, I, III, IV, CF). 10. Nessa medida, tendo os acusados deixado de recolher à Previdência Social o montante total de R$1.598.635,79 (um milhão, quinhentos e noventa e oito mil, seiscentos e trinta e cinco reais e setenta e nove centavos), em valores atualizados em 2007, resta evidente que as consequências deletérias do delito atingiram a coletividade e contribuíram para frustrar o integral cumprimento dos preceitos contidos nos artigos 3º e 194 da Constituição Federal. 11. Reduzidas as penas-bases de ambos os acusados para 02 anos e 04 meses de reclusão e 11 dias-multa, considerando como desfavoráveis as consequências do delito. 12. Reduzido o patamar de majoração da pena, relativa à continuidade delitiva (artigo 71 do Código Pena), para ¼ (um quarto), uma vez que, em acórdão relatado pelo eminente Des. Fed. Nelton dos Santos, foi adotado o critério de aumento decorrente da continuidade delitiva segundo o número de parcelas não recolhidas. 13. As penas cominadas aos acusados resultam definitivas em 02 (dois) anos e 11 (onze) meses de reclusão, além de 13 dias-multa, em regime inicial semiaberto, conforme o disposto no artigo 33, §2º, "c", do Código Penal, vedada a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos. 14. As circunstâncias judiciais desfavoráveis obstam a substituição das reprimendas privativas de liberdade por restritivas de direitos, nos termos do artigo 44, incisos I e III, do Código Penal. 15. Preliminar rejeitada. Apelação a que se dá parcial provimento, para, mantendo a condenação dos acusados pelo crime previsto no artigo 168-A, § 1º, inciso I, c/c o art. 71, ambos do Código Penal, reduzir as penas bases, bem como o patamar de majoração pela continuidade delitiva para ¼ (um quarto), resultando definitivas as penas dos réus em 02 (dois) anos e 11 (onze) meses de reclusão, além de 13 dias-multa, em regime inicial semiaberto, vedada a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos. 

Para ler o documento na íntegra, clique aqui!

Comments are closed.