César Dario Mariano da Silva -
Desde o julgamento do denominado “Processo do Mensalão” aprofundam-se discussões acerca da tipificação do chamado “Caixa 2”.
De acordo com os artigos 20 e 21 da Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 2007, todos os recursos recebidos e aplicados na campanha eleitoral deverão ser contabilizados e declarados à justiça eleitoral, sendo de responsabilidade do candidato e da pessoa por ele indicada para fazer a contabilidade eventuais informações inverídicas ou omissões constantes da prestação de contas.
O Código Eleitoral, no artigo 350, dispõe sobre o crime de falsidade ideológica eleitoral. Diz a norma penal: “Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, para fins eleitorais: Pena - reclusão até cinco anos e pagamento de 5 a 15 dias-multa, se o documento é público, e reclusão até três anos e pagamento de 3 a 10 dias-multa se o documento é particular”.
Como não há norma penal incriminadora própria para a punição do “Caixa 2”, emprega-se o artigo 350 do Código Eleitoral, uma vez que as omissões e inserções falsas ou inexatas na prestação de contas da campanha eleitoral configuram crime de falsidade ideológica.
E se houver a criação de norma especial punindo o “Caixa 2”?
Toda norma penal incriminadora vige para o futuro e só pode retroagir para beneficiar o acusado. É o denominado princípio da irretroatividade da lei penal mais gravosa previsto no artigo 5º, inciso XL, da Constituição Federal, e no artigo 2º, parágrafo único, do Código Penal.
Esse novo tipo penal alcançará apenas os fatos posteriores à sua entrada em vigor. No entanto, se essa norma penal for mais benéfica, poderá retroagir para beneficiar aqueles que tiverem sido condenados ou estejam sendo processados ou investigados por delito previsto no artigo 350 do Código Eleitoral, que configure “Caixa 2”. Isso pode ocorrer se as penas forem mais amenas, por exemplo.
A vigência dessa norma não implica que os crimes anteriores serão esquecidos. Não ocorre a figura da “abolitio criminis” prevista no artigo 2º, “caput”, do Código Penal, uma vez que o artigo 350 do Código Eleitoral continua em vigor. Assim, os crimes processados ou que estejam sendo investigados com base nesse dispositivo continuarão a existir, sendo equivocado dizer que com a publicação de norma especial haverá o esquecimento do delito (anistia) ou a sua abolição (abolitio criminis).
Uma das maneiras de perdoar os autores de “Caixa 2” é por meio de anistia, que é uma forma de indulgência soberana e pressupõe lei do Congresso Nacional (art. 48, VIII, da CF). A anistia apaga o fato delituoso, mas o tipo penal permanece íntegro. Ela faz desaparecer os efeitos penais da condenação, voltando o favorecido à condição de primário. Porém, subsistem os efeitos civis, como o dever de reparar o dano e o perdimento de bens obtidos com o crime.
Portanto, mesmo sendo criada norma específica punindo a conduta de manutenção, movimentação ou utilização de qualquer recurso ou valor paralelamente à contabilidade exigida pela legislação eleitoral (Caixa 2), não sendo publicada lei anistiando os envolvidos, os crimes já cometidos não serão perdoados ou esquecidos.
Aliás, de manifesta inconstitucionalidade eventual anistia a delitos cometidos por parlamentares. A lei, que deve ser genérica e impessoal, não pode beneficiar os próprios parlamentares que a aprovaram, ferindo de morte os princípios da moralidade e da impessoalidade.