REVISÃO CRIMINAL Nº 0006787-64.2016.4.03.0000/SP

REL. DES. CECILIA MELLO -  

Revisão criminal. Inteligência dos artigos 621 e 626, do cpp. Da tipificação da conduta imputada ao autor - artigo 1°, i, do decreto-lei 201/1967. Da não configuração do alegado bis in idem conflito aparente de normas. Decreto-lei 201/67 e lei 8.666/93. Do delito do artigo 89, da lei 8.666/93 - comprovação do dano ao erário e do dolo específico consistente na intenção de causar dano ao erário. Dos documentos novos trazidos pelo autor na revisão criminal. Depoimento prestado por testemunha. Decisão do tribunal de contas do estado. Da dosimetria da pena.  I. As hipóteses em que se admite a revisão criminal estão previstas no artigo 621, do CPP - Código de Processo Penal. Para além das hipóteses do artigo 621, extrai-se do artigo 626, também do CPP, a possibilidade de revisão criminal quando demonstrada uma nulidade absoluta do processo criminal.  II. No caso concreto, a denúncia imputou ao autor duas condutas, aquela prevista no artigo 1°, I, do Decreto-Lei 201/67, e a conduta prevista no artigo 89, da Lei 8.666/93 - que revogou o artigo 1°, inciso XI, do Decreto-Lei 201/67 -, devendo-se frisar que o libelo acusatório não se limitou a descrever a dispensa da licitação (objeto do artigo 89, da Lei 8.666/93), tendo narrado, também, o desvio da verba pública (objeto do artigo 1°, I, do Decreto-Lei 201/67). Não prospera, portanto, a alegação deduzida na inicial, no sentido de que a denúncia não teria descrito a conduta prevista no artigo 1°, I, do Decreto-lei 201/67, mas sim a do artigo 1°, XI, do mesmo diploma. III. A legislação de regência só admite a revisão criminal quando a sentença condenatória é contrária à evidência dos autos (artigo 621, I, do CPP). É dizer, para que a decisão impugnada seja desconstituída por ser contrária à evidência dos autos, é preciso que referido decisum não encontre qualquer apoio na prova produzida no bojo do processo criminal em que proferido. O C. STJ tem reiteradamente decidido que "O acolhimento da pretensão revisional deve ser excepcional, cingindo-se às hipóteses em que a contradição à evidência dos autos seja manifesta, estreme de dúvidas, dispensando, pois, a interpretação ou análise subjetiva das provas produzidas", não sendo a revisão criminal a via processual adequada para se buscar a absolvição por insuficiência ou falta de provas, pois não se trata de um segundo recurso de apelação.  IV. No caso dos autos, não se vislumbra uma manifesta contradição entre a decisão impugnada e a evidência dos autos, especialmente no que se refere à prova do desvio de verbas públicas, a qual fundamentou a condenação do requerente na forma do artigo 1°, I, do Decreto-Lei 201/67. Pelo contrário. A decisão atacada está devidamente fundamentada, inclusive no que diz respeito ao "desvio de renda pública", indicando as provas residentes nos autos que amparam a sua conclusão. E o autor não demonstrou em que medida a decisão atacada contrariaria, de forma manifesta, a prova residente nos autos. Logo, não há como se vislumbrar que a decisão impugnada contrarie a evidência dos autos, motivo pelo qual não há como se acolher o pedido formulado pelo requerente para que a decisão revisanda seja desconstituída no que tange à sua condenação pela prática do delito previsto no artigo 1°, I, do Decreto-lei 201/67.  V. O requerente foi denunciado e condenado pela prática de duas condutas diferentes, quais sejam, (a) dispensa ilegal de licitação (artigo 89, da Lei 8.666/93) e (b) desvio de recursos públicos (artigo 1°, I, do DL 201/67), não procedendo a pretensão do autor para que a sua conduta seja tipificada no artigo 1°, XI do Decreto-lei 201/67 e não no seu inciso I. Logo, não há que se falar em bis in idem entre o artigo 89 da Lei 8.666/93 e o artigo 1°, inciso XI, do Decreto-Lei 201/67, tendo em vista que este último delito não foi imputado ao requerente.  VI. Analisando a questão referente ao conflito aparente de normas entre o artigo 89, da Lei 8.666/93, e o artigo 1°, XI, do Decreto-Lei 201/67, o C. STJ tem entendido que prevalece aquele. Portanto, não há que se falar em nulidade do julgado que condenou o requerente pela prática dos delitos previstos nos artigos 89, da Lei 8.666/93, e 1°, I, do DL 201/67, inexistindo o bis in idem alegado. VII. Para a configuração do delito do artigo 89, da Lei 8.666/93, é preciso o "dolo específico", entendido como a intenção de causar dano ao erário, e a efetiva ocorrência de prejuízo aos cofres públicos. Apesar de o acórdão embargado não ter feito menção à expressão "dolo específico", ele deixa claro que houve a intenção de causar dano ao erário, dano este consubstanciado no prejuízo aos cofres públicos, o qual corresponde ao desvio das verbas públicas em "favorecimento à empresa ISOCRET". Por conseguinte, não há que se falar em nulidade tampouco em contrariedade à evidência dos autos, no particular, eis que a decisão impugnada pelo requerente encontra-se devidamente fundamentada e amparada na prova processual, tendo evidenciado que houve a intenção de ("dolo específico") causar dano ao erário, dano este consubstanciado no prejuízo aos cofres públicos decorrente do favorecimento à empresa ISOCRET.  VIII. O autor alega, ainda, que os documentos novos por ele trazidos nesta Revisão Criminal autorizariam a desconstituição do julgado, na forma do artigo 621, III, do CPP.  IX. O autor impugna o depoimento prestado por uma das testemunhas, ao fundamento de que este teria faltado com a verdade, o que, em tese, autorizaria a revisão criminal, na forma do artigo 621, II, do CPP. Para que tal pretensão fosse acolhida, seria necessário que o autor demonstrasse (a) a falsidade do depoimento e (b) que essa prova falsa constitui o único ou principal fundamento da decisão impugnada. Considerando que o depoimento judicial que o autor alega ser falso não é o único nem o principal fundamento da decisão impugnada, mister se faz, de logo, reconhecer a improcedência do pedido, pois, ainda que tal depoimento fosse falso, não haveria como se desconstituir o julgado, eis que este se encontra fundamentado em outros elementos probatórios, os quais, por si só, são suficientes para manter o édito condenatório combatido. Além disso, verifico que o requerente não demonstrou a falsidade do depoimento prestando pela testemunha ouvida em juízo e que a documentação juntada nestes autos, ao contrário do quanto afirmado pelo autor, não infirma o depoimento prestado pelo testigo. Os documentos juntados na revisão criminal, por não trazerem nenhum elemento novo, são irrelevantes para o deslinde do feito, sendo certo que, até por isso, eles não são suficientes para evidenciar a inocência do autor.  X. Os documentos de fls. 569/593 ("decisão do TCE/SP - Tribunal de Contas do Estado de São Paulo aprovando as contas relativas ao ano de 2008 do Município de Altair/SP") também não são suficientes a comprovar a inocência do requerente. Primeiro, porque há independência entre as instâncias administrativa e penal, de modo que, ainda que o requerente tivesse sido absolvido naquela, haveria a possibilidade de condenação no plano penal. Além disso, as verbas debatidas no feito criminal sob análise eram de origem federal, de sorte que a prestação de contas respectiva é apreciada pelo TCU - Tribunal de Contas da União e pelo Ministério da Cultura - e não pelo TCE/SP, sendo de se frisar que o TCU rejeitou a justificativa apresentada pelo município quanto ao numerário sub judice. Destarte, referidos documentos, ao contrário do quanto afirmado pelo requerente, não provam a sua inocência, motivo pelo qual não procede o pedido de desconstituição do julgado, na forma do artigo 621, III, do CPP.  XI. A sentença de origem condenou o autor a 2 (dois) anos de reclusão e a 10 (dez) dias-multa, no valor mínimo legal, pelo delito do artigo 1º, I, do Decreto Lei n. 201/67 e, pelo delito do art. 89 da Lei n. 8.666/93, a 3 (três) anos e 9 (nove) meses de detenção e 30 (trinta) dias-multa, no valor mínimo legal. As penas foram unificadas, nos termos do art. 70 do Código Penal, sendo fixado o regime semiaberto de cumprimento de pena.  XII. A decisão revisanda revela-se manifestamente nula no que tange à dosimetria do delito do artigo 89, da Lei 8.666/93, tendo em vista que elementares do tipo penal foram valoradas negativamente como circunstâncias judiciais. A pena-base desse crime foi fixada em 3 anos e 9 meses de detenção, ao fundamento de que "o réu não apenas deixou de observar as formalidades impostas pela legislação para a inexigibilidade de licitação quanto inexigiu licitação fora das hipóteses previstas". Ocorre que a inobservância das formalidades legais quanto ao procedimento licitatório e a dispensa de licitação fora das hipóteses legais compõem elementares do delito telado, conforme se infere do artigo 89, da Lei 8.666/93. Logo, tais elementares não poderiam ser valoradas negativamente na primeira fase da dosimetria da pena, conforme se infere da jurisprudência do C. STJ. De rigor, portanto, a desconstituição da decisão impugnada apenas no que tange à dosimetria da pena do delito do artigo 89, da Lei n. 8.666/93, afastando as circunstâncias judiciais que nela foram negativamente valoradas, ficando a respectiva pena no mínimo legal, ou seja, 3 (três) anos de detenção e 10 (dez) dias-multa.  XIII. A decisão impugnada, ao fixar pena de multa, para o delito do artigo 1°, I, do Decreto-Lei 201/67, violou expressamente o artigo 1°, §1°, do referido diploma, o qual não prevê tal sanção. O artigo 1°, §1°, do Decreto-Lei 201/67, estabelece que "Os crimes definidos nêste artigo são de ação pública, punidos os dos itens I e II, com a pena de reclusão, de dois a doze anos, e os demais, com a pena de detenção, de três meses a três anos", não estabelecendo, portanto, qualquer pena de multa. Sendo assim, a decisão impugnada afigura-se manifestamente nula, no particular, impondo-se a sua revisão e consequente afastamento da pena de multa relativa ao delito do artigo 1°, I, do Decreto-Lei 201/67.  

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