RELATOR : DESEMBARGADOR MANOEL DE OLIVEIRA ERHARDT -
Penal e processual penal. Uso de documento falso, art. 304 do cpb. Falsificação de Documento público, art. 297 do cpb. Falsidade ideológica, art. 299 do cpb. Materialidade delitiva e autoria demonstradas. Elemento subjetivo configurado. Aplicação do princípio da consunção. Apelação parcialmente provida. 1. O argumento de nulidade da sentença condenatória por afronta aos arts. 59 e 68 do CPB não merece guarida. É que a fixação da pena-base observou devidamente o princípio da individualização da pena, porquanto na fundamentação construída a reprimenda legal foi devidamente particularizada. Do decisum condenatório exarado, observa-se que o juízo a quo, durante o processo trifásico de dosimetria da pena, perfilhou sobejamente as particularidades da ré e dos delitos perpetrados por esta, além de não prescindir dos meios de execução dos ilícitos, ao partir do mínimo legal previsto com a correta exasperação da pena. 2. Para realização do casamento com seu tio que se encontrava interditado, a ré utilizou um falso atestado médico, o qual concluía pela lucidez do tio, firmado por sua prima que era médica, e esta ratificou a fraude perpetrada por ela e pela ré, ao asseverar que emitiu o atestado mesmo sem possuir qualquer especialização em psiquiatria. 3. O depoimento, em juízo, do médico DIÓGENES MONTEIRO DA SILVA, que examinou o interdito, torna ainda mais evidente que este último sofria de demência e que não mais conseguia expressar sua vontade, o que ressalta ainda mais o caráter fraudulento das condutas perpetradas pela acusada. 4. A falsidade do segundo atestado médico, o qual também concluía pela lucidez do interdito, foi confirmada pelo médico VITOR HUGO LIMA BARRETO que teve seu nome subscrito, bem como pelo Laudo de Perícia Criminal. 5. A falsidade ideológica da procuração pública, a qual foi utilizada para realização do casamento também resta inconteste, é o que se observa dos interrogatórios das testemunhas arroladas nos autos. 6. não subsiste o argumento da ré de que os documentos são autênticos, tendo sido confirmada a falsidade do atestado médico particular, do atestado médico público, e da procuração pública, por ela utilizados no processo de habilitação para o casamento, perante a 3ª Vara de Sucessões e Registros Públicos da Capital, e perante a 7ª Vara Federal da Seção Judiciária de Pernambuco. 7. Entende-se pela possibilidade de aplicação do princípio da consunção, consoante a súmula no. 17 do STJ. 8. Inexistência de dúvida acerca do contexto complexo apurado neste caderno processual, de várias atividades ilícitas empreendidas pela acusada, no entanto, o que se verifica, dentro de um parâmetro de razoabilidade, é que os crimes empreendidos no processo de habilitação para o casamento, todos eles, o foram no intento de possibilitar a transferência do patrimônio do seu tio, após a morte deste, viabilizando a sucessão de suposto cônjuge sobrevivente, o que, de fato, foi intencionado perante a 3a. Vara de Sucessões e Registros Públicos da Capital, bem assim direcionados à percepção de duas pensões por morte em favor da acusada, uma junto ao INSS e outra junto ao Ministério da Agricultura. 9. Dentro dessa perspectiva, de que todos os delitos se voltaram à transferência do patrimônio do Senhor Ayres Silveira Souza e ao recebimento de duas pensões, tem-se por mais adequada a condenação da ré da seguinte forma (a) pelo cometimento do delito de uso de documento falso, art. 304 c/c art. 299 do CPB (crime-fim), o que absorveria os crimes meios de falsificação de documento e falsidade ideológica, isso no que diz respeito ao uso de documentos falsos (atestado médico ideologicamente falso, atestado médico materialmente falso e procuração pública ideologicamente falsa) perante a 3a. Vara de Sucessões e Registros Públicos da Capital, na instrução do alvará judicial no. 001.2007.057087-7; e (b) pelo cometimento do delito de estelionato majorado, art. 171, parág. 3o. do CPB (crime-fim), de forma continuada, o que também absorveria os delitos de falsum, já que utilizando-se igualmente de toda a documentação adulterada, obteve duas pensões, junto ao INSS e outra junto ao Ministério da Agricultura. 10. No que diz respeito à conduta de uso de documentos falsos perante a 7a. vara Federal da SJ/PE, na ação ordinária no. 0010450-40.2009.4.05.8300, intentada pela União, entende-se que representou pós fato impunível, mero exaurimento do delito principal intentado pela ré, de estelionato perpetrado frente o Ministério da Agricultura, já consumado. A conduta da acusada se direcionou claramente à manutenção da fraude já consumada. 11. DOSIMETRIA DA PENA. Acolhimento do apelo da defesa, porquanto alterada a condenação no voto de julgamento, bem assim porque excessiva foi a fixação das penas-base na primeira etapa do processo de dosimetria da pena. 12. As circunstâncias judiciais, quais sejam, os antecedentes criminais, a conduta social e a personalidade da agente, não poderiam ter sido valoradas negativamente, uma vez que o Magistrado de Primeiro Grau utilizou para fundamentá-las uma condenação que ainda não transitou em julgado, o que é defeso. 13. Consoante a Súmula 444 do STJ, ações penais em curso não podem ser utilizadas para agravar a pena-base, o que impede que os antecedentes criminais, a conduta social e a personalidade da agente sejam sopesados em desfavor da ré, razão pela qual se afasta a valoração negativa sobre essas circunstâncias judiciais; deve-se manter a fundamentação tecida na primeira fase da dosimetria da pena acerca da culpabilidade. 14. Tendo em vista que o delito capitulado no art. 304 c/c art. 299 do CPB, tem pena abstrata fixada entre 1 a 5 anos de reclusão, e multa, e que o delito capitulado no art. 171, parág. 3o., do CPB, tem pena abstrata fixada entre 1 a 5 anos de reclusão, e multa, reforma-se a sentença guerreada para reduzir as penas-base, e fixá-las da seguinte maneira: a) 1 ano e 6 meses de reclusão, pela prática dos delitos previstos nos art. 304 c/c art. 299, todos do CPB, acerca do uso de documentos falsos perante a 3a. Vara de Sucessões e Registro Público da Capital/PE, ante a aplicação da pena mais grave cabível, qual seja, aquela pertinente ao uso de falso documento público; e (b) 1 ano e 6 meses de reclusão pela prática dos delitos previstos nos art. 171, parág. 3o., c/c art. 71, todos do CPB, acerca da obtenção de fraudulenta de duas pensões por morte junto ao INSS e ao Ministério da Agricultura, em continuidade delitiva. 15. Ante a ausência de circunstâncias agravantes e atenuantes, ficam as penalidades no mesmo quantum na segunda fase de dosagem. 16. A pena pelo uso de documentos falsos perante a 3a. Vara de Sucessões e Registro Público da Capital/PE, torna-se definitiva no montante de 1 ano e 6 meses de reclusão. 17. No que concerne à obtenção fraudulenta de duas pensões por morte junto ao INSS e ao Ministério da Agricultura, passa-se para a terceira fase do processo trifásico de dosimetria. Em razão dos estelionatos terem sido praticados em detrimento de entidade de direito público, deve ser mantida a causa de aumento na razão de 1/3 (um terço) prevista no art. 171, parág. 3o., sobre a pena de 1 ano e 6 meses, o que repercute em uma penalidade de 2 anos de reclusão. Em seguida, em razão da continuidade delitiva, a teor do art. 71 do CPB, mantém-se o aumento da pena na razão de 1/4. Portanto, tem-se uma pena definitiva de 2 anos e 6 meses de reclusão. 18. Penas de multa que igualmente devem ser abrandadas, consoante a necessária proporcionalidade entre a pena privativa de liberdade e a referida reprimenda. Fixação da quantidade de dias multa, nos termos do art. 49 CPB, em: a) 30 dias-multa no que concerne à prática dos delitos previstos nos art. 304 c/c art. 299 do CPB, acerca do uso de documentos falsos perante a 3ª Vara de Sucessões e Registro Público da Capital/PE; e b) 45 dias-multa no que concerne à prática dos delitos previstos nos art. 171, parág. 3o., c/c art. 71, todos do CPB, acerca da obtenção de fraudulenta de duas pensões por morte junto ao INSS e ao Ministério da Agricultura, em continuidade delitiva. 19. Em face do concurso material, as penas de 1 ano e 6 meses de reclusão e de 2 anos e 6 meses de reclusão devem ser somadas, a teor do art. 69 do CPB, pelo que resulta em uma penalidade privativa de liberdade definitiva de 4 anos de reclusão. 20. Aplica-se o art. 44 do CPB, em razão de ter sido a pena fixada em 4 anos de reclusão, bem assim por serem favoráveis as condições pessoais da ré, pelo que substituo a pena privativa de liberdade de 4 anos de reclusão indicada por duas penas restritivas de direito, de prestação de serviços à comunidade ou entidade pública e prestação pecuniária, a serem fixadas pelo Juízo de Execução. 21. Dá-se parcial provimento à apelação da ré para reduzir a pena privativa de liberdade para 4 anos de reclusão, a ser cumprida inicialmente no regime semiaberto, art. 33, parág. 2o., b do CPB, substituída a pena privativa de liberdade por duas penas restritivas de direito, bem como reduzir a pena de multa imposta para o quantum de 75 dias-multa.
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