Rebeliões não estão relacionadas às más condições das cadeias ou superlotação

Márcio Sérgio Christino -

Admitindo que o Primeiro Comando da Capital (PCC) tomou corpo formal como estrutura no ano de 1993, concluiremos que no ano de 2000 já estava no controle quase total do sistema penitenciário. Já podia então fazer o Estado de refém. A afirmação é irrefutável em razão da megarrebelião.

A cronologia desse evento inédito no sistema carcerário brasileiro não foi casual, cresceu com a negação dada à existência organização que crescia na inversa proporção em que o Estado negava sua existência. A ação coordenada entre todos os presídios nunca tinha sido feita antes. Neste caso decorreu da transferência de várias lideranças (entre elas Idemir dos Santos Ambrósio, o Sombra, executado pelo próprio PCC) para o Presídio de Taubaté, o “Piranhão”.

Vários membros do PCC haviam sido desinternados e retornaram para a Casa de Detenção, a condição era que a situação permanecesse controlada em mais uma das tantas negociações envolvendo a facção. Não deu certo, assim como nenhuma deu ou dará. Os integrantes de outra facção, bem menor e menos organizada, a Seita Satânica, foram mortos logo em seguida e a Seita exterminada. Roída a corda, Idemir e outros foram novamente removidos para Taubaté. Jornais da época (Jornal da Tarde, extinto) noticiaram que antes de entrar no camburão Sombra gritava que iriam virar São Paulo. A ordem foi dada com o consentimento das lideranças do PCC e transmitidas para a central controlada por Suely Maria R. a “Mãezona”. A central avisou as demais e o estrago estava feito. Naquela época não se conhecia o uso das centrais telefônicas que só foram descobertas depois.

Dois fatores permitiram o crescimento para fora do Estado de São Paulo: o primeiro o fato de lideranças terem sido removidas para outros estados (detalhe, quem os recebia não sabia quem eram) e segundo que nenhum dos demais estados, à exceção do Rio de Janeiro com o Comando Vermelho e outras facções, tinha um grupo organizado que pudesse minimamente se comparar com o PCC. É possível comprovar a existência e atuação da facção em diversos estados onde seus membros estão envolvidos em tráfico de drogas, homicídios, fugas, etc. Este transbordo influenciou a disseminação de facções como a agora afamada Família do Norte (FDN), e outras mais que se espelharam no sucesso da facção paulista. A fixação no Paraguai veio depois e decorreu, provavelmente do fato de comprarem ali grande parte da droga que revendiam, acabando assim mantendo um contato próximo com os produtores. Seja como for, o Paraguai sempre foi frequentado por membros da facção desde o início das respectivas “carreiras” criminosas.

Fato é que a morte de Jorge Rafaad em 15 de julho de 2016 selou uma nova fase, a da internacionalização e do “Narcosul” em uma aliança com produtores da Bolívia e Colômbia. Sem dúvida o PCC transbordou nossas fronteiras. Dentro ainda do Brasil o único território não dominado é o Rio de Janeiro e suas facções. Este último território dificilmente permanecerá como uma ilha dentro do espaço, ou será dominado ou se submeterá ao controle do PCC que tem agora o domínio de todas as rotas de transporte da droga para o Rio de Janeiro. Primeiro será asfixiado e depois em uma transição exterminado ou desmantelado. Se houver enfrentamento, bem possível, será fácil de ver, sobrarão cadáveres e tiroteios nos jornais da TV.

As rebeliões que estamos vendo são puro reflexo deste embate. A barbárie que vemos está bem próxima das ações dos cartéis mexicanos em sua crueldade, lá penduram cadáveres em viadutos ou os dissolvem em ácido após uma tortura selvagem. Está é a características dos cartéis, a morte cruel pelo domínio, que não guarda absolutamente nenhuma conexão coma superpopulação carcerária. Este novo mantra, de que a superpopulação carcerária é a responsável pelas ações nos presídios, serve apenas como desculpa para o Estado em justificar o injustificável.

Se estivéssemos na Noruega com suas condições prisionais e o tráfico determinasse a morte de uma classe de traficantes eles seriam mortos, mesmo que dispusessem de suítes dignas de hotelaria. Mas é fácil culpar um fator terceiro. Derruba-se este argumento ainda com a simples constatação de que em nenhum destes massacres houve qualquer exigência de melhoria das condições carcerárias e que após a extinção do grupo rival tudo voltou à paz de antes. Isto sem falar na súbita compulsão em soltar os detentos, o raciocínio mais fácil é soltar a todos o mais rápido possível para que a ação do crime organizado deixe de ser manchete e incomodar a sociedade.

A questão que permanece é qual a atitude do Estado em relação a isto. Não vejo disposição, recursos ou vontade política, um enfrentamento deste porte exigiria uma atuação coordenada entre outros fatores, incluindo o sistema prisional, alteração de aspectos legislativos e política do Estado. O que se vê são ações pontuais bem-sucedidas, cortando tentáculos, os quais, infelizmente, se renovam, mas que não colocam em xeque a existência da organização que cresce dia a dia.

Caso se perceba acuado, ou melhor com suas lideranças acuadas, sobram-lhe dois caminhos: a) confrontar a sociedade; seguindo a mesma trilha dos ataques de 2006. As consequências são mais amplas e traz o indesejável efeito de colocar o Estado em cheque exigindo uma resposta igualmente cinematográfica. Por outro lado, em 2006 a administração pública cedeu e enviou emissários para dialogar com o líder da facção.  O resto da história é conhecido; b) confrontar o Estado; como já o fez antes ao executar o juiz Machado Dias em Presidente Prudente em março de 2003. Neste caso a ação ou ações se dirigiriam para autoridade públicas e também trariam intranquilidade social (mas não tanto) porém projetariam uma imagem de poder comparável ao Estado (estão caminhando para isto) e seria eficiente como mecanismo de pressão.

Lembro que Pablo Escobar usou sequestros seletivos para forçar uma negociação com o governo colombiano e as Farc fizeram disto um negócio. O sequestro do jornalista Portanova da Rede Globo criou o precedente. Mas nossas condições no Brasil não recomendariam porque a estrutura para manter cativeiros seria por demais dificultosa. Por outro lado, caso não se sinta ameaçada, a facção fará o que faz melhor: crescerá completando a metástase. Existe ainda uma outra possibilidade, mais nefasta, que é um acordo entre o crime organizado e o Estado. Tentação para ambos, menos para a sociedade. Não pode haver acordo com o crime organizado, por menos que não fosse, pela simples constatação de que ele nunca o respeitará. Assistiremos a tudo passivamente. Acontecerá conosco o que está acontecendo no norte do México. Uma terra sem lei, ou melhor, com a lei do mais forte, onde quem pode mais, chora menos.

 

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