ACR – 14068/RN – 0004270-86.2015.4.05.8400

RELATOR : DES.  MANOEL DE OLIVEIRA ERHARDT -

Penal e processual penal. Crimes dos arts. 241-a e 241-b da lei 8.069/90. Materialidade e Autoria comprovadas. Aplicação do princípio da consunção. Absorção do dleito do Art. 241-b da lei 8.069/90 pelo delito do art. 241-a do mesmo diploma. Substituição da Pena privativa de liberdade por duas penas restritivas de direito. Pena de multa que Merece reparos. Redução da quantidade de dias-multa fixada pelo cometimento do Delito do art. 241-a da lei 8.069/90. Apelação do réu parcialmente provida. 1. O Laudo de número 326/2015, relativo à análise efetuada em um notebook da marca DELL, apreendido em poder do apelante, registrou a existência de 21.180 arquivos de imagem e vídeo contendo imagem de pornografia ou cenas de sexo explícito envolvendo criança e adolescente, sendo que 16.711 arquivos estavam contidos em pastas vinculadas ao usuário do windows denominado "ELDER"; os peritos anotaram que foi encontrado o sistema Shareaza instalado no sistema analisado (...) software gratuito e de código fonte aberto para o compartilhamento e transmissão (download e upload) de arquivos na internet por meio de redes P2P (peer-to-peer); (...); Per-to-peer é uma arquitetura de redes de computadores onde cada um dos pontos ou nós da rede (peers) funciona tanto como cliente quanto como servidor central. (...); o perito identificou as palavras-chave utilizadas nas buscas realizadas no ambiente do Programa Shareaza pelo usuário windows "ELDER"; ressalte-se que a grande maioria dos termos guarda relação com a pornografia infanto-juvenil, revelando o tipo de conteúdo buscado e acessado pelo usuário windows ELDER no Programa Shareaza. 2. O laudo destaca que 1.068 arquivos de imagens e vídeos de programa infanto-juvenil eram disponibilizados na internet a partir do sistema analisado, sendo que 966 desses arquivos disponibilizados foram transmitidos do sistema analisado para outros usuários da internet. Ademais, o referido laudo registra que considerando que vários arquivos foram transmitidos mais de uma vez e somando a quantidade de uploads de cada arquivo transmitido, chega-se ao número total de 7.771 transmissões (uploads) de arquivos de imagem e vídeo pornográfico infanto-juvenil do sistema analisado para outros usuários da internet. 3. O exame dos elementos produzidos no inquisitivo, bem assim dos demais apurados em Juízo, devidamente destacados no decreto condenatório, revela que o apelante perperou o delito do art. 241-A da Lei 8.069/90, vez que compartilhou arquivos contendo pornografia de crianças e adolescentes pelo sistema Shareaza, o que possibilitou, tendo se efetivado em alguns casos, a obtenção de tais arquivos por quaisquer pessoas que também possuíssem dito sistema de compartilhamento. 4. No contexto do delito que ora se examina, não importa o número e identificação de pessoas que tiveram acesso aos arquivos com conteúdo pedófilo, fazendo download do mesmos; ainda que ninguém tivesse efetivado a transferência, o delito teria se consumado, pois se cuida de crime formal, que se contenta com a mera disponibilização da cena pornográfica ilícita na rede mundial de computadores. Desse modo, o só fato de permitir o réu que outros usuários do programa Shareaza tivessem acesso às imagens e vídeos de crianças ou adolescentes em cenas de sexo é suficiente à configuração do crime do art. 241-A. 5. Frente a quantidade de material com conteúdo de pornografia infanto-juvenil, com nomenclaturas bem próprias à prática ilícita, o que não daria para passar imperceptível ao acusado, armazenado pelo apelante e compartilhado na rede mundial de computadores, totalmente desarrazoado o argumento trazido no recurso de que o interesse exclusivo do réu, ao instalar o software Shareaza, era a pornografia entre adultos; e nem se diga que tal quantidade seria ínfima, diante do número de arquivos que o acusado teria por rotina baixar. 6. A incoerência do argumento se revela também quando do exame dos relatos do acusado, que desde o inquisitivo revelou o acesso e armazenamento de conteúdos de pornografia infanto-juvenil. Os próprios dados de pesquisa utilizados pelo apelante, quando do uso do sistema de donwload, revelam que seu interesse era propriamente voltado a imagens e vídeos com conteúdo pornográfico envolvendo crianças e adolescentes. 7. Mais ainda, o que se tem nos autos são relatos no sentido de que o réu tinha conhecimento técnico em informática, no seu interrogatório o réu confirma isso, inclusive menciona frequentar o Curso superior de Tecnologia em Redes de Computadores em universidade particular, o que demonstra a sua maior facilidade em compreender o programa de compartilhamento de arquivos que utilizava (Shareaza), especificamente no que diz respeito ao fato de que no momento de instalação é exibida uma janela referente ao compartilhamento de arquivos, na qual o usuário pode configurar as pastas que almeja compartilhar via rede P2P. 8. A materialidade do delito previsto no art. 241-A da Lei 8.069/90 está devidamente evidenciada nos autos, uma vez que restou demonstrado que o apelante disponibilizava e transmitia arquivos de conteúdo conhecidamente pornográfico infanto-juvenil, colocando-os disponíveis para download ou upload a qualquer usuário da internet, por meio do software shareaza. 9. Foi o delito do art. 241-B da Lei 8.069/90, referente ao armazenamento dos dados ilícitos, crime-meio ao cometimento do delito-fim de transmissão dos registros indevidos, art. 241-A do ECA. Entende-se pela aplicação do princípio da consunção, para concluir pela absorção do delito do art. 241-B, restando configurado, na hipótese, o delito do art. 241-A do ECA (oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, distribuir, publicar ou divulgar por qualquer meio, inclusive por meio de sistema de informática ou telemático, fotografia, vídeo ou outro registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente). 10. Circunstâncias judiciais aferidas, antecedentes, conduta social, personalidade do acusado, sobretudo a conduta social do réu, cujo registro é de que está em tratamento psicológico e fazendo estágio com jornada de 30 horas semanais, que autorizam a fixação da penalidade no mínimo legal previsto no preceito secundário do art. 241-A do ECA, de 3 anos de reclusão. 11. Na segunda fase da dosagem, em obediência à súmula 231 do STJ, no que diz que a incidência de circunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal, deixa-se de aplicar a atenuante prevista no art. 65, inciso III, d, do CPB. 12. Mantém-se o acréscimo de 1/3, procedido na decisão atacada em virtude de ter sido o delito perpetrado em continuidade delitiva, o que repercute em uma pena privativa de liberdade definitiva em desfavor do acusado de 4 anos de reclusão. 13. Reduzida a pena privativa de liberdade para o montante de 4 anos de reclusão, tem-se a possibilidade de substituição por penas restritivas de direito, o que se entende como adequado ao caso, vez que preenchidos os requisitos do art. 44 do CPB. 14. Conversão da pena privativa de liberdade do acusado em duas penas restritivas de direito, sendo uma de prestação de serviços à comunidade, a ser especificada pelo Juízo de Execução Penal, e a outra de prestação de cestas básicas, também a ser especificada pelo Juízo de Execuções Penal, com a determinação de que tais cestas sejam levadas pelo próprio acusado à justiça para encaminhamento à entidade porventura designada 15. Frente à pena privativa de liberdade aplicada pelo cometimento do delito do art. 241-A da Lei 8.069/90, tem-se por desarrazoada a quantidade de dias-multa estipulados, isso tendo em conta que os fatores considerados na fixação da quantidade de dias-multa devem guardar correspondência com os parâmetros observados quando da estipulação da pena privativa de liberdade, em obediência ao princípio da simetria. 16. Tendo em conta as anotações feitas neste julgamento, referentes à fixação da pena privativa de liberdade, fixo a penalidade de multa, no que toca ao delito do art. 241-A da Lei 8.069/90, em 60 dias multa. Mantenho o valor do dia multa em 1/30 do salário mínimo vigente à época do fato. 17. Apelação do acusado parcialmente provida, para, aplicando o princípio da consunção, entender pela absorção do delito do art. 241-B da Lei 8.069/90, procedendo a condenação do réu pela prática do delito do art. 241-A da Lei 8.069/90, à pena privativa de liberdade definitiva de 4 anos de reclusão, substituída por duas penas restritivas de direito, bem assim para reduzir a penalidade de multa aplicada para o montante de 60 dias-multa, cada dia no valor de 1/30 do salário mínimo vigente à época do fato. 

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