A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) iniciou o julgamento da Ação Penal (AP) 863, na qual o Ministério Público Federal (MPF) acusa o deputado federal Paulo Maluf (PP-SP) da suposta prática do crime de lavagem de dinheiro. Até o momento, votou o relator, ministro Edson Fachin, posicionando-se no sentido de condenar o parlamentar.
Segundo a denúncia do MPF, Paulo Maluf teria lavado dinheiro desviado de obras públicas e remetido ilegalmente ao exterior por meio de doleiros. O deputado teria participado de esquema de cobrança de propinas na Prefeitura de São Paulo, em 1997 e 1998, que continuou a contar com envolvimento direto dele nos anos seguintes.
Consta dos autos que a articulação criminosa permeou a construção da Avenida Água Espraiada, na zona sul de São Paulo, cuja contratada inicial para a realização das obras era da empresa Mendes Júnior, vencedora de licitação em 1987. Em 1995, já na administração do réu, foi realizado aditamento contratual a fim de inserir a participação da Construtora OAS. A obra foi concluída em 2000, com custo final de R$ 796 milhões, ou cerca de US$ 600 milhões. “Essa foi a fonte primordial dos recursos utilizados na lavagem (de dinheiro)”, afirmou a PGR.
Fatos delituosos
Nos autos, os fatos delituosos referentes à imputação de ocultação e dissimulação da origem de recursos ilícitos, bem como da movimentação e transferência desses valores a fim de ocultar e dissimular sua utilização, foram organizados em cinco partes. A primeira refere-se às circunstâncias ocorridas entre 1993 e 2002, em contas correntes localizadas na Suíça. A segunda diz respeito ao período de 1997 a 2001, em contas da Inglaterra.
O terceiro fato delituoso refere-se ao dia 8 de março de 2001, quando o acusado, como um dos diretores de empresa Durant Internacional Corporation, registrada nas Ilhas Virgens Britânicas, orientou e comandou a conversão de ativos ilícitos em ADRs da pessoa jurídica Eucatex S.A.
O quarto fato delituoso refere-se à ocorrência de imputações entre 1997 e 2006, por meio de 12 contas correntes na Ilha de Jersey, nas Ilhas Virgens Britânicas. Por fim, o quinto fato delituoso quanto ao período de 29 de julho de 1997 a 30 de julho de 1998, quando o acusado, na qualidade de representante e beneficiário da pessoa jurídica Kildare Financial, registrada nas Ilhas Virgens Britânicas, e de fundos de investimentos do Deutsche Bank International, converteu ativos ilícitos em debêntures conversíveis em ações da Eucatex.
Voto do relator
De início, o ministro Edson Fachin, rejeitou a questão preliminar alegada pela defesa de que o laudo técnico elaborado por perito oficial seria indispensável para a instrução do processo. Para ele, a perícia deve ser realizada apenas em caso de dúvida sobre ponto relevante que requeira conhecimento técnico especializado. O relator avaliou que, no caso dos autos, os documentos apresentam mais de 140 anexos que demonstram com clareza a movimentação financeira.
O ministro Fachin entendeu que não houve extinção da punibilidade pela prescrição quanto ao crime de lavagem considerado o quarto conjunto de fatos delituosos imputados pelo MPF a Paulo Maluf, referentes às ações ocorridas entre 1997 e 2006. “Quanto a esse conjunto de fatos, há expressa inclusão na denúncia de condutas que perduraram até o ano de 2006”, disse, ao informar que o dia 3 maio de 2006 foi a última data em que houve movimentação provada nos autos.
Segundo ele, o crime de lavagem praticado na modalidade ocultação, tem natureza de crime permanente, assim, o prazo prescricional começa a contar do dia 11 de maio de 2006, data em que as autoridades brasileiras tomaram conhecimento da existência dos fatos em razão de documentação enviada ao Brasil pelas autoridades da Ilha de Jersey. “Não há prescrição a ser reconhecida, quer pela natureza permanente do crime de lavagem de dinheiro, quando praticado na modalidade ocultar, quer porque se considere crime instantâneo. Diversas ações foram praticadas em momentos que não estão acobertadas pela prescrição e há prova disso nos autos”, afirmou o relator.
Quanto aos demais fatos delituosos, organizados como fatos 1, 2, 3 e 5, o ministro acolheu a manifestação da defesa quanto à ocorrência da prescrição. Com base no cálculo sobre pena máxima prevista na Lei 9.613/1998 – que é de 10 anos de reclusão – referente aos crimes de lavagem de dinheiro, os delitos estariam prescritos em 16 anos. Porém, o relator levou em consideração regra contida no artigo 115 do Código Penal, segundo o qual é reduzido pela metade o prazo prescricional quando o réu tiver, na época do crime, mais de 70 anos de idade, como é o caso de Maluf. Assim, o prazo de 16 anos cai para 8 anos. Como já havia decorrido período superior a 8 anos entre o marco inicial da prescrição e o recebimento da denúncia pelo Supremo, o ministro reconheceu a prescrição dessas imputações.
Após fazer uma extensa análise das provas contida nos autos, o ministro Edson Fachin entendeu que está devidamente constatada a materialidade, bem como a autoria do deputado Paulo Maluf no caso. Para o ministro, entre o ano de 1998 e 2006, de forma permanente, o parlamentar ocultou e dissimulou “vultosos valores oriundos da perpetração do delito de corrupção passiva”, utilizando diversas contas bancárias e fundos de investimento situados na Ilha de Jersey, abertos em nome de empresas offshore, bem como nos bancos Deutsche Bank e Citibank. O ministro avaliou que o objetivo de tais ações era o de “encobrir a verdadeira origem, natureza e propriedade dos referidos aportes financeiros, configurando assim, em meu modo de ver, a prática do crime de lavagem de dinheiro”.
Por fim, o relator considerou que a conduta do acusado foi dolosa, “ou seja, agiu consciente e voluntariamente visando à ocultação e à dissimulação da origem criminosa dos valores que movimentou e manteve ocultos no exterior até, pelo menos, o ano de 2006”. O ministro ressaltou não haver qualquer causa de exclusão de ilicitude ou da culpabilidade e, por essa razão, votou no sentido de condenar Paulo Maluf como incurso nas penas do delito descrito no artigo 1º, inciso V, e no artigo 1º, parágrafo 1º, inciso II, da Lei 9.613/1998.
O presidente da Turma, ministro Marco Aurélio, informou que a ação penal voltará a ser analisada pelo colegiado na sessão do próximo dia 23.
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