O ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), concedeu habeas corpus para que dois acusados possam aguardar em liberdade o julgamento do processo-crime pelo qual respondem após terem sido presos em flagrante com oito gramas de crack e um grama de cocaína. A decisão se deu no Habeas Corpus (HC) 144716, impetrado pela defesa de um dos denunciados, estendendo-se ao corréu diante da identidade de situação entre os dois. No caso, o ministro destacou que o decreto de prisão não apresenta fundamentos válidos e a apreensão de pequena quantidade de droga não se mostra suficiente para justificar a segregação cautelar.
Após prisão em flagrante, ocorrida em maio deste ano em Itapetininga (SP), os dois foram submetidos a audiência de custódia no juízo da Vara de Plantão da Comarca local. A prisão em flagrante foi convertida em preventiva, e eles foram recolhidos ao Centro de Detenção Provisória de Capela do Alto (SP). Segundo o juízo de primeira instância, a manutenção da prisão era necessária para garantir a ordem pública, “máxime perante a sociedade local e diante da situação atual do País, em que tanto se discute a questão da impunidade”. Em sucessivas decisões monocráticas, tanto o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) quanto o Superior Tribunal de Justiça mantiveram a medida.
No HC no STF, a defesa do preso alegou que o decreto de prisão se fundamentou apenas na natureza e na gravidade abstrata do delito de tráfico de drogas (equiparado aos crimes hediondos) e na “impunidade que assola o País, elementos estranhos aos autos a que não deu causa o paciente”. Segundo a defesa, o juiz “em nenhum momento expõe fatos colhidos do flagrante para justificar o resguardo à ordem pública”, e sequer mencionou a quantidade de droga apreendida. “Trata-se, na verdade, de decisão genérica, fundada na gravidade da natureza da imputação sem exame das peculiaridades do caso concreto e na reprovabilidade social do delito, assim como no malefício social por ele causado”, sustentou.
Generalidade
O ministro Celso de Mello registrou inicialmente que a jurisprudência das duas Turmas do STF se firmou no sentido do não cabimento de habeas corpus quando impetrado, como no caso, contra decisão monocrática de ministro do STJ. No entanto, em situações excepcionais, mesmo não conhecendo do HC, é possível a concessão da ordem de ofício, desde que configurada situação de evidente ilegalidade.
Nesse sentido, o decano destacou que a decisão questionada, ao impor a prisão cautelar, apoiou-se em elementos insuficientes e sem base empírica idônea. “A privação cautelar da liberdade individual é sempre qualificada pela nota da excepcionalidade, sendo de repelir-se, por inaceitáveis, discursos judiciais consubstanciados em tópicos sentenciais meramente retóricos, eivados de generalidade, destituídos de fundamentação substancial e reveladores, muitas vezes, de linguagem típica dos partidários do ‘direito penal simbólico’ ou, até mesmo, do ‘direito penal do inimigo’”, afirmou. Tal comportamento, na sua avaliação, expõe “uma inadmissível visão autoritária e nulificadora do regime das liberdades fundamentais em nosso País”.
Quantidade
Outro ponto ressaltado pelo ministro foi a pequena quantidade de drogas apreendida no flagrante, circunstância que, a seu ver, minimiza eventual gravidade do delito que motivou a denúncia. Ele ressaltou que as duas Turmas do Supremo já decidiram, em situações semelhantes, que a pequena quantidade da substância proibida não constitui, por si só, motivo suficiente para justificar a prisão cautelar, e que o Plenário firmou orientação no sentido de que o chamado “tráfico privilegiado” (em que o agente é primário, de bons antecedentes, não se dedica a atividades criminosas nem integra organização criminosa) não se submete ao regime jurídico dos crimes hediondos.
A título de registro, o ministro Celso de Mello observou que a legislação portuguesa, desde 2000, só considera tráfico de entorpecentes quando o agente possui substâncias ilícitas em quantidade que supere a necessária para consumo médio individual no período de dez dias. E o Judiciário português, com base na legislação e em portaria do Ministério da Justiça e da Saúde, definiu que a quantidade para consumo nesse período equivale a 2g de cocaína ou 25g de maconha (equivalente, portanto, a 0,2 g de cocaína e 2,5g de maconha por dia).
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