RELATOR : Desembargador Federal WILSON ZAUHY -
Penal e processual penal. Apelação criminal. Tráfico internacional de pessoas. Artigo 231 caput do código penal. Conduta praticada na vigência da lei 11.106/2005. Superveniência da lei 13.344/2016. Violência, grave ameaça e fraude que figuravam na forma qualificada do revogado artigo 231-a do cp, passam a constituir circunstâncias elementares do artigo 149-a do cp. Abolitio criminis configurada com relação à figura simples do revogado artigo 231-a do cp, na redação da lei 11.106/2005. 1. Apelação interposta pela defesa contra sentença que condenou os réus como incursos no artigo 231, caput, e parágrafo 3º, c/c artigo 14, II, todos do Código Penal, à pena de 04 anos de reclusão, em regime inicial aberto, e pagamento de 67 dias-multa. 2. Os fatos ocorreram em 30/03/2007, e a sentença foi proferida em 26/09/2013. O crime imputado à ré foi o de tráfico internacional de pessoas, previsto no artigo 231, caput, do Código Penal, que à época dos fatos descritos na denúncia vigorava com a redação dada pela Lei 11.106/2005 (antes de sua alteração pela Lei 12.015/2009). 3. Posteriormente à sentença, sobreveio a Lei 13.344/2016 que expressamente revogou os artigos 231 e 231-A do Código Penal e introduziu no mesmo diploma normativo o artigo 149-A, que estabeleceu nova tipologia para o tráfico de pessoas. 4. Houve revogação formal do tipo penal, com a inserção imediata de tipo inovador (alteração topográfica normativa), sem efetiva supressão do fato criminoso, ocorrendo, portanto, continuidade normativo-típica, porém somente em parte. 5. Na vigência da Lei 11.106/2005 o emprego de violência, grave ameaça ou fraude consistia qualificadora das condutas descritas no caput do artigo 231 do Código Penal. Logo, na vigência dessa lei, o entendimento jurisprudencial, inclusive adotado na r. sentença apelada e por este Relator, era amplamente majoritário no sentido de que o consentimento da vítima era irrelevante para a configuração do delito previsto no caput. 6. Contudo, na nova redação do artigo 149-A do CP dada pela Lei 13.344/2016, a violência, a grave ameaça e a fraude - e agora também as figuras da coação e o abuso - estão incluídas como circunstâncias elementares do novo tipo penal, de modo que, se elas não ocorrem, não se configura a tipicidade da conduta. Equivale dizer, especialmente com relação ao crime de tráfico de pessoas para fins de exploração sexual, de que se cuida nos autos, que uma vez verificada a existência de consentimento válido, sem qualquer vício, resta afastada a tipicidade da conduta. 7. Assim, quanto ao crime de tráfico de pessoas previsto no artigo 231, caput, do CP na redação da Lei 11.106/2005, para o qual o consentimento da vítima era irrelevante penal, ocorreu abolitio criminis. A continuidade normativo-típica ocorreu apenas parcialmente, com relação ao artigo 231 na sua figura qualificada do §2º, com emprego de violência, grave ameaça ou fraude, ou seja, atuações do agente que acarretem vício ao consentimento da vítima. 8. A alteração legislativa interna veio promover no âmbito do Direito Penal uma adequação aos preceitos estabelecidos pelo Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional Relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, promulgado pelo Decreto 5.017/2004. 9. A nova legislação amplia o bem jurídico tutelado, que antes era reservado à prostituição, alcançando agora a figura mais abrangente da exploração sexual, além de outras hipóteses anteriormente não previstas (remoção de órgãos, etc), bem como incrementando as descrições das condutas criminalizadas no tipo alternativo misto, de modo a recrudescer o combate a referidos atos. 10. Além dessa ampliação, e também em atendimento ao espírito do Protocolo mencionado, a nova legislação limita a proteção ao bem jurídico tutelado aos casos em que há, de alguma forma, vício de consentimento. 11. A contrario sensu, se o consentimento é válido, ou seja, se ele foi deduzido sem grave ameaça, violência, coação, fraude ou abuso, não - ao menos na hipótese de exploração sexual, de que se cuida nos autos - não se configura o crime. 12. No caso dos autos, basta o exame da denúncia para se verificar que não há nenhuma referência a algum tipo de grave ameaça, violência ou fraude, bastando para se concluir pela abolitio criminis. Não bastasse isso, durante a instrução processual, confirmou-se que realmente todas as mulheres que estavam prestes a embarcar para o exterior tinham dado o seu total consentimento, bem como possuíam plena consciência em relação ao propósito da viagem, sendo que uma delas, inclusive, iria pela segunda vez exercer a prostituição na Espanha, agenciada novamente pela corré. 13. Absolvição em razão da ocorrência de abolitio criminis pela superveniência da Lei 13.344/2016, prejudicadas as apelações.
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