RELATOR : Desembargador Federal VALDECI DOS SANTOS -
Penal. Processo penal. Apelação criminal. Tráfico internacional de entorpecentes e associação para o tráfico internacional de entorpecentes. Lei 11.343/2006. Operação semilla. Interceptação telefônica. Legalidade. Materialidade do flagrante demonstrada. Autoria delitiva comprovada. Manutenção da condenação do réu. Dosimetria da pena. Penas inalteradas. Improvimento do recurso. 1. O Ministério Público Federal ofereceu denúncia em desfavor de JOÃO ALVES OLIVEIRA, JUDE CHUKWUDI MWEKE e DANIEL VICTOR IWUAGWU como incursos no artigo 33, caput, c.c. o artigo 40, I, em concurso material com o artigo 35, todos da Lei n.º 11.343/06. 2. Houve o desmembramento do feito em relação aos corréus Jude Chukwudi Mweke e Daniel Victor Iwuagwu, originando os presentes autos. Após, houve novo desmembramento em relação ao corréu Jude Chukwudi Mweke, prosseguindo o feito nestes autos somente em relação ao acusado Daniel Victor Iwuagwu. 3. Narra a peça acusatória que os fatos tratam da "Operação Semilla", desmembramento da "Operação Niva", então em curso perante a 4ª Vara Criminal Federal de São Paulo (PCD nº 003498-54.2009.403.6181), iniciada em julho de 2010. Relata que, durante o acompanhamento das atividades alvos da "Operação Niva", identificou-se a organização criminosa chefiada por Eurico Augusto Pereira, a partir de contatos mantidos entre PERNAMBUCO e SLOBODAN KOSTOVSKI (PETER), nos quais PERNAMBUCO intermediava a venda da droga, fornecida e internalizada por EURICO e seus associados, a PETER, razão pela qual EURICO passou a ser incluído nas medidas de monitoramento telefônico então em curso. 4. Apurou-se que o contato entre as organizações criminosas tinha sido pontual, apenas para comercialização de cocaína, razão pela qual foi determinado o desmembramento do feito, para instauração de procedimento próprio. 5. Devidamente instruído o feito, foi deferida a medida de interceptação das comunicações telefônicas entre os alvos inicialmente identificados, nos termos da Lei nº 9296/96, em julho de 2010, para apuração de tráfico transnacional de entorpecentes, sendo apuradas quatro células que, embora autônomas, relacionavam-se na aquisição e venda de drogas, quais sejam: a chefiada por EURICO AUGUSTO PEREIRA, a célula de BATISTA, a conexão africana, representada por KALAZAN e a conexão italiana. 6. O presente caso diz respeito às condutas do réu DANIEL VICTOR IWUAGWU (KALAZAN), relativa ao flagrante IPL 0521/2010-2 - DRE/SR/SP, referente à apreensão de 104 kg de cocaína, no dia 10 de julho de 2010. 7. Preliminar de nulidade das interceptações telefônicas rejeitada. De fato, embora a redação do artigo 5º da Lei nº 9.296/96 tenha previsto somente o prazo de 15 (quinze) dias, renovável por mais 15 (quinze) dias, já se firmou entendimento na jurisprudência no sentido de que o prazo em questão poderá ser prorrogado quantas vezes for necessário, mediante decisão fundamentada. No caso dos autos, a investigação efetuada pela Polícia Federal, no bojo da "Operação Semilla", tinha como escopo desmantelar organização criminosa, composta por diversos indivíduos, voltada ao tráfico internacional de drogas, de modo que, para a total elucidação dos fatos, fez-se necessária a dilação de prazo do monitoramento telefônico por inúmeras vezes, inexistindo qualquer vício nas autorizações judiciais. 8. A materialidade delitiva restou devidamente comprovada pelo IPL 0521/2010-2 - DRE/SR/SP, destacando-se o Laudo Preliminar de Constatação, o Auto de Apresentação e Apreensão, o Laudo de Exame de Substância, bem como pelas interceptações telefônicas, que demonstram a apreensão de 104 kg (cento e quatro quilos) de cocaína em poder de Vitorino Monteiro (vulgo Nilo ou Gerentinho), José Marcos dos Santos, José Grigório dos Santos Filho e Claudemir Miranda Duarte, no dia 10 de julho de 2010, no âmbito de associação criminosa voltada à prática do crime de tráfico de drogas. 9. A transnacionalidade do delito é evidenciada pela origem e pelo destino da droga apreendida. De fato, o Relatório de Inteligência Policial n.º 001/2010, corroborada pela prova testemunhal, demonstra a internalização da droga, procedente da Bolívia, pelas negociações travadas entre Batista e Zacarias, fornecedor boliviano; e, a destinação de parte da carga para a África do Sul, por sua vez, foi comprovada pelas negociações entre Batista e Jude. 10. A autoria delitiva restou evidenciada pelo conteúdo dos áudios oriundos das interceptações telefônicas, inteiramente confirmado pela prova testemunhal, salientando-se, no mais, que a realização de exame pericial para comparar a voz do réu com a voz interceptada não é imprescindível à elucidação dos fatos. Isso porque, de acordo com o disposto no artigo 184 do Código de Processo Penal, com exceção do caso de exame de corpo de delito, pode o juiz negar a perícia requerida pelas partes, quando esta se mostrar desnecessária ao esclarecimento da verdade. De fato, o princípio da livre convicção do juiz (artigo 155 do Código Penal) permite ao magistrado formar sua convicção pela livre apreciação das provas produzidas, não podendo, todavia, fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos colhidos na fase investigativa. 11. No caso dos autos, observa-se que, além dos elementos colhidos durante o inquérito policial, houve a produção de prova testemunhal e documental, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, cujo teor corroborou o conteúdo dos diálogos oriundo das interceptações telefônicas. Nessa senda, a existência de robusto conjunto probatório a embasar a condenação torna desnecessária a realização de perícia para confrontar a voz do réu com aquelas colhidas no monitoramento telefônico. 12. Dosimetria da pena. Para o crime de tráfico internacional de drogas, o Juízo a quo fixou a pena-base acima do mínimo legal, em 07 (sete) anos e 06 (seis) meses de reclusão e 750 (setecentos e cinquenta) dias-multa, considerando a culpabilidade acentuada e as circunstâncias e consequências do crime. A pena foi agravada de 1/6 (um sexto) pela reincidência, totalizando 08 (oito) anos e 09 (nove) meses de reclusão e 875 (oitocentos e setenta e cinco) dias-multa, ausente circunstância atenuante. Foi aplicada a causa de aumento prevista no artigo 40, I, da Lei n.º 11.343/06, com o acréscimo de 1/6 (um sexto), restando definitiva a pena de 10 (dez) anos, 02 (dois) meses e 15 (quinze) dias de reclusão e 1020 (mil e vinte) dias-multa. Pelo crime de associação para o tráfico a pena-base foi fixada acima do mínimo legal, em 04 (quatro) anos e 06 (seis) meses de reclusão e 1050 (mil e cinquenta) dias-multa considerando a culpabilidade acentuada e as circunstâncias e consequências do crime. A pena foi agravada pela reincidência, totalizando 05 (cinco) anos e 03 (três) meses de reclusão e 1225 (mil duzentos e vinte e cinco) dias-multa, ausente circunstância atenuante. Foi aplicada a causa de aumento prevista no artigo 40, I, da Lei n.º 11.343/06, com o acréscimo de 1/6 (um sexto), restando definitiva a pena de 06 (seis) anos, 01 (um) mês e 15 (quinze) dias de reclusão e 1429 (mil quatrocentos e vinte e nove) dias-multa. Por fim, considerando que os delitos foram cometidos por meio de condutas distintas, foi aplicada a regra do concurso material, nos termos do art. 69 do Código Penal, resultando na pena definitiva de 16 (dezesseis) anos e 04 (quatro) meses de reclusão e 2449 (dois mil, quatrocentos e quarenta e nove) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos, devidamente corrigido, em atenção à condição financeira do réu. O regime inicial de cumprimento da pena foi fixado no fechado, ante a existência de circunstâncias judiciais desfavoráveis, nos termos do art. 33, § 3º, do Código Penal. 13. Manutenção da dosimetria nos termos do decisum. 14. Não há de se falar em fixação das penas-base no mínimo legal, uma vez que pesam contra o réu circunstâncias judiciais desfavoráveis, quais sejam, a culpabilidade exacerbada e as circunstâncias e consequências do crime. No tocante à causa de agravamento da pena, restou devidamente comprovada a reincidência, tendo em vista que os fatos delitivos narrados na denúncia se deram em 10 de julho de 2010, em intervalo inferior a 05 (cinco) anos da condenação transitada em julgado em desfavor do réu, em 16 de outubro de 2006, na ação penal n.º 0054378-48.2003.8.26.0050. Quanto à causa de aumento da pena, prevista no artigo 40, I, da Lei n.º 11.343/06, esta deve ser mantida, uma vez que há provas nos autos de que as drogas apreendidas foram trazidas da Bolívia para o Brasil, por meio da célula comandada por Batista, e seria enviada para a África do Sul, por intermédio do réu Daniel Victor Iwuagwu. Por fim, é inviável a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direito, haja vista que o caso concreto não se enquadra nas hipóteses do artigo 44 do Código Penal, considerando que a pena é superior a 04 (quatro) anos de reclusão, o réu é reincidente e há circunstâncias desfavoráveis contra o acusado. 15. Matéria preliminar rejeitada. Apelação do réu a que se nega provimento.
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