RELATOR : Desembargador Federal VALDECI DOS SANTOS -
Penal. Processo penal. Facilitação descaminho. Preliminar cerceamento defesa. Oitiva testemunhas sem presença réu. Não acolhida. Questão prejudicial. Desnecessidade de investigação do descaminho. Tipicidade e de dolo comprovados. Erro de proibição. Não configurado. Princípio intervenção mínima. Não aplicação. Desclassificação art. 313-b, cp. Não cabível. Dosimetria. Apelação não provida. 1. Tribunais Superiores têm entendimento firmado no sentido de que a ausência do réu à audiência de oitiva de vítima e testemunhas configura nulidade relativa, devendo haver comprovação concreta do prejuízo sofrido à defesa. No caso concreto, os princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório foram respeitados, vez que a Defensoria Pública da União estava presente na audiência de oitiva de testemunhas. Ademais, o apelante sequer indicou de que modo a renovação dos referidos atos processuais poderia beneficiá-lo, limitando-se a tecer considerações genéricas sobre o princípio do devido processo legal. 2. Em relação à configuração do crime de facilitação de contrabando ou descaminho, a jurisprudência é unânime no sentido de que se trata de crime formal, o qual possui conduta típica consistente em facilitar (promover, tornar propício) de forma comissiva ou omissiva, com infração de dever funcional de reprimir e combater o contrabando ou descaminho e prescinde, para sua configuração, do resultado material do descaminho. E mais. O tipo penal do artigo 318, do Código Penal protege a Administração Pública, especialmente nos aspectos da moralidade e da probidade administrativa, violadas pelo funcionário público. 3. Como bem assinalado na r. sentença, a carga liberada pelo acusado tinha evidentes sinais de adulteração: "a empresa Itamaracá Truck Imports Ltda., em 06/07/2004, realizou uma importação cuja descrição da mercadoria não se enquadra a seu objeto social. E foi assim durante os meses de julho e agosto de 2004, sendo as importações realizadas pelo Aeroporto Internacional de São Paulo/Guarulhos" (fls. 334). Mais especificamente, as mercadorias liberadas, correspondentes a produtos eletroeletrônicos e de informática, não condizem com o objeto social da empresa, qual seja, importação de pneumáticos, câmaras de ar, peças e acessórios automotivos. 4. Dessa forma, claro está que o apelante, apesar de ter consciência de que não poderia liberar as cargas, sem autorização superior e fiscalização mais detalhada, assim procedeu, assumindo o risco, uma vez que já havia suspeita em relação às cargas e à licitude da importação, praticando o crime de facilitação ao contrabando e ao descaminho com dolo eventual. 5. A defesa pleiteia, ainda, exclusão da culpabilidade do réu em virtude de ter incorrido em erro de proibição, vez que seu acesso no sistema permitia o desembaraço das cargas, o que o fez sentir-se legitimado a prosseguir na liberação da mercadoria. No caso dos autos, o simples fato do apelante possuir um perfil de supervisor no sistema da Receita Federal, não lhe dava poderes para agir em desconformidade com os ditames legais. Além do mais, a carga havia sido indisponibilizada pelo auditor fiscal de pista Sérgio Gonçalves, o que, no mínimo, deveria tê-lo feito desconfiar da licitude da mercadoria, tomando maiores cuidados na análise da documentação em comparação com a carga importada. Sendo assim, não há que se falar em exclusão da culpabilidade por erro de proibição. 6. Inicialmente, cumpre ressaltar que o princípio da intervenção mínima rege e limita o poder punitivo estatal e significa que o direito penal só deve intervir quando os demais ramos do direito não forem suficientes para proteger os bens jurídicos considerados de maior importância. O direito penal deve intervir o mínimo possível na vida em sociedade. Alega a defesa que, no caso em análise, não se deve aplicar o direito penal, vez que o apelante já fora "apenado severamente" na esfera administrativa com a demissão do serviço. Vale ressaltar que a sentença criminal somente afastará a punição administrativa se reconhecer a não ocorrência do fato ou a negativa de autoria. 7. Pese embora o réu tenha alterado o sistema de informações da Receita Federal, tal conduta tinha o objetivo de facilitar o delito de descaminho, por meio da liberação de mercadorias indisponibilizadas em razão de suspeita de irregularidades. Sendo assim, a conduta perpetrada pelo apelante amolda-se ao tipo penal do artigo 318, do Código Penal. 8. Apelação não provida.
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