Rodrigo Badaró de Castro -
Em 1803 a recente república e democracia Norte Americana sofria seu maior desafio, ao se analisar na Suprema Corte o caso judicial mais famoso daquela nação, denominado como Marbury x Madison. Em síntese, o case colocava frontalmente em conflito o legislativo recém eleito, a antiga judicatura e desafiando e trazendo indagações à real competência da corte máxima.
Pois bem, caberia aquele colegiado eventualmente defenestrar os atos legislativos, entre eles aquele que simplesmente cassou, por decisão do novo governo de Thomas Jefferson, a nomeação dos juízes do governo anterior, os chamados juízes da meia noite, por terem sido indicados em um dos últimos atos do governo John Adams, e que daria controle da justiça aos Federalistas, partido derrotado nas urnas.
Provocada por um desses juízes cassados, o senhor Malbury contra a decisão de Madison, secretário de governo, a Suprema Corte por meio de seu grande ministro John Marshall, respondeu ao apelo. Assim, deveria decidir, sob enormes riscos, não acolher a ação por se incompetente, abdicando seu poder de controle da constituição, ou acolher o apelo, correndo o risco de ter sua decisão não cumprida pelo Legislativo, o que já tinha sido anunciado em ameaça pelos novos legisladores. Habilmente foi apresentada uma terceira solução, que salvou a separação dos Poderes na republica americana e ainda entrou para história como a decisão que gravou o controle de constitucionalidade.
O brilhante ministro declarou a supremacia da Constituição e que caberia ao Judiciário decidir se os atos dos demais Poderes estariam ou não afrontando a Lei maior. Mas não entrou no mérito do ato, preservando a decisão do novo legislativo. Com coragem, sabedoria e sem enfrentamento desnecessário, buscou a harmonia, e conseguiu.
Nos dias que correm, no nosso Brasil, vivemos uma situação crítica de crise e conflito entre os Poderes, com excesso do uso do judiciário e inúmeras interferências no processo e decisões legislativas. Recentemente, o embate envolveu o senador Aécio Neves e seu afastamento e reclusão noturna, tendo consequências imediatas, permeando nas últimas semanas o ringue montado em palco fluminense, tendo de um lado uma Assembleia Legislativa do Estado e no outro corner o Tribunal Regional Federal da 2ª Região.
O saldo final da peleia institucional é ainda indefinido, não obstante as prisões, holofotes, decisões administrativas e judiciais conflitantes, todavia uma coisa é certa, ou algo é feito com urgência ou estaremos caminhando para desordem absoluta.
Sem querer entrar no mérito dos casos, registro que é obvio que a palavra final tem que ser do Judiciário, na maioria dos casos o Supremo, como bem delineado na decisão de Marshall e de acordo com nossa constituição, mas sinceramente a origem da crise entre os Poderes reside além do total descrédito da classe política, do exagerado protagonismo do Ministério Público e dos julgadores, a total perda de prestigio e respeito da advocacia.
Infelizmente, existe uma falta de equilíbrio dentro do poder Judiciário, talvez o pêndulo daquilo idealizado por Montesquieu. Notamos o Ministério Publico ultrapassando limites, magistrados com dificuldade em respeitar o devido processo legal sempre sob pressão dos acusadores e mídia, e a advocacia, que seria freio necessário na busca da justiça, sendo subjugada, menosprezada, pouco ouvida e diminuída.
Com efeito, não podemos falar em advocacia, deixando à margem a lembrança de Sobral Pinto, advogado combativo, integro e corajoso, que mesmo contra os maiores abusos da ditadura, talvez até menores que os de hoje, criou as trincheiras que lhe cabiam para preservar os direitos fundamentais, e consequentemente a justiça.
O Supremo Tribunal Federal tem enorme desafio de dar decisões sabias, seguindo as virtudes de Marshall, que teve papel crucial naquele momento crítico da maior democracia do mundo, cabendo a classe política maior respeito à vontade popular e às instituições.
Em outra ponta, a advocacia precisa levantar ainda mais sua voz, evitar os desmandos e abusos do MP e de alguns magistrados, pois sem isso o Judiciário poderá se achar poder absoluto, o que somente propagará a crise vivida.