RELATOR: DESEMBARGADOR FEDERAL NÉVITON GUEDES -
Penal. Processual penal. Habeas corpus. Trancamento da ação penal. Excepcionalidade. Crime tributário. Artigo 1º, i, da lei 8.137/1990. Denúncia que não descreve do que a paciente deve se defender. Ausência de prova ou indício de participação da paciente no delito cuja prática a ela se imputa. Ausência de justa causa. Coação ilegal. Concessão da ordem. 1. O trancamento de ação penal, pela via do habeas corpus, somente é admissível quando houver demonstração, de plano, da ausência de justa causa para o inquérito ou para a ação penal, assim como a ausência de demonstração inequívoca de autoria ou materialidade, a atipicidade da conduta, a absoluta falta de provas, a ocorrência de causa extintiva da punibilidade ou a violação dos requisitos legais exigidos para a peça acusatória. 2. Dispõe o artigo 41 do CPP que a denúncia deverá conter a exposição do fato criminoso com suas circunstâncias, a qualificação do acusado e a classificação do crime. Em síntese, a legislação penal exige da denúncia elementos mínimos, em descrição circunstanciada, de ordem a conferir ao acusado, com precisão, determinação e certeza, condições concretas para uma defesa eficaz, em conformidade com as garantias constitucionais do devido processo legal, contraditório e ampla defesa. 3. No caso, o Ministério Público Federal ofereceu denúncia em desfavor de Maria do Socorro Cardoso Quaresma, ora paciente, e outros dois acusados, sob alegação de que eles, na qualidade de responsáveis pela empresa CPA – CIA de Produtos do Amapá LTDA, por intermédio desta pessoa jurídica, teriam omitido, de forma livre e consciente, informações às autoridades fazendárias, consistente na falta de registro de pagamentos efetuados aos seus fornecedores, relativo ao ano-calendário de 2003, tendo informado valores inferiores aos efetivamente auferidos, o que resultou no recolhimento menor do Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ), e de forma reflexa, da Contribuição do Programa de Integração Social (PIS), da Contribuição para Financiamento da Seguridade Social – COFINS e da Contribuição Sobre o Lucro Líquido (CSLL), amoldando-se, assim, na conduta descrita no art. 1º, I, da Lei 8.137/1990. (fls. 23-26). 4. A denúncia não se desincumbiu da necessária obrigação de descrever e delimitar, com clareza e precisão, em que teria consistido a omissão de informações às autoridades fazendárias, que pagamentos efetuados pela pessoa jurídica deixaram de ser registrados. Mais do que isso, a denúncia não ofereceu suporte probatório mínimo que pudesse subsidiar, sequer indiciariamente, a convicção de autoria da paciente quanto aos fatos ilícitos narrados. 5. A peça acusatória não delimita, de forma clara, precisa e determinada (como exige a lei), quais foram os pagamentos que, supostamente efetuados pela empresa CPA – CIA de Produtos do Amapá LTDA a seus fornecedores, a título de aquisição de mercadorias, deixaram de ser registrados. Quais pagamentos? Quando foram efetuados? A quem foram efetuados? A denúncia não demonstrou, muito menos de forma precisa e excluída qualquer dúvida, quais foram os valores que, pagos pela pessoa jurídica a título de aquisição de mercadorias a seus fornecedores deixaram de ser informados, como também não especificou quais seriam esses fornecedores e a data em que esses pagamentos teriam ocorrido. 6. Não se consegue retirar da denúncia, com a precisão e a clareza exigidas por lei, quando, como, a quem e o quanto teria sido omitido das autoridades fazendárias e que teriam ocasionado o pagamento de tributo a menor do que o devido pela pessoa jurídica. Padece a denúncia de imprecisão. 7. É certo que a peça acusatória remete à Representação Fiscal que a acompanha, na qual, de fato, é possível verificar as circunstâncias não descritas na peça acusatória, a saber, o valor dos pagamentos efetuados pela pessoa jurídica, quando e a quais fornecedores. Todavia, a denúncia tem que ser, em si mesma, completa e suficiente quanto à descrição da conduta e das circunstâncias que envolvem o delito nela especificado, não se admitindo que tais elementos somente possam ser verificados nas peças probatórias que a acompanham. 8. Ainda que essas condutas, consistentes em omissão na declaração dos pagamentos feitos a fornecedores, estivessem bem delimitadas na denúncia, restaria ainda ausente a descrição quanto à responsabilidade da paciente de, na condição de simples contadora, ter omitido tais informações, uma vez que os contadores, basicamente, reproduzem nas declarações de renda, de maneira objetiva, o que lhes é repassado – com documentos – pelos titulares e responsáveis legais pela declaração. A representação fiscal na qual se embasa a peça acusatória aponta a paciente apenas como responsável pelo preenchimento da DIPJ/2004 dessa pessoa jurídica. 9. É dever do contribuinte zelar pelo recolhimento das exações devidas, bem como o seu correto repasse ao fisco e, a priori, ao contador não advém qualquer benefício em omitir receitas para o fim de diminuir valor de tributo a pagar por quem contrata seus serviços. 10. O contador, como empregado ou prestador de serviços, a priori, elabora as declarações de acordo com as orientações e com base na documentação fornecidas pelo administrador da pessoa jurídica, competindo a este o poder de decidir se haverá ou não supressão de tributo, ou seja, a decisão quanto à prática ou não do crime. No caso, como seu viu, a denúncia sequer descreve qualquer conduta que, adotada pela paciente na qualidade de contadora, pudesse ter contribuído para prática do crime. 11. Todos esses aspectos de deficiência da peça acusatória inviabilizam o direito fundamental do acusado de obter com clareza e precisão os elementos fáticos que justificariam o poder de o Estado desenvolver contra si processo de natureza penal. Coação ilegal configurada. 12. Ordem de habeas corpus concedida para determinar o trancamento da ação penal 13935-66.2014.4.01.3100, em curso na 4ª Vara da Seção Judiciária do Amapá, em relação à paciente, reformando o que decidido em sede liminar pelo relator convocado.
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