Por unanimidade, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) negou Habeas Corpus (HC 92304) impetrado pelo médico A.M.C., de Miguelópolis (SP), acusado de homicídio doloso por ter-se recusado, por duas vezes consecutivas, a atender uma criança que veio a falecer de broncopneumonia e derrame pleural. O médico pede o arquivamento da ação penal em curso contra ele, que poderá levá-lo a julgamento pelo Tribunal do Júri.
Único médico plantonista presente no pronto-socorro municipal daquela cidade paulista quando procurado pela avó do menino Jefferson Souza dos Santos, o médico mandou a criança doente de volta para casa, por duas vezes consecutivas, dizendo à avó que retornasse quando o pediatra da unidade hospitalar voltasse de férias.
No HC impetrado no STF, A.M.C. contestava decisão do Superior Tribunal de Justiça que lhe negou pedido semelhante ao formulado no STF.
Dos autos consta que, após regular processamento, o Ministério Público (MP) aditou a denúncia para dar nova classificação à conduta do médico, alterando a imputação de homicídio culposo para doloso, sendo A.M.C. encaminhado nos termos desse aditamento para ser julgado pelo Tribunal do Júri.
A defesa alegou inépcia da denúncia por falta de correta narração dos fatos e suas circunstâncias e falta de justa causa, pois estariam ausentes os indícios de autoria. Também sustentou a inépcia do aditamento. Segundo ela, não teria havido correta valoração dos fatos narrados à luz da intenção ou não de causar a morte da criança.
Diante desses argumentos, pedia que fosse declarada a nulidade do processo desde o princípio, determinando-se o arquivamento da ação penal, por ausência de justa causa, e se reconhecendo a incompetência do Tribunal do Júri.
Negativa
Segundo Ellen Gracie, o TJ-SP considerou ser ele o autor dos fatos, o que justificaria a possibilidade de conhecer a autoria. Quanto ao dolo, considerou, também, haver elementos nesse sentido, por ter ele recusado atendimento e ter dispensado, em duas oportunidades, a criança enferma, com isso assumindo o possível resultado morte.
Em seu voto, a ministra Ellen Gracie afirmou que, “para configurar o dolo eventual, não é necessário o consentimento explícito do agente nem sua consciência reflexiva em relação às circunstâncias do evento. É imprescindível que o dolo eventual se extraia das circunstâncias do evento, não da mente do autor, eis que não se exige uma declaração expressa do agente”.
Quanto ao pedido de trancamento da ação penal, a ministra disse que ele somente é possível “quando for evidente o constrangimento ilegal sofrido pelo paciente, não havendo qualquer dúvida acerca da tipicidade material ou deflagração ou formal da conduta, ou a respeito da ausência de justa causa para deflagração da ação penal”. Entretanto, segundo ela, não é esta a hipótese, “competindo ao juiz natural, que é o Tribunal do Júri, a avaliação da existência de elementos suficientes para reconhecimento da prática delitiva do paciente, na modalidade omissiva e sob a forma de dolo eventual”.
FK/LF
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