RELATOR: Desembargador HÉLIO NOGUEIRA -
PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. OPERAÇÃO PARAÍSO FISCAL. CRIMES DE CORRUPÇÃO PASSIVA, ADVOCACIA ADMINISTRATIVA, QUADRILHA OU BANDO E LAVAGEM DE ATIVOS. PRELIMINAR DE ILICITUDE DAS INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS REJEITADA. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. CRIME ANTECENDENTE NÃO DEMONSTRADO. PENA-BASE REDUZIDA. PENA DE REPARAÇÃO DE DANOS AFASTADA. SEQUESTRO DE BENS. LIBERAÇÃO PARCIAL. 1. Apelações criminais interpostas pela Acusação e Defesa contra sentença que condenou o réu como incurso nas penas do artigo 3º, incisos II e III, da Lei nº 8.137/90 e artigo 288, caput, do Código Penal, e absolveu-o da prática dos crimes do artigo 1°, § 1°, inciso II, da Lei nº 9.613/98 e artigo 1°, caput, incisos V e VII, e § 4°, da mesma lei. 2. Prescrição. A pena aplicada ao delito de quadrilha ou bando foi de 02 anos de reclusão, de modo que o prazo prescricional, nos termos do art. 109, inc. V, do CP, é de 04 (quatro) anos. Consequentemente, considerando-se a data de publicação da sentença (27/08/2013) e a presente data, houve o decurso de lapso superior a 04 (quatro) anos, verificando-se a prescrição intercorrente. 3. O sigilo fiscal não tem natureza absoluta, podendo ser quebrado quando houver prevalência do interesse público e indícios suficientes da prática de um delito. Precedentes. 4. Alegação de falta de fundamentação das decisões que deferiram a interceptação telefônica rejeitada. Verifica-se que as interceptações telefônicas foram deferidas e renovadas com a devida motivação. A interceptação telefônica pautou-se em prévia descoberta de enriquecimento ilícito por parte dos servidores, inclusive do acusado, e indícios de acobertamento do produto do crime. 5. A Lei n° 9.296/1996 não limita a possibilidade de prorrogação a um único período, sendo certo que tal interpretação inviabilizaria investigações complexas, como a que se cuida nos presentes autos. As prorrogações foram devidamente fundamentadas e justificadas, em razão da complexidade das investigações. Precedentes. 6. O Juízo a quo determinou às empresas o fornecimento de senhas para possibilitar o acesso dos policiais aos dados cadastrais dos titulares dos telefones com os quais os terminais interceptados mantivessem contato. Não há, nesse ponto, qualquer ilegalidade, posto que a identificação da titularidade dos telefones com os quais os telefones interceptados mantém contato é mera consequência da própria interceptação. 7. As provas documentais produzidas na fase investigativa - extratos bancários obtidos por quebra de sigilo judicialmente deferida, e demais documentos constantes do processo administrativo - são submetidas ao contraditório diferido, podendo as partes sobre elas manifestar-se na fase judicial. 8. A condenação baseada em prova documental produzida na fase investigativa não é pautada exclusivamente em elementos colhidos na investigação, pois o artigo 155 do CPP ressalva expressamente as provas "cautelares, não repetíveis e antecipadas". E as provas documentais são provas, pela sua própria natureza, irrepetíveis, mas que, no entanto, são submetidas ao contraditório judicial. 9. Os documentos que foram produzidos no processo administrativo, foram posteriormente submetidos ao contraditório no processo penal, podendo o réu examiná-los e sobre eles livremente se manifestar. E não houve, por parte do réu, nenhuma arguição de falsidade ou inexatidão, formulada de forma específica, com relação a qualquer documento que seja, produzido no processo administrativo, no pedido de quebra de sigilo fiscal, telemático ou telefônico. 10. A conduta típica do delito do artigo 3ª, inciso III, da Lei nº 8.137/90 consiste em patrocinar interesse privado perante a administração fazendária, valendo-se da condição de funcionário público, podendo esse patrocínio ser formal e explícito ou dissimulado. No caso em tela, restou comprovado que o acusado ROGERIO SASSO patrocinou interesse da contribuinte Tânia Mara ao acompanhar o andamento de seu processo administrativo, levando pessoalmente os extratos bancários e a defesa administrativa da contribuinte à auditora Patricia Fernandes, bem como recebendo cópia do termo de fiscalização e auto de infração antes mesmo da contribuinte, tendo ainda providenciando sua assinatura nas defesas por ela apresentadas. 11. Falece atribuição ao Poder Judiciário, sob o pretexto de corrigir a desproporcionalidade da norma regularmente elaborada pelo Poder Legislativo, combinar dispositivos normativos e criar uma terceira norma. 12. Não cabe ao juiz não cabe fazer às vezes de legislador, aplicando ao crime do artigo 3ª, inciso III, da Lei nº 8.137/90 a pena do delito de advocacia administrativa prevista no artigo 321 do Código Penal, combinando assim o preceito primário de um tipo com o preceito secundário de outro, a criar um terceiro tipo penal, em respeito ao princípio da reserva legal e do princípio da separação dos poderes, um dos pilares do Estado Democrático de Direito. 13. A despeito de o acusado, na qualidade de servidor público, ter praticado crime contra a administração fazendária no exercício da função, verifica-se que sua conduta não tinha o especial fim de agir previsto no artigo 3º, II, da Lei nº 8.137/90, qual seja, "deixar de lançar ou cobrar tributo ou contribuição social, ou cobrá-los parcialmente". As provas convergem no sentido de que o réu efetivamente solicitou vantagem indevida ao representante da empresa investigada para deixar de praticar ato de ofício, deixando de autuar a empresa em um dos mandados de procedimento fiscal, forma a configurar a prática do crime do artigo 317, caput e §1º, do Código Penal. 14. O crime restou consumado com a simples solicitação pelo servidor público de vantagem indevida ao representante da empresa fiscalizada, para que deixasse de autuar a empresa fiscalizada e para que não fosse obstado o pedido de compensação de crédito, tendo ainda sido comprovado o efetivo recebimento da propina e o beneficiamento da empresa nas fiscalizações, não havendo que se falar em crime impossível. 15. Os crimes de corrupção passiva e advocacia administrativa estão relacionados no capítulo dos crimes contra a Administração Pública, sendo, portanto, aptos a configurar crime antecedente à prática de lavagem, consoante artigo 1º, inciso V, da Lei nº 9.613/98, em sua redação original, vigente à época dos fatos. 16. No tocante ao crime de advocacia administrativa, não consta dos autos nenhum elemento capaz de indicar eventual proveito econômico ao acusado no patrocínio junto à contribuinte, que possa ser objeto do posterior crime de lavagem de ativos. 17. A condenação pelo crime de lavagem de dinheiro prescinde da existência de processo em andamento ou julgamento pela prática da infração antecedente, o que se preceitua é prova convincente, seja direta ou indireta, de ser o objeto do delito de lavagem de dinheiro produto do crime antecedente. Contudo, no presente caso, não há nos autos mínimos elementos de prova do delito antecedente. 18. Eventual prática de crime contra a ordem tributária, por meio de fraude da declaração de imposto de renda do acusado e nas declarações de renda dos empreendimentos imobiliários, não pode ser considerado como crime antecedente da lavagem por ausência de previsão legal. 19. Dosimetria da pena. A motivação apresentada para a avaliação negativa da personalidade do réu revela-se absolutamente incongruente, diante do reconhecimento, na própria sentença, da inexistência de registros criminais anteriores em seu nome. Com efeito, as atitudes do réu podem constituir fundamento para a decretação da prisão preventiva, mas não pode servir de justificativa para a conclusão de que "seu grau de periculosidade para delitos do gênero, portanto, é mais alto que o normal", considerando-se que o exame da personalidade do agente, deve pautar-se em registros criminais anteriores ao crime. Nem mesmo inquéritos e ações penais em andamento justificam a valoração negativa da personalidade do réu. Precedentes. 20. A distinção dos agentes entre os de classe social privilegiada e desprivilegiada, entre os que possuem acesso à educação ou não, entre ricos e pobres e entre jovens e idosos levaria a uma diferenciação despida de fundamento legal e constitucional, no que diz respeito à reprovabilidade de crimes. 21. As circunstâncias e consequências do delito se apresentam desfavoráveis ao acusado. Com efeito, restou comprovado nos autos que o réu solicitou e recebeu vantagem indevida no valor de R$ 300.000,00 do contribuinte fiscalizado, para que sua empresa não fosse autuada e para que não fosse prejudicado o projeto de recuperação de créditos. 22. Temerária a aplicação da causa de aumento prevista no §1º do artigo 317 do Código Penal, diante da inexistência de informação nos autos acerca dos resultados das "refiscalizações", conquanto evidente que o réu descumpriu seu dever funcional. 23. Incabível a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, em face do não preenchimento dos requisitos objetivos e subjetivos do art. 44 do Código Penal. Com efeito, além de a pena corporal ser superior ao patamar de 04 anos, o acusado subjetivamente não faz jus ao benefício, considerando que as circunstâncias judiciais não lhe são favoráveis, tanto que fixada a pena-base de cada delito acima do mínimo legal. 24. Considerando as circunstâncias judiciais desfavoráveis, ponderadas na primeira fase da dosimetria da pena e a pena final, de rigor a manutenção do regime inicial de cumprimento de pena fechado, tendo por fundamento o disposto no artigo 33, § 3º, do Código Penal. 25. O disposto no artigo 387, §2º, do Código de Processo Penal e a notícia de que o apelante está preso por este processo desde 06.02.2013, sem informação da alteração desta situação, poderia ensejar o direito à progressão de regime. Incumbe ao Juízo das Execuções Penais verificar o preenchimento dos requisitos objetivos e subjetivos para a progressão. Intelecção do artigo 66, III, 'b', da Lei 7.210/84. 26. Conforme disposto no §4º do artigo 33 do Código Penal, em se tratando de crime contra a administração pública, a progressão de regime do cumprimento da pena está condicionada à reparação do dano que causou. 27. Pedido de condenação dos réus ao pagamento de indenização ao erário: nosso ordenamento, antes mesmo da alteração que adveio com a Lei nº 11.719/08, previa que a sentença penal condenatória tornava certa, além da responsabilização criminal, também a responsabilização civil, conforme dispõe o art. 91, inc. I do CP, sendo certo que a novel lei apenas veio a trazer comando no sentido de que a sentença condenatória seja minimamente líquida. Não há necessidade de que o pedido seja expresso na denúncia ou reiterado em memoriais, já que a pretensão acusatória abrange igualmente a condenação de quantia líquida, em seu grau mínimo, em função do ato ilícito praticado. Contudo, da análise das peculiaridades do caso concreto, dificulta o cálculo do valor mínimo da reparação cível neste feito. 28. Limitação do sequestro ao montante correspondente ao proveito do crime (perdimento de R$ 300.000,00) e o arresto ao valor das custas processuais e pena de multa imposta no presente no voto (27 dias-multa, cada um no valor de 10 salários mínimos cada, vigentes ao tempo dos fatos, devidamente corrigido). 34. Preliminares rejeitadas. Apelações da acusação e defesa parcialmente providas. Prescrição da pretensão punitiva estatal quanto ao crime de quadrilha ou bando reconhecida de ofício.
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