A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) recebeu, na sessão desta terça-feira (8), denúncia apresentada no Inquérito (INQ) 4633 contra o ex-ministro e ex-deputado federal Geddel Vieira Lima, e contra seu irmão, o deputado federal Lúcio Quadro Vieira Lima (PMDB-BA), pela prática dos crimes de lavagem de dinheiro e associação criminosa. O caso ganhou grande repercussão nacional depois que diligência da Polícia Federal encontrou, em setembro de 2017, mais de R$ 51 milhões, em espécie, em um apartamento em Salvador (BA). Também se tornam réus, neste processo, o ex-assessor parlamentar Job Ribeiro Brandão, o empresário Luiz Fernando Machado da Costa e a mãe de Geddel, Marluce Vieira Lima.
A denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) aponta a prática dos crimes de lavagem de dinheiro e organização criminosa supostamente cometidos por Geddel, Lúcio e Marluce, e também pelo advogado Gustavo Pedreira do Couto Ferraz, Job Brandão e o empresário Luiz Fernando Machado da Costa Filho. De acordo com a denúncia, eles seriam responsáveis por lavar recursos auferidos em decorrência do cometimento de crimes antecedentes: repasses de vantagem indevida pelo doleiro Lúcio Bolonha Funaro a Geddel pela prática de atos de corrupção na Caixa Econômica Federal; o recebimento, por Geddel e seu irmão, de vantagem indevida paga pelo Grupo Odebrecht, e pela apropriação de percentual das remunerações pagas pela Câmara dos Deputados a secretários parlamentares.
A denúncia narra que desde 2010 estes valores estariam ocultados, em espécie, na casa de Marluce, mãe de Geddel, e na sequência teriam sido transportados para outra residência, onde foram encontrados pela Polícia Federal no cumprimento mandado de busca e apreensão expedido pelo juízo da 10ª Vara Federal do Distrito Federal, em setembro de 2017.
Para a representante do MPF que se manifestou durante o julgamento, a denúncia apresenta, em detalhes, a identificação dos crimes antecedentes que resultaram no recebimento dos valores e descreve a atuação de cada um dos acusados. Há um amplo conjunto probatório – documentos, testemunhas, quebras de sigilo e perícias técnicas nas notas e nas malas - sustentando a denúncia para mostrar a presença de fortes indícios da prática dos crimes apontados, concluiu a subprocuradora Cláudia Sampaio Marques.
Defesa
Para o advogado de Geddel, Lúcio e Marluce, a denúncia é insustentável, uma vez que não retrata o delito principal. A peça acusatória relata que houve associação para a prática de crimes e que houve lavagem do produto desses crimes. Mas não detalha que crimes seriam esses. “Temos o antefato, o pós-fato, mas não temos os fatos”, resumiu o advogado.
Outro ponto questionado pelo advogado foi que a divulgada apreensão de dinheiro em espécie em um apartamento em Salvador seria ilegal por ter partido de uma denúncia anônima. De acordo com o advogado, a Polícia Federal omitiu a identidade do denunciante, bem como dos agentes que realizaram a diligência.
No tocante à denunciada Marluce Vieira Lima, o advogado disse que ela só é investigada por ser mãe de Geddel. Por fim, salientou que não foram apontados atos de lavagem de dinheiro pelo deputado Lúcio Vieira Lima.
A defesa de Job Brandão disse que a denúncia não demonstrou a existência de dolo na conduta de seu cliente. E que apesar de ser denunciado em um esquema de corrupção que apurou desvios milionários, Job Brandão sequer tem um carro popular e mora em um bairro de classe média em Salvador.
A perícia realizada no dinheiro encontrado no apartamento encontrou uma digital parcial de Gustavo Ferraz em um dos pacotes de dinheiro. Seu advogado disse que ele confessou que, em 2012, realmente transportou um pacote de dinheiro para Geddel, de São Paulo para Salvador, que ele acreditava que seria usado na campanha eleitoral daquele ano.
Por fim, o defensor de Luiz Fernando Machado da Costa Filho alegou a inocência do empresário. Na condição de incorporador imobiliário, Luiz Fernando recebeu grandes quantias em espécie da família Vieira Lima, mas sua defesa alegou que todos os recursos recebidos foram depositados em conta corrente, o que demonstraria sua boa-fé.
Decisão
Em seu voto, o relator do caso, ministro Edson Fachin, rejeitou a alegação da defesa de que a busca e apreensão realizada pela PF no apartamento em Salvador seria nula porque se deu a partir de denúncia anônima. O ministro citou precedente do STF no sentido de que não existe impedimento para que o Poder Público, a partir de denúncia deste tipo, aprove a realização de diligência prévia para averiguar a possível ocorrência de ilícito penal.
No mérito, Fachin disse que com base nos elementos constantes dos autos é possível atestar a presença de indícios de autoria e materialidade dos crimes antecedentes apontados na peça acusatória, relativos aos crimes envolvendo recebimento de valores de Lucio Funaro por corrupção junto à CEF, a verbas irregulares recebidas da Odebrecht e ao crime de peculato referente a desvio de verbas da Câmara devidas a secretários parlamentares. Nesse ponto, o ministro lembrou que a legislação requer, para o recebimento da denúncia, apenas a presença de indícios.
O ministro apontou que a denúncia cita, entre outros, testemunhas, documentos, quebras de sigilo e laudos periciais para fundamentar a acusação. E lembrou que o próprio denunciado Job Brandão revelou que, embora não fizesse coleta de dinheiro para a família Vieira Lima, foi à sede da Odebrecht em Salvador, nove vezes, para pegar dinheiro em espécie e levar ao apartamento de Marluce. O mesmo disse Ferraz, quando transportou uma só vez valores de São Paulo a Salvador.
Junto com os filhos, Marluce integra quadro de participação em empresas que aportaram recursos em empreendimentos administrados pela Cosbat, de Luiz Fernando Machado da Costa Filho. Assim, o ministro concluiu que há indícios da participação de Marluce nas negociações imobiliárias e que o recebimento reiterado de vultosas quantias em espécie não permite excluir da denúncia o incorporador imobiliário que se associa para converter em ativos lícitos valores que têm indícios de ilicitude. Por todas essas razões, o relator considerou que as circunstâncias permitem o acolhimento da denúncia quanto ao crime de associação criminosa.
Com esses argumentos, o ministro votou pelo recebimento da denúncia quanto a Geddel, Lúcio, Marluce, Job e Luiz Fernando. Seu voto foi acompanhado pelos ministro Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes (parcialmente) e Celso de Mello. A denúncia não foi recebida quanto ao denunciado Gustavo Ferraz. Para o relator, sua situação é diferente porque a conduta que lhe foi atribuída – de ter feito, uma única vez, transporte de valores para Geddel de São Paulo a Salvador – não se encaixa, com a perfeição que se exige, às ações necessárias para caracterização do crime de lavagem de dinheiro previsto na Lei 9.613/1998. O mero transporte de valores uma única vez, por si só, não configura ato de ocultação ou dissimulação, concluiu o ministro, ao rejeitar a denúncia contra Ferraz.
O ministro Gilmar Mendes divergiu pontualmente de Fachin, votando pela rejeição da denúncia quanto ao incorporador imobiliário Luiz Fernando Machado da Costa Filho. Mendes ressaltou que seus negócios são lícitos, não sendo vedado a incorporadores imobiliários o recebimento de quantias em espécie. Além disso, tratava-se de família tida por “abastada” na Bahia.
Prisão mantida
Após o acolhimento parcial da denúncia, os ministros da Segunda Turma do STF negaram provimento, por unanimidade de votos, ao agravo regimental apresentado pela defesa de Geddel Vieira Lima contra decisão monocrática do ministro Edson Fachin (na Petição 7346) por meio da qual manteve a sua prisão preventiva. De acordo com o ministro Fachin, a prisão de Geddel foi convertida em prisão domiciliar e foi nesta circunstância que a Polícia Federal encontrou os R$ 51 milhões em um apartamento em Salvador (BA), o que denota reiteração delitiva.
“Em outras palavras, significa afirmar que a reiteração delitiva coexistiu à custódia domiciliar, porquanto o agravante [Geddel], mesmo com restrições à sua liberdade de locomoção, manteve em atividade suposta estratégia criminosa, mediante a ocultação de vultosa quantia em dinheiro acondicionado em malas e caixas, diretamente depositados em imóvel próximo a sua residência, onde, como dito, encontrava-se confinado por ordem judicial”, afirmou o relator.
Fachin apresentou em seu voto um registro cronológico dos fatos, relembrando que após ser preso preventivamente em 2/7/2017, por ordem do juízo da 10ª Vara Federal da Seção Judiciária do Distrito Federal, Geddel obteve prisão domiciliar em 12/7/2017 por decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1). Ainda assim, durante os meses de julho, agosto e setembro, continuou a praticar, em tese, um dos crimes pelos quais foi denunciado no STF, tanto que somente em 5/9/2017 é que foi descoberta, em função da busca e apreensão judicial, a quantia de R$ 42.643.500,00 e US$ 2.688.000,00, guardados em malas e caixas de papelão. Foi então decretada novamente a prisão preventiva pelo juízo da 10ª Vara Federal do Distrito Federal com fundamento na reiteração delitiva.
“Há, desse modo, consistente lastro indiciário, concreto, suficiente e factível a sugerir reiteração criminosa por parte do agravante e, nessa medida, afronta à ordem pública, cujo resguardo constitui uma das hipóteses autorizadas na lei processual e aptas à imposição de uma medida que é efetivamente drástica, que é a medida da segregação cautelar”, afirmou Fachin, ao rejeitar o agravo.
Ao acompanhar o relator, o decano do STF, ministro Celso de Mello, enfatizou declaração do denunciado Job Ribeiro Brandão, que prestava serviços a família Vieira Lima há 28 anos, de que, a pedido de Geddel, já em prisão domiciliar, Lúcio e Marluce auxiliaram na destruição de anotações de agendas e documentos, que foram picotados e colocados na descarga do vaso sanitário. “Isso mostra o grave risco que há para a ordem pública manter Geddel Vieira Lima em estado de liberdade”, disse o decano.
Processos relacionados Inq 4633 Pet 7346 |