Pedido de vista do ministro Edson Fachin suspendeu o julgamento, pela Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), do Inquérito (INQ) 4696, instaurado para apurar eventual abuso de autoridade na exibição do ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral às câmeras de televisão algemado pelas mãos, cintura e pés, durante transporte ao Instituto Médico Legal de Curitiba para realização de exame de corpo delito.
O julgamento foi suspenso após o voto do relator, ministro Gilmar Mendes, que, por entender presentes evidências de abuso de autoridade, propôs a submissão do inquérito à Procuradoria-Geral da República (PGR), ao Ministério de Segurança Pública, ao Conselho Nacional de Justiça e ao Conselho da Justiça Federal para as providências devidas.
O inquérito foi instaurado por determinação da Segunda Turma, nos autos do Habeas Corpus (HC) 152720, com a finalidade de reunir material para a análise de eventual violação a direitos humanos e descumprimento da Súmula Vinculante 11 do STF, segundo a qual só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros.
Jurisdição
Ao iniciar seu voto, o relator do inquérito, ministro Gilmar Mendes, esclareceu que Sérgio Cabral esteve submetido à jurisdição do Supremo por força de dois habeas corpus impetrados em seu favor. Naqueles pedidos, explica, haviam elementos indicativos de afrontas sistemáticas às decisões do Supremo bem como à Súmula Vinculante (SV) 11.
Diante disso, o ministro destacou que o Regimento Interno do STF (RISTF) prevê que o relator pode adotar medidas para a preservação de suas decisões, conforme prevê os artigos 21-A e 70. Além disso, complementou, o artigo 43 estabelece a possibilidade de instauração de inquérito no âmbito do Tribunal.
Caso
Para Mendes, trata-se de um caso clássico de afronta à dignidade da pessoa humana. “Analisadas as evidências, pode-se concluir, com auto grau de certeza, pela ocorrência de efetivo e ostensivo abusivo do uso de algemas, além de deliberada exposição do preso ao público pelas lentes da imprensa, previamente avisada e posicionada no local”, disse.
O relator explicou que o uso de algemas está regulamentado pelo Decreto 8.858/2016, que estabelece que é permitido o seu emprego apenas em caso de resistência e fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou a terceiros. Também a Súmula Vinculante 11 do STF estabelece as mesmas diretrizes.
No caso concreto, o uso das algemas, de acordo com os depoimentos dos agentes colhidos no inquérito, teve como justificativa a proteção à integridade física do preso, tendo em vista que havia se formado uma multidão de pessoas à frente do IML aguardando a chegada do ex-governador.
Para o relator, no entanto, não procede a justificativa. “Pelas imagens registradas pela imprensa, pode-se perceber a inexistência de indícios mínimos de que ali havia realmente alguma multidão ensandecida que queria eliminar o preso, conforme relato dos policiais”, disse. Além disso, de acordo com o ministro, “a imobilização do preso não ajudaria em nada contra um perigo de linchamento”.
As imagens revelam ainda, disse Mendes, que a viatura policial poderia ter se aproximado mais da sala de exames, evitando que o preso passasse em revista por dezenas de jornalistas e fotógrafos perfilados para capturar a cena. “É inquestionável a parada estratégica da viatura policial naquele ponto, pois o lugar forneceria à imprensa, como de fato aconteceu, a grande quantidade de material que se viu publicado pelas mídias, alusivo ao grotesco cenário protagonizado involuntariamente pelo preso”, disse.
Delatores
O ministro mostrou preocupação a respeito da advertência que Cabral teria recebido dos agentes policias. De acordo com o depoimento do ex-governador, após protestar contra o emprego das algemas, dois agentes teriam dito a ele que se desejasse ser tratado de forma melhor deveria fazer delação. O ministro também lembrou o histórico das diversas transferências a que o preso foi submetido, e ressaltou que não havia justificativa para sua transferência para o Paraná, uma vez que na Subseção Judiciária de Curitiba não havia processos ou inquéritos policiais em andamento contra ele. No Rio de Janeiro, entretanto, havia ainda em andamento 18 processos penais em fase de instrução, “circunstância que, de acordo com ditames constitucionais e processuais, recomendava a sua permanência no distrito da culpa”, disse.
“Causa preocupação a simples cogitação de que de alguma forma decisões judiciais possam ser determinadas visando causar desgaste físico e psicológicos nos presos, para desta forma forçar a obtenção de delações”, ressaltou. O uso de algemas, por expressa determinação legal, enfatizou o ministro, deveria ficar restrito aos casos extremos, e os excessos em seu uso, conforme ficou evidenciado nos autos, constituem abuso de autoridade nos termos da Lei 4.898/1965.
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Processos relacionados Inq 4696 |