Por Manoel de Queiroz Pereira Calças -
Assumimos a Presidência do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo em janeiro de 2018 imbuídos do objetivo de promover uma profunda transformação na gestão de sua administração. A primeira providência consistiu na convocação de uma equipe de magistrados com reconhecida e exitosa experiência na gestão de suas unidades judiciais, com atuação remarcada por dinamismo, comprometimento, competência, produtividade, com prestação jurisdicional de notória qualidade e eficiência. Na mesma senda, e tendo como pedra angular a meritocracia, foram convidados servidores dos quadros do Tribunal de Justiça, os quais se destacaram ao longo de suas carreiras por espírito de liderança, superação de desafios, perfil competitivo e pela constância e disciplina empregadas nas atividades profissionais.
Na sequência, demos início à realização de uma radical, transparente e criteriosa reforma administrativa. A primeira medida aplicada consistiu na redução de 12 secretarias, unificadas em oito, com expressiva diminuição do número de cargos e de toda a estrutura organizacional. Os motivos da reforma foram a necessária observância da métrica financeira e adaptação de custos, em consequência do expressivo corte orçamentário imposto pela crise econômica que assola nosso país, bem como pela busca de governabilidade eficiente, com a racionalização dos processos de trabalho.
Ao mesmo tempo, em março de 2018, recebemos a inspeção do CNJ, oportunidade em que boas práticas administrativas nos foram sugeridas, cumprindo ressaltar boas experiências de São Paulo, como as UPJs – Unidades de Processamento Judicial, que foram excelentemente avaliadas e recomendadas como paradigmas para práticas nacionais, indicando a importância da contribuição paulista para o aperfeiçoamento do Poder Judiciário nacional.
O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo é composto por aproximadamente 43 mil servidores ativos, 3.200 funcionários terceirizados, 2.069 juízes de direito, 85 juízes substitutos em segundo grau e 360 desembargadores, além de 319 Comarcas e 3 Seções – Direito Público, Privado e Criminal –, ocupando 764 prédios. Ante a magnitude dos números, os efeitos de qualquer modificação administrativa, sistemática ou funcional são de grande escala e impactam procedimentos e práticas enraizadas na cultura funcional, gerando, ao mesmo tempo, entusiasmo e resistência diante do novo e desconhecido.
Os desafios são vários.
Metas e estratégias estabelecidas pelo CNJ impõem uma maior integração do SAJ com outros sistemas, como o do Banco Nacional de Monitoramento de Prisões (BNMP), o da polícia e o dos portais de intimação e de custas, entre outros. Nesse contexto, houve a necessidade, neste ano, de realizar mais versões de atualização do sistema, muitas das quais resultaram em inúmeros problemas, como a impossibilidade de assinatura, as publicações com informações faltantes e questões no peticionamento eletrônico. O sistema SAJ não permite saber, previamente à implantação da nova versão, se esta possui problemas ou erros, de modo que, desde o começo do ano, houve necessidade de se realizar 507 solicitações de alteração (SALTs) corretivas. As baixas de versões referentes às novas funcionalidades e às respectivas correções ocuparam 28 dias deste ano e deram origem a 2.678 chamados.
Muitas reuniões foram realizadas com a empresa Softplan, que informou sobre o desenvolvimento de funcionalidades a serem entregues até o final deste ano, a fim de tornar possível testar as novas versões previamente, de modo a permitir a correção antes que eventual erro gere efetivo prejuízo. Por outro lado, a Presidência, por meio da Secretaria de Tecnologia e Informática (STI), tem monitorado os serviços prestados, com o objetivo de desenvolver ações conjuntas com os contratados para minimizar problemas e transtornos. Esforços hercúleos têm sido envidados por toda a equipe da Presidência para a evolução e superação das dificuldades técnicas e elevados valores têm sido investidos para que o suporte de informática seja aperfeiçoado.
Além da necessidade de garantir o funcionamento ininterrupto da Justiça em todo o estado, há constante preocupação com o grau de confiança da população no Poder Judiciário, forte no pressuposto de que a credibilidade das decisões judiciais é essencial para a paz e justiça social. Em cenário de ampla exposição, a magistratura se vê julgada pelos cidadãos com fundamento em informações quase sempre negativas veiculadas pela imprensa, levando ao esforço interno de refletir sobre a importância da comunicação com o público externo, para a construção de uma imagem pública mais fidedigna e consentânea com os esforços contínuos do Poder Judiciário de fornecer prestação jurisdicional rápida, eficiente e justa. Sob esse aspecto, pode-se citar a maior segurança jurídica alcançada com a especialização das Varas Empresariais como fator positivo para a economia do estado, que acaba desconhecido da população em razão da pouca atenção que recebe da mídia, entre tantos outros exemplos da relevância do relacionamento com a imprensa.
Existe também outra ordem de questões a serem enfrentadas, relacionadas às ações afirmativas voltadas à inclusão, que passaram a compor a pauta nacional do Poder Judiciário, trazendo novas demandas estruturais e relacionais.
Exemplificativamente, vale citar a Resolução 230/2016 do Conselho Nacional de Justiça, que determina a adaptação arquitetônica dos prédios e o uso da língua de sinais para atender pessoas com deficiência que trabalhem ou utilizem o sistema de justiça, alcançando servidores, magistrados, promotores, advogados, defensores, partes e testemunhas. A quebra de paradigma envolve princípios e procedimentos seculares, como a oralidade na audiência e a leitura de processos físicos, entre tantas outras mudanças.
Há, ainda, dificuldades próprias do relacionamento humano, que levam a repensar procedimentos nas unidades judiciais e secretarias, com vistas à eliminação de barreiras atitudinais e à manutenção do clima fraterno no Judiciário. É verdade que o volume de serviço é imenso e exige o máximo esforço de todos. Contudo, a preocupação com a produtividade não antagoniza com a incorporação de pessoas com deficiência nos processos de trabalho, conduzindo a esforços administrativos voltados à implantação de práticas adaptadas, adequadas ao corpo funcional.
Uma maior acessibilidade, no Tribunal de Justiça, terá o potencial transformador dos ambientes de trabalho, com os respectivos ganhos associados à diversidade, constantemente divulgados em pesquisas do setor privado. A valorização dos servidores do Poder Judiciário, o incentivo à capacitação técnica e o apoio psíquico-social implicarão melhoria da prestação jurisdicional aos nossos cidadãos, com o que será atendido o preceito constitucional de duração razoável do processo.
A última, mas não menos relevante, ordem de desafios consubstancia-se na concretização da autonomia administrativa e financeira do Tribunal de Justiça, consoante assegura o artigo 99, caput da Constituição Federal. No primeiro semestre da atual gestão foram dados mais dois passos importantes para tal desiderato. Em sincronia com o Poder Executivo, sob o comando do governador Márcio França, e com o Poder Legislativo, sob a presidência do deputado Cauê Macris, e com o apoio dos deputados estaduais, foi aprovada e sancionada a alteração da Lei 11.608/2003, passando o repasse da Taxa Judiciária ao Tribunal de Justiça de 40% para 70%.
Na mesma senda, a aprovação do Projeto de Lei Complementar 14/2017 incrementa os quadros do Poder Judiciário de São Paulo mediante a criação de 30 cargos de juízes substitutos em segundo grau, em muito contribuindo para a organização da carreira e para o aperfeiçoamento da prestação jurisdicional.
Nesse cenário, a Presidência inaugura o biênio objetivando conduzir o Tribunal de Justiça em direção ao futuro, que se espera seja marcado pelo avanço tecnológico, pela eficiência na gestão em produtividade e em economia, pelo compartilhamento de boas práticas administrativas e pelo fortalecimento de políticas públicas de inclusão, sob a égide dos princípios da ética, isonomia, transparência e dignidade da pessoa humana.