Por Nelson Missias de Morais -
Episódios relativamente recentes da vida nacional, envolvendo relações pouco republicanas entre agentes públicos e setores empresariais, com desdobramentos criminais e políticos, têm levado a administração pública a rever alguns conceitos e práticas ultrapassados, ainda que legais, para se adaptar aos novos tempos. Entre os conceitos e práticas que começam a ser assimilados está o da “compliance pública”, já tornada obrigatória no Executivo Federal, com base na Lei 12.846 (Anticorrupção), de 2013, e no Decreto 9.203, de novembro de 2017, e em alguns estados e municípios. No Poder Judiciário, onde se praticam diuturnamente atos de gestão, há também necessidade de movimentos nesse sentido.
O Tribunal de Justiça de Minas Gerais sai na frente e acaba de instituir, por resolução, o seu Processo Administrativo de Responsabilização (PAR), por meio do qual irá apurar regularmente a responsabilidade administrativa e civil de pessoas jurídicas que praticarem atos lesivos contra a administração pública, no que se refere ao Judiciário. A resolução do TJ-MG prevê a criação de órgão especial para exercer as atividades de controladoria — outro órgão fundamental para a contenção de práticas danosas à administração —, mas, até que ele seja efetivado, haverá designação de comissão especial para este fim, com poderes para instaurar os procedimentos de apuração, celebrar acordos de leniência e aplicar sanções administrativas.
Embora o conceito de compliance não seja exatamente novo e signifique “estar em conformidade com leis e regulamentos externos e internos”, sua assimilação pelo poder público brasileiro, de forma orgânica, tem potencial para trazer resultados positivos nos médio e longo prazos, por reafirmar a indispensável obrigação de que os agentes públicos ajam o tempo todo com lisura absoluta e com olhos voltados apenas para a correta execução das políticas para as quais estão responsabilizados.
Compliance não poderá nem deverá ser confundido com mecanismos de fiscalização autoritária, de espionagem ou de punição prévia a eventuais adversários não alinhados à gestão, internos ou externos, mas tão-somente como instrumento de análise criteriosa de riscos operacionais e de gerenciamento de controles internos. O profissional, o servidor ou o conjunto de servidores aos quais forem conferidas tais atribuições deverão ser vistos, para o bem da administração, de forma positiva, como guardiães das normas e procedimentos vigentes em todas as esferas da organização.
Com essas considerações e premissas, nos apressamos, logo após a posse na Presidência do TJ-MG, em instituir o nosso PAR, com base em nosso plano de gestão. Nossa motivação para adotar essa medida é resultado da consciência de que a administração pública tem por obrigação acompanhar a evolução dos mecanismos modernos de gestão, para oferecer o melhor serviço possível ao cidadão, contendo eventuais desvios ou danos à administração pública. Não nos motivou, portanto, qualquer preocupação de ordem policialesca, até porque o tribunal de Minas tem sido um modelo histórico de gestão no que diz respeito à lisura dos atos administrativos.
Nossa expectativa é a de que a iniciativa venha a produzir os resultados que dela esperamos, tornando mais efetivas e transparentes nossa relação com fornecedores de toda espécie, e venha a frutificar, podendo até servir como referência para outras instituições do Poder Judiciário.