OBJETIVOS DA LEI DE EXECUÇÕES PENAIS ESTÃO SENDO ESCRACHADOS

Por Aline Votri -  

A decisão judicial sobre regressão de regime pelo cometimento de falta grave no regime aberto, quando do cometimento de delitos de menor potencial ofensivo, é uma reação totalmente desproporcional e injusta que causa sofrimento, pois, ao se impor uma pena entendida como mera contenção, cerceando a liberdade do apenado, trata-se de enjaulamento de um ente perigoso. 

Muitas vezes o apenado, após o cometimento da falta, sem sofrer qualquer sanção imediata pelo juízo da execução penal, continua trabalhando, estudando, cumprindo as medidas cautelares impostas, apresentando-se semanalmente no estabelecimento prisional ou até mesmo perante o Judiciário para comprovar suas atividades. Contudo, tempos depois, até mesmo alguns anos após o cometimento da referida falta, a pessoa é presa para cumprir uma sanção mais gravosa.

Essa privação de liberdade, por mais que seja para o regime semiaberto, priva a sua cidadania, retira sua condição de pessoa, desumaniza e o objetifica. Verifica-se que burocracia e procrastinação de provimento jurisdicional, além da liberdade, protelam ao máximo a aplicação dos benefícios estabelecidos na Lei de Execuções Penais, como saídas temporárias e trabalho externo, tendo em vista que muitos juízes insistem na instauração de processo administrativo disciplinar para apuração de falta grave, ou até mesmo na designação de audiência de justificação, mesmo havendo decisão proferida anteriormente que determine a regressão de regime.

A regressão de regime para o semiaberto é a forma de condenar a pessoa que cometeu uma infração de menor potencial ofensivo em privação de liberdade, muitas vezes de forma absurdamente prolongada e desproporcional. Essa sistemática configura um sistema arcaico e subterrâneo, uma cultura subalterna arbitrária de poder punitivo irracional.

A função do Direito Penal de todo Estado de Direito dever ser a redução e contenção do poder punitivo dentro dos limites menos irracionais possíveis. Pois o Direito Penal é apenas uma extensão do Direito Constitucional, o qual orienta o Direito Penal a fim de buscar o ideal estado de direitos, sem que perca sua essência para o estado de polícia, pois, caso não haja essa contenção jurídica, teremos o direito penal do inimigo, e não do cidadão. 

Ao proferir decisões de regressões de regime penal, sem observar as garantias constitucionais e da Lei de Execuções Penais de imediato, o Judiciário legitima o trato diferencial dos “inimigos”, viola o estado de direitos real e histórico, perdendo a função política do Direito Penal, seja por ação ou omissão, pois admite e legitima “o trato de uma pessoa como não pessoa”, considerando-a como um puro ente ou coisa perigosa, sem importar com a extensão dos direitos que se priva da pessoa. 

Esses arranjos legais e administrativos que estão em vigor destruíram a capacidade decisória e a revisão discricionária das decisões judiciais, pois o Judiciário tem adotado a corrente populista, notadamente ao sentimento de que os apenados em liberdade condicional que cometem novas infrações foram e estão sendo insuficientemente punidos ou de que indivíduos perigosos estão sendo inadequadamente controlados. 

Os objetivos da Lei de Execuções Penais estão sendo escrachados. Em vez de o Judiciário se preocupar com a personalidade do indivíduo ou suas relações sociais, objetivando a ressocialização, ocupa-se com o monitoramento do comportamento criminoso e com os hábitos relacionados a este. O objetivo imediato não é mais prestar os serviços necessários para a ressocialização, mas tão somente impor restrições, reduzir o crime e proteger o público, visando beneficiar futuras vítimas, não mais o reeducando, ou seja, as futuras vítimas são reabilitadas, não mais os criminosos. 

Assim, temos que a ressocialização de apenados não é mais vista como principal objetivo da Lei de Execuções Penais, mas, sim, como uma intervenção específica adequada somente para aqueles que possuam condições financeiras mais eficazes, desonerando o serviço estatal. A Lei de Execuções Penais está sendo considerada na prática judiciária e no sistema prisional como um investimento, e não mais como um direito.

 

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