RELATOR : Desembargador Federal HÉLIO NOGUEIRA -
PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. FURTO MEDIANTE FRAUDE. UTILIZAÇÃO DE CARTÕES DE CRÉDITO CLONADOS. PRELIMINAR DE NULIDADE. DA PRELIMINAR DE NULIDADE. SISTEMA ACUSATÓRIO. IMPARCIALIDADE. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. DOSIMETRIA. PENA-BASE REDUZIDA. VALOR UNITÁRIO DO DIA MULTA REDUZIDO. REGIME DE CUMPRIMENTO DA PENA. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE. RECURSO PROVIDO EM PARTE. 1. Réu condenado como incurso nas sanções do artigo 155, §4º, II c.c artigos 29 e 71, ambos do Código Penal. 2. Rejeitada preliminar de nulidade do processo por afronta ao processo acusatório, ao argumento que o julgador da causa também presidiu o inquérito policial, determinando medidas cautelares como busca e apreensão e interceptação telefônica, o que importa em pré-julgamento da causa, comprometendo a sua imparcialidade. 3. A legislação processual penal determina que o juiz que decidir sobre medidas cautelares, ainda que na fase pré-processual, será justamente o competente para julgar a ação penal. Nesse sentido, o artigo 75 do CPP prevê que "a precedência da distribuição fixará a competência quando, na mesma circunscrição judiciária, houver mais de um juiz igualmente competente." O artigo 83 do CPP dispõe expressamente que "verificar-se-á a competência por prevenção toda vez que, concorrendo dois ou mais juízes igualmente competentes ou com jurisdição cumulativa, um deles tiver antecedido aos outros na prática de algum ato do processo ou de medida a este relativa, ainda que anterior ao oferecimento da denúncia ou da queixa (arts. 70, § 3o, 71, 72, § 2o, e 78, II, c)". E o artigo 1º da Lei nº 9.296/96 é expresso no sentido de que o juízo competente para a ação principal é quem decidirá sobre a quebra do sigilo telefônico. 4. Não se pode presumir que o magistrado estará comprometido em sua imparcialidade pelo simples fato de ter autorizado o cumprimento de medidas cautelares durante o inquérito policial. 5. Não há que se falar em violação ao sistema acusatório, uma vez que o magistrado apenas determinou a quebra de sigilo telefônico e a busca e a apreensão após ter sido previamente provocado pelo Ministério Público Federal, tendo valorado a prova produzida após o contraditório e a ampla defesa. 6. Não comporta acolhimento o pleito defensivo de aplicação do princípio da insignificância. O Plenário do STF decidiu no julgamento do HC 123108/MG que "a simples circunstância de se tratar de réu reincidente ou de incidir alguma qualificadora (CP, art. 155, § 4º) não deve, automaticamente, afastar a aplicação do princípio da insignificância. É preciso motivação específica à luz das circunstâncias do caso concreto, como o alto número de reincidências, a especial reprovabilidade decorrente de qualificadoras etc." (HC 123108, Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 03/08/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-018 DIVULG 29-01-2016 PUBLIC 01-02-2016). 7. No caso, as circunstâncias do caso concreto não são compatíveis com a incidência do princípio da insignificância. Destarte, o montante subtraído pelo acusado representava mais de 33 vezes o valor do salário mínimo vigente à época dos fatos. Ademais, a conduta não pode ser considerada minimamente ofensiva e de baixa reprovabilidade social, ante a reiteração criminosa do réu, que responde a processos criminais por processos por crimes contra o patrimônio, contra a vida e contra a paz pública (fls. 516/517 e 553/555), tendo ainda o acusado se aproveitado da facilidade que tinha como prestador de serviços da REDECARD para adulterar máquinas POS de forma a capturar as trilhas magnéticas e senhas dos cartões de crédito, prejudicando inúmeros clientes e instituições financeiras. Acrescente-se que, com as mais de setenta condutas criminosas praticadas pelo réu, a Caixa Econômica Federal não foi a única que arcou com prejuízo, mas também outras cinco instituições financeiras, devendo-se ainda levar em conta o potencial lesivo da conduta do acusado, que comprometeu a higidez e credibilidade das instituições financeiras. 8. Materialidade e autoria demonstrada. Decreto condenatório mantido. 9. Dosimetria da pena. Consoante Súmula n. 444 do Superior Tribunal de Justiça, dispõe que "é vedada a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena-base". Desta forma, processos e inquéritos em andamento não podem ser considerados como maus antecedentes, conduta social reprovável e personalidade perniciosa do agente. 10. O fato de o acusado ter utilizado o "próprio trabalho técnico para facilitar a clonagem de cartões e sua utilização fraudulenta" já faz parte da qualificadora prevista no inciso II do §4º do artigo 155 do CP. Destarte, o acusado foi responsável pela instalação de equipamentos de captura ilegais de trilhas e senhas de cartões magnéticos, utilizando-se da facilidade de prestador de serviços da empresa REDECARD. 11. No entanto, a pena-base deve ser fixada acima do mínimo legal, tendo em conta as circunstâncias que envolveram a prática do fato e as consequências do crime. As atitudes perpetradas pelo acusado merecem uma reprovação social maior que o mínimo legal estipulado. As circunstâncias em que o crime foi praticado ensejam um aumento na pena-base, considerado que a conduta do acusado causaram transtornos e descrédito ao mercado e ao sistema bancário nacional. A consequência de suas ações foi de intensa relevância, tendo o acusado causado prejuízo a seis instituições financeiras no montante de R$ 19.287,63 (dezenove mil, duzentos e oitenta e sete reais e sessenta e três centavos), calculado em 2011. É certo que a ocorrência de prejuízo é inerente nos crimes de natureza patrimoniais. No entanto, o valor subtraído se revela excessivo para o crime de furto. 12. A pena de multa é sanção legalmente prevista, de forma cumulativa à pena privativa de liberdade, devendo ser, portanto, aplicada. Questões envolvendo a alegada impossibilidade de pagamento da multa devem ser veiculadas, oportunamente, pela via adequada. 13. Para fixação da pena de multa deve ser guardada proporcionalidade com a pena privativa de liberdade imposta ao réu. Valor unitário da pena de multa reduzido, pois fixado de modo exacerbado na sentença. 14. Considerando as circunstâncias judiciais desfavoráveis, ponderadas na primeira fase da dosimetria da pena, de rigor a manutenção do regime inicial de cumprimento de pena semiaberto, tendo por fundamento o disposto no artigo 33, § 3º, do Código Penal. 15. Incabível a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, em face do não preenchimento dos requisitos subjetivos do art. 44 do Código Penal, considerando que as circunstâncias judiciais não são favoráveis ao réu, tanto que fixada a pena-base acima do mínimo. 16. Apelação do réu provida em parte.
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