RELATOR: DESEMBARGADOR ÉLIO WANDERLEY DE SIQUEIRA FILHO -
PENAL. SENTENÇA ABSOLUTÓRIA. RECURSO MINISTERIAL. PRETENSÃO DE RESPONSABILIZAÇÃO DE EX-PREFEITO E DE EX-SECRETÁRIO DE OBRAS DO MUNICÍPIO DE VITÓRIA DE SANTO ANTÃO-PE. IMPUTAÇÃO DE PRÁTICA DE CRIMES, NO ANO DE 2008, DE DANO (ART. 163, PARÁGRAFO ÚNICO, III, DO CÓDIGO PENAL) E DE TENTATIVA DE FURTO (ART. 155, § 4º, IV, C/C ART. 14, II, AMBOS DO CP). RETIRADA, ATERRAMENTO, SOTERRAMENTO, USO E DEPÓSITO INDEVIDOS DE TRILHOS E EQUIPAMENTOS FÉRREOS SUCATEADOS, DA EXTINTA REDE FERROVIÁRIA NACIONAL - RFFSA, SEM AUTORIZAÇÃO FORMAL DE QUEM DE DIREITO, DE TERRENOS ARRENDADOS PELA MUNICIPALIDADE À COMPANHIA FERROVIÁRIA DO NORDESTE - CFN. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO DOLO NO AGIR DOS DENUNCIADOS, ORA APELADOS. SUCESSÃO DE PREFEITOS, SENDO DE SE ADMITIR, IN CASU, A ASCENDÊNCIA DO CHEFE ANTERIOR DA EDILIDADE - QUE TEVE DECRETADA A EXTINÇÃO DE SUA PUNIBILIDADE PELO EVENTO PRESCRICIONAL - SOBRE SEU SUCESSOR E DEMAIS INTEGRANTES DA MÁQUINA ADMINISTRATIVA MUNICIPAL, NA CONDUÇÃO DA PREFEITURA, POR APENAS 08 (OITO) MESES REMANESCENTES AO MANDATO ORIGINÁRIO. EMPREGO INDEVIDO DE TRILHOS EM PAVIMENTAÇÃO DE RUAS, ETC.. INEXISTÊNCIA DE COMPROVAÇÃO MÍNIMA DA CIÊNCIA DOS DENUNCIADOS DE AUSÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO EXPRESSA, EVENTUALMENTE CONCEDIDA PELO DNIT OU PELA CFN, AO PREFEITO ANTERIOR, PARA RETIRADA E MANEJO DOS EQUIPAMENTOS FERROVIÁRIOS. SEM PROVAS DE APROPRIAÇÃO, PELOS DENUNCIADOS, DOS REFERIDOS EQUIPAMENTOS OU, MESMO, DE SUA COMERCIALIZAÇÃO E, DAÍ, DA OBTENÇÃO DE ENRIQUECIMENTO ILÍCITO. OFENSIVIDADE MÍNIMA AO BEM JURÍDICO TUTELADO PELA NORMA. PARTE DO EQUIPAMENTO ACERVADO EM DEPÓSITO DA PREFEITURA. EVENTUAL DESVIO DE FINALIDADE A SER MELHOR APURADO E SANCIONADO, SE O CASO, À LUZ DO DIREITO ADMINISTRATIVO SANCIONADOR. IMPÕE-SE MANTER OS TERMOS E COMANDOS DO VEREDICTO ABSOLUTÓRIO, VISTO REPRESENTAR PERCUCIENTE ANÁLISE DO CONTEXTO POLÍTICO QUE PERMEIA A HIPÓTESE TRAZIDA AOS AUTOS, EM SOMATÓRIO COM APURADA VALORAÇÃO, DE PER SE, DAS PROVAS E CONDUTAS DE CADA ENVOLVIDO NOS EPISÓDIOS DELINEADOS PELA ACUSAÇÃO, PARA ALÉM DO AGIR DOS APELADOS. DECRETO ABSOLUTÓRIO QUE ORA SE MANTÉM PELA RAZOABILIDADE DE SUA FUNDAMENTAÇÃO, NOTADAMENTE EM FACE DE PERCUCIENTE COTEJO DE TODOS OS ELEMENTOS INDICIÁRIOS QUE COMPÕEM O PLEXO ACUSATÓRIO, MAS QUE NÃO SE REVELARAM, FINDA A INSTRUÇÃO, SUFICIENTES A ALICERÇAR A RESPONSABILIZAÇÃO PENAL DOS DENUNCIADOS. 1. Afastada a necessidade de modificação da sentença recorrida, tanto pela escorreita fundamentação jurídica empregada, quanto pelo senso de fiel aplicação dos princípios - entre outros - da razoabilidade e da proporcionalidade, na aferição, pela sentenciante, da procedibilidade da acusação descrita na denúncia, que se revelou, após a instrução processual, insuficientemente apta à responsabilização penal de 02 (dois) dos denunciados, ora apelados. 2. Versa a acusação ministerial, em síntese, sobre fatos ocorridos nos anos de 2007 e 2008, no Município de Vitória de Santo Antão - PE, associados à subtração, à posse, ao uso e ao depósito indevidos, de trilhos sucateados e de outros equipamentos ferroviários da extinta Rede Ferroviária Federal - RFFSA, localizados em terrenos - outrora pertencentes ao DNIT - arrendados, pela municipalidade, à Companhia Ferroviária do Nordeste - CFN, e que a instrução processual revelou como sendo posteriormente, utilizados para aterramento de buracos e, ainda, empregados em algumas edificações na cidade - pavimentação de ruas, etc. -, além de indevidamente acervados em depósito da Prefeitura. A materialidade delitiva das condutas descritas na inaugural acusatória estaria positivada, consoante explanação da sentenciante. 3. É de se destacar que o apelo ministerial em causa objetiva, exclusivamente, a responsabilização penal dos apelados, quanto aos episódios ocorridos em 03/04/2008 (aterramento de parte dos trilhos e soterramento do girador de locomotiva) e 18/09/2008 (tentativa de furto de trilhos de linha férrea), não havendo insurgência recursal, quanto à absolvição de outro denunciado, decretada na Sentença, relacionada ao fato ocorrido em 02/12/2007 (furto de trilhos). 4. Pois bem. Apesar de haver sido observada, na Sentença, a positivação da materialidade dos delitos delineados na denúncia ministerial, nos fatos ocorridos em 03/04 e 18/09/2008, impõe-se reconhecer, por outro lado, o acerto da absolvição dos denunciados, vez que a magistrada sentenciante registrou, de forma exaustiva, inegavelmente técnica e fulcrada em coerente análise de todo o acervo de informes probatórios dos autos, a ausência de provas capazes de alicerçar um decreto condenatório, notadamente em razão da insuficiência de elementos acusatórios, pontuais, acerca da presença, no agir dos denunciados, do elemento subjetivo, psíquico-volitivo, motivador da perpetração das condutas antes referenciadas - que se exigem dolosas - e descritas na denúncia. Assim, no que diz respeito à imputação de crime de dano - art. 163, parágrafo único, inciso III, do CP -, ocorrido em 03/04/2008, lançada em desfavor do então prefeito do Município de Vitória de Santo Antão/PE, nos idos de 2008, por, apenas, 08 (oito) meses, em virtude de haver sucedido o ex-prefeito, destacam-se excertos da fundamentação sentenciante quanto à absolvição - in dubio pro reo - do acusado. 5. Evidencia-se, pois, no veredicto objeto do presente apelo, o sistemático cotejo promovido pela julgadora, entre os elementos probantes constantes nos autos, não se revelando, contudo, necessária e obrigatoriamente interrelacionados, ou seja, integrados entre si, mas, ao contrário, dispersos, e, cada qual, com insuficiente autonomia probatória, porquanto inservíveis, por si sós, ao escopo de revelar o cometimento voluntário - doloso - de qualquer dos delitos descritos na peça acusatória, à míngua da confirmação do elemento subjetivo, exigível para o perfazimento do núcleo das elementares dos respectivos tipos, como ilustram incontáveis passagens do decreto absolutório. Colham-se, nesse sentido, excertos sentenciantes relacionados à fragilidade probatória - precedidos, no veredicto, da análise de múltiplas contradições de testemunhos - quanto à acusação, também, da prática do crime, em sua modalidade tentada, do crime de furto qualificado, previsto no art. 155, § 4º, inc. IV, c/c o art. 14, II, ambos do CP, em relação aos trilhos férreos, ocorrência registrada em 18/09/2008, atribuída aos apelados. 6. Vê-se, pois, das conclusões sentenciantes - suficientemente fundamentadas -, a falta de convergência dos elementos de prova reunidos nos autos, para comprovar o perfazimento das elementares dos tipos penais multirreferenciados, quanto à exigida presença do dolo, mormente quanto ao animus rem sibi habendi. Como se infere da leitura completa do veredicto absolutório, promoveu a sentenciante, pormenorizadamente, a análise de cada uma das imputações assacadas em desfavor dos apelados, abrindo, em separado, tópicos especificamente voltados a explorar todas as imputações, sem que se possa cogitar de ausência de valoração - fundamentada - de qualquer elemento de prova associado às acusações de cometimento - doloso - das condutas típicas já referenciadas. 7. Assim, quer a partir do acervo documental, quer dos testemunhos colhidos - nas fases inquisitorial e judicial -, é de se realçar a lógica empregada na aferição do acervo probatório em seu conjunto sistêmico, ao inverso da pretensão recursal ministerial, que pretende fazer valerem, para efeitos condenatórios, provas não conclusivas da configuração do elemento subjetivo dos ilícitos em causa (animus rem sibi habendi), separadamente consideradas, visto que de precária autonomia probante, ou mesmo sequer corroboradas, como antes dito, pelos demais elementos integrativos dos autos, apontando, então, para a ausência de constatação, extreme de dúvidas, da tipicidade subjetiva. 8. É que da instrução não exsurgiu, inegavelmente, a comprovação irrefutável de que os acusados detinham a plena vontade, a intencionalidade mesma, dirigida a praticar as condutas penalmente reprováveis, previstas nos tipos específicos, visto inexistir prova - extreme de dúvidas - de que ambos detinham total conhecimento de que inexistiria, nos episódios imputados aos mesmos - em 03/04/2008 (aterramento de parte dos trilhos e soterramento do girador de locomotiva) e 18/09/2008 (tentativa de furto de trilhos de linha férrea) -, autorização concedida ao ex-prefeito, pela CFN ou pelo DNIT, para a realização dos serviços ligados aos trilhos em referência. 9. Fato é que a presente apelação ministerial, para além do esforço dirigido a responsabilizar, penalmente, os denunciados, não se desobrigou, satisfatoriamente, do seu exclusivo ônus de demonstrar o dolo exigível para o perfazimento das condutas reiteradamente descritas em seu apelo, sendo de se afirmar, apenas levando em consideração o caso concreto dos autos, tratar-se de episódios desmerecedores, separadamente, de responsabilização penal neste feito em particular, porquanto mais próximos, todavia e se o caso, da seara do Direito Administrativo Sancionador, a ter lugar por intermédio de seus instrumentos mais especificamente voltados à apuração e à repressão - inclusive judicialmente, a exemplo da Ação de Improbidade - de eventuais atos e responsabilidades de agentes da Administração, porventura encontrados em culpa ou em práticas desviantes da finalidade precípua do bem comum ou do interesse público. 10. Filiamos-nos, então, ao julgador monocrático: impõe-se manter as absolvições decretadas, considerando, ainda, que a gravidade e a repercussão social dos fatos havidos como criminosos não são de vulto - a partir mesmo da ausência de estimativas colacionadas aos autos, quanto aos valores dos trilhos e equipamentos sucateados, sequer existindo notícia de haverem sido comercializados pelos denunciados -, resultando inexpressiva lesividade ao tecido social como um todo, pela retirada e pelo emprego irregular de tais equipamentos férreos em desuso, ausentes, ainda, provas efetivas de locupletamento, pelos denunciados, de dinheiros públicos. 11. Sentença absolutória mantida em todos os seus termos. Apelação ministerial improvida.
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